Capítulo 6 - O Grande Thalgrim De’Hor
Em uma clareira no bosque, dois homens vestindo trajes vermelhos estão presentes. Um está sentado, de braços cruzados, sobre um tronco velho. Ele tem pele clara, cabelos curtos e negros, e bigode com barba. “Estão demorando muito”, ele reclama, impaciente, enquanto sua perna balança rapidamente indicando sua ansiedade.
O outro homem está à frente, agachado, com o capuz do manto quase escondendo seu rosto. Mesmo obscurecido, é notável que ele é jovem e de pele pálida. “É normal”, ele afirma tranquilamente. Ao seu lado, estão galhos e pedras que ele está organizando e empilhando ao redor da fogueira acesa.
“Quer dizer, é uma tarefa fácil. O quão difícil é fazê-la rápido?”, questiona o homem mais velho.
“Relaxa”, diz o homem abaixado.
“Se fosse eu, já estaria feito há muito tempo.”
“Então por que não fez?”
“Porque eles se ofereceram, praticamente imploraram, e prefiro não fazer o serviço sujo.”
“Então não reclama”, diz o homem abaixado, de forma bem ríspida.
“É demais querer um serviço básico?”
O homem abaixado exala um grande suspiro, exibindo seu descontentamento. Um suspiro que parece ser ignorado pelo homem sentado.
“Tomara que eles façam direito e tragam algo bom”, reclama o homem sentado mais uma vez.
O homem mais jovem, agora sem sua expressão tranquila, subitamente se levanta e, irritado, dirige-se até seu companheiro reclamador.
O homem sentado se assusta ao ver isso. Imaginando que vai receber um golpe, tenta se levantar para se afastar, mas, devido ao susto, acaba se atrapalhando e tomba para trás. Sem conseguir se levantar, seu único instinto é se proteger, cobrindo o rosto com os braços.
O homem se aproxima de seu companheiro. “Relaxa!”, exclama. “Eu sei que você está nervoso, cansado, com fome e com sede. Eu também estou. Tem dois dias que eu não sei o que é dormir.” Ele diz isso, estendendo a mão para ajudar seu colega a se levantar.
“Perdão”, diz o homem caído, agarrando a mão de seu companheiro e se levantando. “Eu me exaltei um pouco.”
“Só vai com calma”, ele diz, voltando até a fogueira e retomando a tarefa. “O Edric vai trazer o último Lorde que falta hoje e acabou, a nossa tarefa aqui é fácil.”
“Você tem razão”, ele diz, voltando a se sentar no tronco. “E a Lorde da Ganância?”
“O que tem ela?”, diz o homem abaixado.
“Tomara que ela ainda esteja pelas ruínas”, roga o homem sentado. “Vai dar muito trabalho encontrar ela se ela não estiver lá.”
“Tomara”, diz o mais jovem. “Como ela era? Na confusão, eu não cheguei a vê-la direito.”
O homem mais velho coloca sua mão no queixo, tentando se lembrar da demônio de cabelo rosa. “Até que ela era bonitinha”, ele diz.
“Obrigado”, uma voz feminina comenta.
Ouvindo isso, os dois homens param o que estão fazendo e se encaram com a mesma dúvida em mente. Quem disse isso?, ambos se perguntam.
Eles olham na direção da voz e arregalam os olhos ao ver uma jovem mulher bem trajada entrar na clareira pelo sul. Seus cabelos rosa, pequenos chifres vermelhos e uma fina cauda que serpeia por baixo de seu manto declaram que ela é a demônio da qual estão falando. Ambos os homens imediatamente se levantam assustados.
O homem mais velho rapidamente recupera sua compostura. “Lorde da Ganância?”, diz ele.
“Que… surpresa. Estávamos indo ao seu encontro”, diz o homem encapuzado, gaguejando e nervoso.
“Eu imaginei isso”, ela diz, de maneira elegante. “Mas eu não queria ficar esperando.”
O mais velho se aproxima, ajeita sua roupa e limpa a poeira dos ombros. “O Lorde Edric lamenta o encontro anterior”, ele diz. “Poderíamos ter tido uma apresentação mais digna antes, mas o momento teve de ser adiado graças àquele grupo intrometido que não sabe o seu lugar diante de uma causa maior.” Conforme pronuncia suas palavras, ele faz gestos com os braços e as mãos, tentando enaltecer sua conversa. “Precisávamos garantir que o local da cerimônia estivesse seguro, por isso a pressa e a despedida súbita naquele momento. De qualquer forma, peço que aceite nossas desculpas.” Ao finalizar, ele curva a cabeça em reverência.
O homem encapuzado parece um pouco perdido sobre como agir na situação. Observando o movimento de reverência de seu amigo mais velho, ele tenta imitá-lo. No entanto, ao contrário do gesto gracioso de seu amigo, seu movimento é bruto e destituído de delicadeza. “Estávamos indo te buscar”, diz ele lentamente, tentando evitar ser rude ou escolher as palavras erradas.
