Capítulo 5 - Um novo dia, uma nova trilha e Anões para o café
Ainda dentro das ruínas de pedra, é quase o fim da madrugada, Arielle e Liz são as únicas acordadas, iluminadas pelas poucas tochas que restam acesas. Estão sentadas próximas uma da outra, mas sem conversar entre si, já que cada uma está focada em algo diferente. A meia-elfa está lendo um livro, e a demônio está concentrada em encontrar o grupo de mantos vermelhos com sua magia.
Um barulho estridente ecoa pelo local, formado pelos pesados roncos de Helga, que ao fundo dorme de braços cruzados, recostada sobre uma rocha. Próxima a ela, Jenny está deitada de lado, dormindo com a cabeça recostada sobre sua mochila. A essa altura, Liz já sabe que a humana tem um sono pesado, já que mesmo com o denso ruído do ambiente, ela não acorda.
Ela devia ir em algum médico, pensa Liz. Não sei como a Arielle consegue ler assim.
Amarrados em uma pedra no canto oposto, estão os mantos vermelhos que permanecem inertes mesmo na presença dos poderosos roncos de Helga.
“Arielle”, diz Liz bem baixinho, interrompendo o silêncio. “Será que os cultistas morreram?” Ela mantém os olhos fechados, pois está vendo através dos olhos de um dos corvos.
“Acho que não. Por quê?”, questiona a meia-elfa.
“Não consigo imaginar alguém permanecendo desacordado com um ronco desses”, diz a demônio.
“Uma hora, você se acostuma”, diz Arielle.
“Acho que eles não tiveram muita opção”, Rubi comenta. “Quase perdi o controle dos corvos quando ela começou a roncar.”
“Anda tendo algum progresso?”, Arielle pergunta.
“Tive problemas no começo, mas agora está até que indo bem”, Rubi responde.
“Que problemas?”, pergunta a meia-elfa, preocupada.
“Bem, no começo meu corvos estavam me avisando sobre qualquer coisa viva na frente deles, incluindo insetos. Isso estava me deixando doida, já que são três corvos me alertando praticamente o tempo todo”, Rubi responde. “Mas depois de um tempo precisei reconjurar a magia e comecei a me concentrar mais em coisas vivas maiores, e deu certo.”
Dentro do jogo existia uma opção no cursor para ignorar ou focar Mobs, Npcs, players, monstros fracos e bosses, Rubi divaga. Mas como não existe cursor aqui, tive que me virar pra descobrir isso.
“Será que posso ajudar em alguma coisa?”, Arielle pergunta.
“Acho que está tudo bem, só nos resta aguardar”, diz Rubi.
“Tudo bem, se precisar estou aqui”, diz Arielle, retornando a ler seu livro em paz.
Aguardar por um dos mantos acordar não parece mais uma opção tão boa e pelo jeito, a minha teoria outra teoria falhou, Liz lamenta. Já faz mais de seis horas que fui invocada nesse mundo. A essa altura, o console onde estava conectada já deveria ter descarregado e eu sofreria Logout forçado, mas nada aconteceu. Ela suspira frustrada. Os corvos se tornaram minha melhor opção. Só preferiria ter me adaptado a eles sem aquela dor de cabeça.
A meia-elfa e a demônio voltam às atividades que vinham realizando. Mais horas se passam, até que Liz de repente quebra o silêncio. “Achei!”, ela exclama.
Arielle se espanta ao ouvir o súbito grito de Rubi. O bastante para derrubar seu livro. “Você quase me matou!”, exclama a meia-elfa abalada.
“Perdão”, diz Liz. O ronco monstruoso da Helga tudo bem, mas um gritinho e ela se desconcentra?, ela se questiona.
Arielle percebendo sua exaltação perante a demônio fica brevemente em choque. “Não, não. Tudo bem dona lorde”, ela se desculpa temendo uma reação negativa. Rapidamente ela vai até seu livro e pega-o no chão. “Achou eles mesmo?”, ela diz, limpando a poeira de seu livro e mudando o assunto.
Rubi acena positivamente com a cabeça.
“Então vou acordar as outras”, diz Arielle indo em direção a Helga.
Arielle a sacode pelos ombros, Helga para de roncar e abre seus olhos. Ela parece um pouco perdida no começo olhando para os lados até que ela olha para a meia-elfa.
“Ela achou”, diz Arielle.
Sem dizer nada, Helga se levanta, gira seu pescoço e seus ombros, estalando-os e faz um breve alongamento com os braços.
“Estou pronta”, diz Helga.
Ela parece um soldado treinado, Liz pensa ao ver a disciplina de Helga.
Depois, Arielle se dirige até Jenny. Ela se abaixa e gentilmente balança seu ombro. Jenny desperta olhando para sua amiga.
“Você está se sentindo melhor?”, pergunta a meia-elfa.
