Capítulo 109 - O próximo alvo
A floresta fica calma. A luz do sol que se encaminha ao entardecer começa a alaranjar-se, passando com dificuldade sobre as copas que cobrem Byron e Rubi.
Moscas aproximam-se do corpo da garra-branca próximo a eles. Pousando sobre a carne exposta e o sangue.
Os demônios encaram a mata à frente. Ambos com olhos atentos, examinando tudo do chão ao topo das árvores, buscando entre as plantas por qualquer indício suspeito.
“A senhorita notou algo de diferente pela sua magia?”, Byron pergunta.
“Não. Pelos corvos, não detectei nada diferente das garras-brancas”, Rubi responde. “Mas nenhum deles chegou a sobrevoar exatamente essa área.”
“Em sua opinião, qual seria a possibilidade de haver outro predador por aqui?”
Por um momento, Rubi desvia a atenção ao corpo da ave, ainda quente, atrás. “Muito baixa”, ela responde.
Quem seria louco de caçá-las no próprio território… além de nós?, pensa succubus, com uma ponta de ironia. Até onde eu sei, os habitantes da floresta preferem mudar de casa a ter que lidar com essas coisas se esgueirando pela floresta.
A diaba franze o cenho. “Mas, mesmo que tenha algo diferente por aqui, não podemos assumir que também esteja caçando elas. Ele deixou essa fugir e aparentemente não veio atrás.”
“Um caçador inexperiente?”
“Talvez… mas esse ferimento pode ser outra coisa.”
Byron também encara brevemente a criatura morta no chão, focando-se no ferimento do peito, ponderando. “Devo seguir em frente? Ou a senhorita pretende fazer algo antes?”, ele pergunta, cauteloso.
A succubus estende a mão para frente. “Uma olhadinha deve esclarecer um pouco as coisas”, ela responde.
Vou perder os corvos de antes, mas isso aqui parece ser mais importante agora, pensa Rubi, concentrando-se.
“Corvo Buscador!”, ela conjura.
Uma ave feita de mana negra se forma a partir dos seus dedos. As asas escuras se abrem e alçam voo silenciosamente na direção em que ela aponta.
“Agora é só esperar”, ela diz, fechando os olhos. A visão escurece por um instante, e então ela enxerga por meio dos olhos do pássaro, antes mesmo de ele alcançar a próxima árvore.
O corvo avança em linha reta pela mata, subindo e descendo enquanto desvia dos galhos e folhas.
Por meio dele, Rubi enxerga o trecho adiante. Um trecho da floresta não muito diferente de onde seu corpo físico se encontra.
“Alguma coisa?”, Byron questiona.
“Ainda não.”
A ave ainda segue por mais dezenas de metros floresta adentro até outras criaturas passarem em seu campo de visão.
Rubi avista duas garras-brancas abaixadas. Cada uma dilacerando, com os bicos tingidos de sangue, a carne das pernas de algum animal com pelagem marrom.
Até aqui tudo normal, ela analisa. Só mais alguns alvos pro Byron treinar.
Mais à frente ainda, uma sombra acinzentada e alta surge aos poucos e captura sua atenção. O que é aquilo?, a diaba se pergunta.
Quando o corvo aproxima-se, o contorno revela uma ave ainda maior, com corpo semelhante ao das garras-brancas, mas ao menos meio metro mais alta. Ela possui um bico mais longo e, ao invés do branco, a cor cinza estampa suas penas, com mais plumagens negras nas pontas das asas, da cauda e na base do pescoço.
Assim como as outras duas, ela está sentada, com o bico ocupado em algo.
No chão, diante dela, está o restante de um animal morto. O corpo, já sem patas, de um grande javali de pelagem marrom e preta. A parte superior já está dilacerada em segmentos irregulares, com ossos e vísceras expostas.
A ave usa o bico manchado de sangue para rasgar a carne com facilidade, como um par de lâminas afiadas, rasgando tecido e ossos, enquanto devora sozinha a presa.
Aquilo… seria uma versão de nível mais alto delas?, Rubi se pergunta. Um sorriso meio aberto, empolgado, mas que também carrega dúvida, surge em seu rosto.
O corvo parte para uma região mais funda da floresta, onde já não é mais possível avistar nenhum outro animal, e a diaba abre os olhos.
Byron percebe a mudança no humor da succubus. “O que viu lá?”, ele pergunta.
“Vi três garras-brancas. Duas pareciam comuns, mas tinha uma terceira que era diferente. Elas estavam comendo algum bicho.”
Byron fica intrigado. “Essa terceira poderia ser a variação líder que mencionou antes?”
“Bem, ela tinha uma cor diferente, parecia mais alta, mais forte, mais velha e estava comendo o maior pedaço de carne.”
Se isso não for algum tipo de líder, eu sou um goblin, Rubi pensa, confiante.
O demônio acena, compreendendo a surpresa da succubus. “Então, provavelmente estamos próximos ao ninho principal”, ele conclui.
“Sim…”, diz Rubi. Apesar do ânimo, uma fisgada de preocupação e dúvida lhe aflige. “Mas ainda há algo um pouco estranho nisso.”
“E o que seria?”
Rubi cutuca a garra-branca morta no chão. “Encontrar mais delas não responde por que essa daqui estava ferida e fugindo para longe. Ainda mais considerando que o ninho delas fica para o outro lado”, ela pontua.
O demônio fica pensativo, encarando o corpo por alguns instantes. “Hum…”, murmura ele.
Talvez…, pensa Byron, divagando sobre alguma teoria.
“Será que eram de bandos rivais?”, Rubi pergunta.
“Ela pode ter sido expulsa”, propõe o diabo.
“Como assim?”
“É só uma hipótese que pensei. Brok nos advertiu de que, quanto mais próximo ao centro do território delas, mais fortes elas seriam e, de acordo com as regras que você me explicou do enxame, o número de indivíduos aumenta nessa época e, por isso, eles começam a invadir outros locais….”
Enquanto fala, o demônio se abaixa e arranca uma pena da ave morta. Ele a encara, como se pudesse ler alguma história escrita entre as cerdas brancas.
“Seria estranho pensar que as garras-brancas que encontramos soltas pela floresta são os indivíduos fracos expulsos do bando, enquanto os mais fortes continuam residindo em seu habitat natural, próximos ao ninho?”
A linha de pensamento de Byron atinge Rubi como uma iluminação divina.
“Isso faz muito sentido”, ela comenta, estupefata. “A competitividade por comida aqui deve ser enorme.”
E faz mais sentido ainda considerando que elas estão mais agressivas por causa do efeito do enxame, ela analisa. Deve ser mais ou menos o que acontece nas outras partes das Terras-Livres.
“Boa sacada”, Rubi comenta, genuinamente impressionada.
O diabo se levanta, deixando a pena cair no chão.
“Foi só um paralelo que pensei, baseado naquele orc que servia ao dragão”, ele comenta. “E então, senhorita, qual o plano agora?”
“Como o dia já estava acabando, eu ia propor uma pausa pela noite. Mas isso foi antes de esbarrarmos nessa nova garra… O que você me diz de uma última luta antes de pararmos?”
Byron ri baixo, olhando para Rubi com empolgação. “Não poderia imaginar um jeito melhor de terminar o dia.”

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