O homem mais velho, vendo a forma deselegante do colega, revira os olhos. “Peço perdão pela falta de modos do meu amigo, ele está apenas surpreso com a sua chegada”, diz ele de forma muito eloquente. “Meu nome é Thalgrim De’Hor e o meu amigo se chama Zorvax.”
“Tudo bem”, diz a demônio. “Podem me chamar de Rubi.”
“Me permitiria chamá-la de Lorde Rubi?”, pergunta Thalgrim.
“Só Rubi está… ”, diz a demônio. Até que não soou tão ruim, ela reflete brevemente.
“Lorde Rubi é bom, pode ser”, ela completa
“Não esperávamos encontrá-la aqui. Fico grato em ver que conseguiu chegar bem”, diz Thalgrim, agora de cabeça erguida. Olhando melhor para a demônio ele vê um detalhe que o preocupa. “Esse sangue em seu casaco. Aquele grupo de barbaras não lhe fez mal? Fez?”
“Não. Não foi difícil cuidar delas”, diz Rubi, de forma intimidante. “E esse sangue… Não se preocupe, não é meu.”
Zorvax e Thalgrim se sentem desconfortáveis com o olhar penetrante e a maneira intimidante com que a demônio os aborda.
“Mas Lorde Rubi, por favor, deixe esse pobre vassalo sanar sua curiosidade um pouco. Como sabia para onde iríamos?”, Thalgrim questiona.
“Essa… essa é uma boa pergunta”, nervoso diz Zorvax, “O Lorde Edric tomou cuidados para não ser seguido.”
“Eu usei uma magia”, ela responde.
“Ah, certo”, diz Thalgrim. “Uma magia poderosa, que só um Lorde Demônio poderia usar”, fazendo em conjunto mais gestos com as mãos.
“Nem tanto”, diz Rubi, “E eu vi a fumaça da fogueira. Não foi tão difícil, vocês deveriam ter mais cuidado com esse tipo de coisa”, ela adverte.
Thalgrim fica perplexo com a resposta. Ele se vira para trás e olha para seu companheiro Zorvax, que exibe um olhar de descontentamento contra ele.
Desgraçado, pensa Zorvax.
Thalgrim se volta a Rubi e diz, “Mais uma vez, eu peço desculpas pelo meu companheiro desajeitado e bruto. Ele fez a fogueira, mas o erro foi meu, por não impedi-lo de denunciar nossa posição.”
O olhar de descontentamento de Zorvax evolui para um de profundo desprezo. A ideia foi sua. Todo mundo foi contra, mas eu ainda acendi. Zorvax fecha seu punho. Se eu pudesse, eu… quebraria a sua cara aqui agora, ele pondera.
Mas quando ele se lembra de quem está diante dele, sua mão estremece. Não posso. Não agora, ele pensa. Aquela cobra chamada Thalgrim iria dar um jeito de virar a Lorde Rubi contra mim. Eu o conheço. O miseveral entregaria o próprio pai para se dar bem.
“Mas enfatizo, que essa fogueira não foi de todo o mal”, explica Thalgrim. “Afinal, através dela você nos encontrou. Então peço que não seja severa com meu amigo.”
“Tá tudo bem”, diz Rubi, bem calma, “Não é como se eu fosse arrancar a cabeça de alguém por isso.” Ela termina a frase com uma pequena risada.
Thalgrim também solta uma pequena risada, acompanhando Rubi, mas Zorvax não consegue. Ele coloca a mão sobre o pescoço, conferindo se ainda está intacto, sem ter certeza se aquilo é literal ou uma brincadeira.
“Por favor, se sente aqui, não se canse à toa”, diz Thalgrim, indicando o tronco onde estava sentado.
“Obrigado”, diz Rubi indo até o local.
Zorvax, por sua vez, permanece imóvel. Thalgrim, vendo isso, se aproxima de seu amigo e coloca a mão sobre seu ombro, o que faz Zorvax voltar a si e Thalgrim indica com a cabeça a fogueira, e Zorvax volta até lá para continuar seu serviço ao redor dela.
“Bem, eu gostaria de saber de algo”, diz Rubi sentada.
“Lorde Rubi, meu senhor, Edric fez questão de pedir que aguardasse até seu encontro com ele para que ele possa sanar devidamente as suas dúvidas”, diz Thalgrim.
“Mas é algo simples”, ela insiste. “Por que me invocaram?”
Zorvax, preocupado, olha para Thalgrim.
“Eu peço desculpas, mas esse é um assunto delicado e complexo. Não teria como um simples ajudante como eu e um vassalo bruto como meu amigo explicar o motivo”, desconversa Thalgrim. “Todas as suas dúvidas serão esclarecidas com o Lorde Edric.”
Rubi suspira frustrada. Eu tentei assustar, tentei conversar. O jeito fácil não deu certo, ela pensa. É hora de tentar algo mais intrusivo.
