Índice de Capítulo

    No sul do bosque, entre árvores e moitas, encontra-se o grupo de Jenny, Helga e Arielle. 

    A meio-elfa, deitada no chão, relaxa com a cabeça recostada sobre os braços dobrados. “Tomara que dê tudo certo”, ela roga enquanto observa as folhas na árvore acima dela.

    Jenny está agachada próxima a Helga, com os braços apoiados nos joelhos, mantendo-se calma, focada em sua missão. “Você não vai conseguir ver ela daqui”, ela afirma para a amiga de armadura.

    Helga também está abaixada, mas devido à sua grande armadura pesada, precisa permanecer de joelhos. E ao contrário de suas amigas, está inquieta, observando por entre os galhos do arbusto à sua frente. Alterna entre olhar para a parte inferior e a superior do arbusto, procurando uma visão melhor de algo naquela direção.

    “E isso não preocupa vocês?”, Helga questiona, deixando de olhar o arbusto e se virando para Jenny.

    “Nem um pouco”, Arielle responde. 

    “Não que eu não me preocupe, mas penso que não adianta ficar paranoica assim”, Jenny diz.

    Depois dessa resposta, Helga volta seu olhar novamente ao arbusto. “Ver vocês assim só me deixa mais agoniada”, afirma, indignada. “Ela vai entregar a gente.”

    “Não vai”, Arielle afirma, embora continue analisando as possibilidades. “Tenho quase certeza.” Afirma posteriormente.

    “Ela não tem motivo”, Jenny completa. “Ela não precisaria de outras pessoas.”

    “E desde quando um demônio precisa de motivos?”, Helga indaga. “É muita enrolação. Era só chegar lá e dar uma boa surra naqueles caras.”

    “Magias de encantamento são mais fracas contra alguém hostil”, Arielle constata.

    “Era só bater neles até eles ficarem bem mansos”, diz Helga. “Bem mais fácil.”

    “É por essas e outras que acho que, mesmo se não tivéssemos enfrentado eles ontem, ainda te considerariam hostil só pela sua postura”, comenta Jenny.

    “Concordo”, diz Arielle, com um sorriso no canto da boca.

    A garota armadurada se vira para as amigas, inconformada com a calma delas. “Como vocês conseguem ficar fazendo piada numa hora dessas?”, ela indaga. “Caramba. Como eu não sei se não estamos encantadas? Isso não passou pela cabeça de vocês?”

    “Sei lá, você parece muito hostil para alguém encantada”, comenta a meia-elfa.

    Helga descrente com as amigas, volta mais uma vez a observar as coisas pelo arbusto. “Eu desisto. Tomara que ela nos mande logo pro inferno e acabe com isso”, ela roga.

    Algum tempo se passa e tudo fica quieto, até que  Arielle subitamente se levanta e ergue seu cajado para o leste. Sua expressão relaxada é trocada por um olhar sério. “Eu ouvi algo vindo para cá”, ela diz.

    Jenny e Helga, conhecendo os bons instintos perceptivos de sua amiga, se levantam também. Jenny é rápida, prontamente ela fica de pé e já saca sua espada da bainha. Helga se levanta do chão mais vagarosamente, não apenas por sua armadura pesada, mas também por precisar equipar seu escudo e pegar seu machado que estão deitados ao seu lado.

    O grupo de garotas preparado e armado, começa a ouvir a grama alta e os arbustos na direção em que Arielle aponta se mexerem. Um grunhido contínuo passa a acompanhar o som das folhas chacoalhadas.

    Quando o barulho se torna mais intenso, dentro das folhas surge um Javali correndo contra o grupo. Não chega a ser um animal grande, porém, mesmo não sendo um monstro ou um guerreiro, o grupo, já pronto para um combate, se mantém em posição para se defender contra o animal, se necessário.

    O javali avança sem parar, indo na direção de Helga. Entretanto, com uma curva sutil ele esquiva da grande garota armadura, passa por Jenny e por fim passa por Arielle, sem atacá-las. E logo ele desaparece nas folhas logo atrás da meia-elfa.