“Eu acho que sim. Rubi encontrou Edric?”, responde Jenny.
“Sim”, confirma Arielle, fazendo um aceno positivo com a cabeça.
Após isso Jenny começa a se levantar, dessa vez ela faz isso sem dificuldades. Quando ela está de pé, gira seu ombro machucado e faz uma expressão de incômodo. “Ainda dói um pouco, mas já tá bem melhor”, ela diz.
“Ótimo”, diz Rubi com um sorriso na face. “Vamos pro sul”, ela completa indicando com a mão a direção.
“No fim, foi melhor não termos seguido para o leste”, diz Jenny.
“Eu falei”, diz Helga se vangloriando.
“Eu também”, completa Arielle com um sorriso na boca.
Jenny pega uma das tochas apagadas e leva até Arielle. A meia elfa leva sua mão esquerda até a parte de cima da tocha. “Criar Chama”, ela pronuncia, e uma labareda é reacesa na tocha.
Enquanto isso, Liz vai até seu manto, e coloca-o sem cerimônia. Não se importando mais com o sangue derramado nele.
E antes do alvorecer, elas saem juntas das ruínas, iluminadas por uma tocha, elas caminham pela planície em direção ao sul.
Antes de perder de vista as grandes rochas, Liz olha para trás. “E os caras amarrados? Vão ficar lá?”, ela pergunta.
“Na volta, levamos eles”, diz Jenny.
“Isso, se tiver volta”, determinada Helga.
Se tudo der certo, não sou eu que vou ter que lidar com isso, Liz pensa continuando seu caminho para frente. Foi mal carinhas, mas vocês não serão problema meu, ela conclui.
“Onde os viu?”, Jenny pergunta olhando para Rubi.
“Eles estavam em um lugar com muitas árvores, os vi de cima”, Rubi responde.
“O bosque do sul termina antes das ruínas, ainda deve faltar um tempo para eles chegarem lá”, supõe Arielle.
“Mas falta muito mais para a gente alcançá-los”, pontua Rubi.
“Temos tempo, ainda nem amanheceu”, diz Jenny.
“Vai ser um dia longo, mas no final dele a gente vai ter a vingança contra o Senhor Cultista”, diz Helga, socando a palma de sua mão e dando um sorriso.
Ela quer muito uma briga, Liz pensa, afastando-se de Helga um passo para o lado.
A caminhada pela planície prossegue por algum tempo. Inicialmente, são iluminadas apenas pela tocha de Jenny, mas conforme o alvorecer se inicia, a tocha é deixada de lado, substituída pelos raios de sol que começam a iluminar a planície de grama baixa.
Quando toda a planície está iluminada pelo sol, Arielle pega algo de sua bolsa e entrega nas mãos de Jenny. Liz olha aquilo e vê uma barra do tamanho de uma mão envolta em uma folha. Arielle saca de sua mochila outro objeto igual e entrega para Helga, e após isso ela saca mais um e oferece para Rubi.
Liz olha para aquilo na mão de Arielle e, sem saber exatamente o que é, pega.
“O que é isso?”, Rubi pergunta examinando a barra em suas mãos.
“É comida. Café da manhã”, Arielle responde, sacando mais uma barra, mas dessa vez ela pega para ela mesma.
“É uma barrinha com frutas secas. Normalmente os elfos fazem, é bom para viagem e dura bastante tempo”, Jenny explica desembrulhando a folha, revelando uma barra com cor majoritariamente amarela com pedaços de fruta e algumas sementes.
Parece uma barra de cereais, Liz pensa. Só que menos seca.
“É bem doce”, avisa Arielle também desembrulhando sua barra.
“Ela não vai gostar”, afirma Helga.
Liz olha com curiosidade para a barra em sua mão. Até agora, não senti fome, nem sono, ela pensa. Será que eu consigo?
Ela desembrulha sua barra, leva até a boca e morde. Inicialmente, sente a crocância, mas a não ser por um leve amargor, ela não sente nenhum gosto da comida em sua boca. A doçura que Arielle descreveu não existe. Liz mastiga várias vezes e sente dificuldade e estranheza em engolir aquilo e não consegue fazê-lo sem esboçar uma careta.
Helga, vendo isso, ri alto. “Eu acho que essa foi a coisa mais engraçada que já vi”, ela diz, antes de voltar a rir.
“Não gostou?”, Arielle pergunta, chateada.
“É estranho, quase não tem gosto”, responde Rubi.
“Demônios não comem frutas”, afirma Helga.
“Comem o que?”, pergunta Arielle, curiosa.
“Carne de Criança. Meu pai me disse quando eu era bem pequena”, Helga afirma.
“O quê?! Você come disso?!”, ela questiona Liz, com uma expressão de horror. “Quer dizer…”, ela completa, temerosa.