“Eu queria pedir outra coisa a vocês”, diz Rubi. “Thalgrim, Zorvax podem me dizer se meu rosto está sujo? Eu não tenho um espelho comigo.”
Zorvax deixa de trabalhar na fogueira e se vira para Rubi, olhando para seu rosto. Thalgrim também tenta identificar algo. Quando ambos os homens fixam o olhar em Rubi, os olhos amarelos da demônio mudam de cor, tornando-se rosa. De forma similar, os olhos de Zorvax e Thalgrim também ficam da mesma cor.
“Sentem algo errado?”, pergunta Rubi.
“Não”, diz Zorvax.
“De forma alguma”, diz Thalgrim
Será que deu certo?, Rubi se pergunta.
“Senhor Zorvax, se levante”, Rubi pede, e Zorvax imediatamente fica de pé, com os ombros erguidos como um soldado em continência.
“Thalgrim se ajoelhe”, ordena Rubi.
“Como desejar”, diz Thalgrim, e imediatamente se ajoelha no chão em frente a Rubi.
O charme deu certo, Rubi pensa. No jogo eles só não poderiam me atacar, mas como tudo é mais real, eles realmente estão no meu controle.
Ela olha diretamente para Thalgrim e depois para Zorvax. Ambos os homens estão parados, imóveis, indefesos e aguardando a próxima ordem em silêncio.
Com eles assim, não teria problemas se eu pedisse algo mais indecente…, a demônio pondera maliciosamente. Não! Por que eu faria isso? Se questiona assustada com a própria ideia. Isso é mais perturbador do que devia.
“Pode ficar em pé Thalgrim. Relaxem”, ordena. Acho que esse poder todo mexeu um pouco comigo, meio perigoso. Talvez a Helga tenha razão em ter medo de mim, ela conclui chateada.
“É claro, como quiser”, diz Thalgrim, voltando a ficar em pé. E em paralelo, Zorvax relaxa sua postura, porém calado.
Ainda assim, esse cara é um chato, pensa Rubi, referindo-se a Thalgrim. Nem com o charme ele para de falar.
“Zorvax, por que você anda com esse cara?”, Rubi questiona.
“O senhor Edric pediu”, diz Zorvax.
“O senhor Edric me escolheu pois, modéstia à parte, dentro de nosso grupo, sou o único, além do próprio senhor Edric, que saberia conversar com a grande Lorde Rubi”, diz Thalgrim, ainda executando seus maneirismos com as mãos enquanto fala.
‘É um puxa-saco isso sim. E mandaram o coitado do Zorvax para te acompanhar’ pensa ela com pena.
“Thalgrim, eu vou falar com o Zorvax”, diz Rubi, “Fica quietinho aí, se eu precisar de você, eu falo diretamente.”
“Como desejar, Lorde Rubi”, diz Thalgrim com grande satisfação em seu rosto.
“Zorvax, você sabe por que me invocaram?”, Rubi questiona.
“Para trazer de volta o Príncipe de Mael”, ele responde.
Não que eu desconfiasse da Jenny, mas era bom confirmar, pensa Rubi.
Só por isso?, ela questiona.
“Até onde eu sei, sim.”
“Como eu desfaço o ritual?”
“Eu não sei.”
Rubi suspira frustrada com a resposta.
“Thalgrim, como eu volto para onde eu vim?”, ela questiona, já imaginando a resposta de Thalgrim.
“Infelizmente, Lorde Rubi, esse humilde vassalo de sua vontade não sabe como responder a essa pergunta.”
Ele é um inútil mesmo, Rubi pensa.
“Quem pode saber como eu desfaço o ritual?”, ela questiona olhando para Zorvax.
“O Edric. Ele faz tudo sozinho, se alguém sabe, é ele”, Zorvax responde.
Até agora, nada de novo, Rubi pensa, suspirando e cada vez mais frustrada.
“Por que vocês pararam aqui no meio do nada?”, ela questiona.
“Para comer e descansar”, ele diz e aponta o dedo para seu colega. “Thalgrim pediu para acender a fogueira, íamos assar alguma coisa e eu estava fazendo a base com galhos e pedras.”
Esse Thalgrim não serve para nada, Rubi pensa. Me assusta que ele tenha vindo até aqui. Se bem que…
“Não vieram a pé, vieram?”, ela pergunta.
“Viemos com cavalos”, ele responde e aponta para o leste da clareira. “Deixamos os quatro cavalos amarrados bem ali porque Thalgrim não gosta do cheiro deles.”
Nossa, o Thalgrim é muito…, diz Rubi, mas um detalhe chama mais atenção. Espera, por que quatro cavalos?, ela pensa.
Antes que Rubi tenha a chance de concluir seu questionamento, o som reverberante de um choque metálico ecoa pela clareira, interrompendo seu raciocínio. Isso veio do sul do bosque… É lá que as garotas estão!, ela pensa, olhando para a direção do ruído alarmada.
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