    Arielle e Helga se viram para Arielle exibido dúvida do motivo de todo alarde.

    “É só isso?”, pergunta Helga.

    “Eu achei que fosse maior”, diz Arielle, contrariada.

    “Bem, foi um pouco exagerado, eu diria. Pela reação, pensei que fosse um dragão”, comenta Jenny.

    Enquanto conversam, a mesma moita a sua frente volta a tremer. Arielle, com seus sentidos aguçados, percebe o movimento e volta sua atenção para aquela direção. “Cuidado!”, exclama ela, ao ver quem está causando o barulho.

    As garotas rapidamente se viram para trás e veem um homem encapuzado de manto vermelho correndo em direção a Helga com uma espada em mãos, saindo da moita.

    O homem é ágil e deixa Helga sem chance de esquiva. Instintivamente, ela coloca seu escudo entre si e a espada. O impacto da espada contra o escudo é estrondoso. Som de metal contra metal ressoa pelo bosque como um gongo declarando o início de uma luta.

    Logo após o primeiro, um segundo encapuzado sai do mato, também usando mantos vermelhos e portando uma espada. Ele avança contra Helga pelo lado esquerdo. Aproveitando-se de que já está engajada contra seu companheiro, ele tenta estocá-la pelo flanco, mas antes que possa desferir seu golpe, Jenny intercepta o movimento, bloqueando-o com sua espada.

    Ambos os homens são repelidos pelos contragolpes de Helga e Jenny. O movimento e força das garotas os joga um pouco para trás. Eles abaixam seus capuzes para que elas possam ver seus rostos.

    O primeiro encapuzado tem a pele clara e um rosto cheio de cicatrizes. Seu cabelo é raspado e os únicos pelos em sua face são os das sobrancelhas. Está fixado com seu olhar  em Helga, cheio de raiva e determinação. Por outro lado, o segundo homem não possui cicatrizes faciais. Seus cabelos castanhos contrastam com sua pele morena, e seu semblante exibe uma expressão alegre, como a de um predador que frente a uma presa fácil.

    “Acham que podem nos assustar só porque são feios?”, Helga pergunta. 

    “Só queremos que saibam quem as mandou ao inferno”, responde o homem de cabelo raspado. 

    As garotas já conhecem esses homens como alguns dos capangas de Edric. Elas os encaram, aguardando seu próximo movimento e planejando seus próprios. Embora saibam como lidar com eles, estão cientes de que não podem baixar a guarda.

    “Ora, ora, ora”, zomba o homem de cabelos castanhos. “Viemos caçar Javalis e encontramos um bando de porcos.” Seus olhos se fixam em Jenny, esperando uma resposta ou uma reação à sua provocação.

    No entanto, tudo que ele obtém é um raio de energia translúcida bem no meio do peito, vinda de Arielle, que se aproveita de sua aparente distração. O impacto da magia deixa-o sem ar. Jenny, aproveitando o momento, desfere um corte horizontal em seu peito, rasgando tanto o manto quanto a carne.

    Após ser ferido, o homem volta a si. O sorriso provocativo some. Agora, ele está irritado e, mesmo ferido, ataca Jenny com sua espada, tentando golpeá-la de cima para baixo. Com um movimento rápido de sua espada, Jenny desvia a trajetória do golpe para a esquerda, evitando o acerto. 

    Nessa manobra, Jenny percebe a força de seu adversário, sentindo dificuldade em desviar o golpe. Se tivesse tentado bloqueá-lo, o resultado seria pior, ela analisa.

    Enquanto isso, alguns metros atrás, Arielle gira seu cajado e o aponta para Jenny. “Bênção de Vento!”, ela exclama, conjurando uma magia que instaura uma leve brisa ao redor dos pés de Jenny.

    O homem continua a atacar Jenny com fúria cega. Investe em golpes horizontais, mas Jenny, com graça e destreza, dá um simples pulo para trás, esquivando-se com sucesso de cada investida. A cada golpe que erra, a irritação do homem torna-se mais evidente, especialmente diante da expressão calma e concentrada da garota diante dele.