“Eu nunca comi isso”, Liz nega.
“De preferência humanos ou elfos”, pontua Helga.
“Isso é só boato para assustar crianças”, afirma Jenny. Mas pensando na reação de Rubi à barra, começa a reavaliar suas palavras. “Eu acho é, não é?”, completa ela.
“Eu nunca comi isso!”, insiste Liz, agora mais incisiva.
“E anões?”, pergunta Arielle, dirigindo-se a Rubi.
Helga fica pensativa.”Eu acho que não”, ela responde.
“Eu não comeria uma anão…”, a demônio responde.
“Viu. Eu também não comeria um anão, parece muito fibroso”, concorda Helga.
“Dizem que eles brotam do chão, será que eles têm gosto de terra?”, supõe Arielle.
“Também pode ser de batata”, comenta Jenny.
“Faz sentido”, diz Arielle.
“Não faz não”, Rubi comenta.
A conversa sobre como seria o gosto de um anão prolonga-se até elas avistarem no horizonte o início do grande Bosque do Sul. Isso indica que estão quase na metade do caminho até as ruínas onde Edric está.
Ao ver o bosque, as quatro apertam o passo em sua direção, mas antes de adentrarem, Rubi para de andar. Helga, Jenny e Arielle seguem andando por mais alguns passos até notarem que a demônio não está ao seu lado. Elas se viram para trás e veem Rubi parada olhando para algo no alto ainda na direção do bosque.
Helga se vira para Rubi e pergunta algo, “Por que parou?”
“Pessoas acampam nesse bosque?”, Liz pergunta com a mão sobre a testa, ainda olhando para o alto.
Jenny e Arielle começam a olhar para o alto, tentando descobrir o que a demônio está observando.
“Não é muito comum”, Helga responde.
“Não tem nenhuma estrada por perto, não devia ter muitas pessoas por aqui”, Arielle comenta, após descobrir o que Rubi está vendo.
“Então qual a chance daquilo ser de algum caçador aleatório que parou na floresta?”, Rubi pergunta.
“Hein? Daquilo o que?”, questiona Helga confusa.
“Hoje em específico, eu diria que quase nenhuma”, Jenny responde, olhando para o mesmo lugar que Rubi e Arielle, ela sabe o que aquilo pode significar.
“Do que vocês estão falando?”, diz Helga olhando para o céu com a mão sobre os olhos tentando identificar do que elas estão falando.
“Daquilo”, Rubi responde apontando com a mão direita para uma trilha de fumaça que sobe ao céu, vindo bem ao sul do bosque.
“É recente, não estava lá quando avistamos o bosque de longe”, Jenny afirma.
“Agora eu vi”, Helga comenta.
“Será que o Edric ficou parado esse tempo todo?”, Arielle questiona.
“Eu não sei, mas eu vou descobrir”, diz Rubi, estendendo a mão na direção da fumaça. Ela pensa em uma magia e exclama seu nome, “Corvo Buscador.” Da ponta de seus dedos a magia escorre e ela cria mais um de seus pássaros que sai voando na direção apontada.
Dentro da floresta, o corvo se esquiva de árvores, abaixa-se dos galhos altos e passa por entre as moitas, mantendo sempre a direção desejada. Após alguns minutos de voo, Liz vislumbra a origem da fumaça.
“Achei”, diz Rubi, parada na entrada do bosque. Ela está com os olhos fechados pois ela está vendo pela visão do corvo. “São mantos vermelhos”, ela continua.
“É o Edric?”, Jenny pergunta.
“Não, são só dois normais”, Liz responde, agora com os olhos abertos, indicando que já não está mais vendo pelo corvo. “Eles estavam fazendo uma fogueira.”
“Viu mais algo?”, Jenny questiona.
“Não. Foi tudo que eu vi antes do corvo se afastar demais”, Rubi responde.
“Eles voltaram?”, Arielle pergunta.
“Não importa”, diz Helga. “Independentemente do motivo, vamos dar uma bela surra neles”, ela diz isso novamente dando um soco na palma de sua mão e com aquele sorriso ameaçador.
“Importa sim”, Jenny afirma. “Isso está estranho. Por que eles voltariam?”, ela indaga.
Se eu me lembro bem, o Edric falou que isso ia acontecer, Liz divaga.
“Eles vieram me buscar”, conclui Rubi.
“O que?”, Jenny questiona.
“Como você sabe?”, curiosa questiona Arielle.
“Foi o que o Edric disse, que mandaria alguém me buscar”, responde a demônio.
“Ele disse? Acho que a estávamos lutando naquela hora”, Jenny comenta.
“E que diferença faz?”, Helga indaga.
“Podemos tentar uma abordagem diferente de chegar espancando todo mundo”, diz a demônio com um olhar pretensioso.
“Ahem?”, resmunga Helga.
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