    Completamente furioso, decide encerrar a luta com um único golpe. Com toda a força que possui, salta para desferir uma estocada contra Jenny. No entanto, com uma velocidade sobrenatural, ela se esquiva, movendo-se para fora do alcance da espada do homem. O golpe violento atinge uma árvore atrás de Jenny com tamanha força que a lâmina atravessa o tronco, e só para quando chega à guarda da espada.

    Aproveitando a oportunidade, Jenny contra-ataca, desferindo um golpe certeiro nas costas do homem. Mais furioso do que nunca, ele arranca a espada da árvore e se prepara para retaliar. Antes que possa executar outro movimento, uma rajada de energia translúcida o atinge em cheio no peito.

    Helga, em paralelo a isso, enfrenta o homem de cicatrizes. Ela golpeia-o com seu machado de cima para baixo, mas ele é muito ágil, possivelmente mais do que Jenny. Um passo para trás e ele já está fora do alcance de Helga. E com a mesma facilidade com que ele recua, avança e ataca. Em poucos segundos, desfere uma série de ataques contra Helga. Uma, duas, três vezes ataca com a ponta de sua espada. Dois desses ataques são bloqueados pelo seu escudo, porém no terceiro, ele rapidamente inverte a mão em que segura a arma, assim evitando o escudo e acertando o corpo de Helga.

    Contudo, o homem esboça surpresa com o resultado do ataque. Apesar do impacto, um som metálico ressoa, não proveniente do escudo, mas sim da armadura de Helga, que absorve o golpe com eficácia.

    Nesse momento, um sorriso estampa o rosto de Helga. Aproveitando-se da proximidade com seu oponente, desfere um golpe com seu escudo, atingindo-o diretamente no rosto e momentaneamente desorientando-o. Sem hesitação, ela avança com seu machado, girando seu corpo da direita para a esquerda e, com todo o peso de seu golpe, acerta-o em cheio nas costelas. Um estalo audível ecoa quando os ossos do homem cedem sob o impacto. O golpe é tão poderoso que o arremessa contra o homem de cabelos castanhos que já estava tendo que lidar com o impacto da magia de Arielle. Eles não chegam a tombar, mas momentaneamente perdem seu equilíbrio.

    Diante do risco de ficar muito próxima de seus dois adversários, Jenny recua um pouco, ficando próxima a Helga. Juntas elas observam inconformadas os dois homens com mantos vermelhos ainda de pé. Ambos ostentam ferimentos que faria alguém normal, na melhor das hipóteses, incapaz de ficar consciente. Suas feridas, por mais profundas que sejam, apresentam um aspecto seco e praticamente não sangram. 

    “Eu odeio esses caras”, reclama Helga. “Eu falei que ela ia entregar a gente.”

    “Reclama depois”, Jenny aconselha. “É melhor aproveitar o tempo para recuperar o fôlego. Ainda vai levar mais alguns golpes.”

    “Eles são muito chatos”, Arielle comenta ao fundo. “E tem vindo mais aí”. Ela aponta com o cajado para a esquerda. 

    Do norte, é possível ver entre árvores e o mato alto, chegando mais um dos mantos vermelhos correndo na direção dos outros dois. 

    Quando o homem de cabelos castanhos avista seu colega se aproximando, seu sorriso maquiavélico volta. A maré da batalha parece mudar a seu favor. Seu colega, sem cabelos, permanece de humor inalterado, apenas encarando seu alvo, Helga.

    “Vamos manter a formação”, diz Jenny. “Quando eles agirem, a gente responde.”

    “Certo!”, Arielle e Helga respondem uníssonas a ordem de sua líder.

    O homem que se aproxima usa um capuz, e quase não é possível ver seu rosto. Ele corre em direção aos seus companheiros feridos e prontos para retomar a batalha contra o grupo de garotas.

    O encapuzado, sem diminuir a velocidade, alcança seus semelhantes e, para surpresa de todos, aproveita todo o embalo de sua corrida para desferir um soco na cara do homem com cicatrizes. O golpe é tão potente que mais uma vez o homem é jogado para trás.

    O homem de cabelos castanhos fica incrédulo. “Zorvax o que você fez? Ficou maluco?”, ele pergunta, mas a única resposta que ele obtém de Zorvax é uma tentativa de um soco no peito, a qual ele desvia. 

    Ao olhar para o rosto de seu amigo, o que mais chama a atenção dentro do capuz são os olhos rosa de Zorvax. Sem opção, ele revida empurrando Zorvax para trás com um chute na barriga.

    Sem entender completamente o que está acontecendo com seu amigo, o homem de cabelos castanhos avalia, em sua mente, se seria melhor correr ou lutar. Contudo, sem chance de tomar ação, ele se encontra sendo atacado por Jenny com um corte ascendente no peito e por outra rajada de energia em sua perna. Olhando para a esquerda, vê seu companheiro com cicatrizes recebendo outro pesado golpe do machado de Helga no ombro e tombando.

    “Mesmo sem saber o que aconteceu, não íamos ficar esperando vocês se resolverem”, Jenny fala.

    Enquanto isso, Zorvax cambaleia um pouco para trás. Ele pisca os olhos várias vezes, como se estivesse acordando. Suas pupilas já não exibem a cor rosa, voltando ao castanho habitual. Um formigamento percorre sua mão esquerda, e ele percebe o sangue entre seus dedos. Sabe que não é dele. Com um olhar assustado para trás, testemunha seus companheiros sendo atacados sem piedade.

    Nervoso, Zorvax respira ofegantemente, consumido pelo medo. Ele se recorda de cada passo, cada conversa, cada ordem. Eu fiz isso? Eu queria isso?, ele se questiona. Eu… fiz sem hesitar… meus amigos…. Tudo por causa dela! . Todo o sentimento que ele sente se converte em ódio e fúria.

    Sabendo que a esse ponto já é impossível salvar seus companheiros. Ele se vira para trás, ciente de onde está a demônio. “Rubi!”, ele berra, e parte em disparada naquela direção. 

    Zorvax corre furiosamente pelo mato, não como um animal selvagem, mas como um monstro enfurecido.

    Não longe dali, ele a avista entre algumas árvores. A demônio rosa, parada, observando-o com o arco em mãos. “Por que?!”, ele berra novamente.

    Sem dizer uma única palavra, ela puxa a corda de seu arco, mira em Zorvax e dispara uma flecha mágica. Em um instante, a flecha passa pelo bosque e acerta o ombro de Zorvax. O impacto pesado o joga alguns passos para trás, mas ele não tomba. Com a mão no ombro ferido, grita ao sentir a dor. Zorvax respira fundo, ignorando aquilo e se concentrando na raiva, assim ele volta a correr na direção da demônio.

    Ele só para quando mais uma flecha o acerta, dessa vez no abdômen. Novamente, ele é jogado para trás, porém não grita. Tudo que faz é respirar fundo e seguir em frente. É tudo que lhe resta nesse momento, embora ele agora avance em um ritmo bem mais lento.

    “Queríamos te ajudar!”, ele grita com suas últimas forças. Sua voz soa com raiva entre as árvores e os arbustos. “Por quê?”

    Cansado, com dor, derrotado, assustado, ferido e cheio de ódio, todas essas palavras servem para descrever Zorvax. Em algum momento na metade do trajeto, ele para de correr, olha para Rubi mais uma vez e a vê mirando outra flecha em sua direção.

    “Egoísta desgraçada…”, murmura baixinho, e em seguida é acertado por mais uma flecha mágica no outro ombro. Dessa vez, ele cai imóvel.

    A demônio cria mais uma flecha e mira em Zorvax caído, aguardando que ele se levante.

    Depois de alguns segundos sem sinal de movimento, confirma que ele não vai se levantar tão cedo. A flecha translúcida que segura some, ela pendura seu arco nas costas e se aproxima de Zorvax caído.

    “Foi mal Zorvax. Espero que não morra com isso. Até que você não era um cara ruim.”

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