Capítulo 110 - O chefe cinzento
No meio da mata, onde tudo se encontra em paz, duas garras-brancas comem pedaços de uma presa fresca, com sangue ainda escorrendo no chão.
Elas estão sentadas, com as pernas dobradas, uma ao lado da outra, com pedaços de um animal diante delas. As folhas acima barram totalmente a luz do sol, deixando-as sob uma sombra.
Seus bicos amarelos e parte das penas da região superior estão manchados de vermelho. Conforme elas engolem os pedaços sem pressa alguma, seus pescoços se dilatam, acompanhando o movimento da carne em direção ao estômago.
Ao fundo, a ave maior também se alimenta da carcaça de um animal. Diferentemente das outras duas aves, a grande criatura acinzentada dilacera sua presa rapidamente.
Seu bico avantajado rasga a carne daquele corpo sem vida com a facilidade de um açougueiro com faca, devorando-a com eficiência.
Algumas dezenas de metros adiante das garras-brancas, Rubi espreita, quase completamente encoberta entre as folhas e os troncos. Os passos dela são silenciosos e ritmados como uma caçadora exímia, sempre rumando fora dos feixes de luz laranja que penetram as copas das árvores.
Ela carrega em mãos seu arco dourado, já com uma flecha laranja preparada.
As aves à frente não demonstram perceber nenhum sinal da aproximação dela. Elas continuam se alimentando com a mesma calma de antes.
A succubus para em ponto no meio de duas árvores, onde há uma visão mais clara das três criaturas. Ela fica agachada e quieta, analisando atentamente, enquanto sua cauda balança vagarosamente atrás do casaco.
Hum… olhando pessoalmente… aquelas duas… parecem ser até um pouco maiores do que as garras-brancas que encontramos antes, ela pensa. A teoria do Byron parece cada vez mais certa, vendo aqui.
Rubi aponta seu arco em direção à ave maior ao fundo, mirando a flecha com precisão na cabeça. Talvez eu pudesse só tentar acabar com aquela ali mais rápido, ela pondera. Mas ele ficaria decepcionado… e não teríamos muitas informações sobre ela.
A succubus vira o arco um pouco à esquerda, na direção das garras-brancas juntas, e o tensiona, preparando-se para atirar. Ela curva o arco para cima, concentra-se, e a flecha passa a assumir um aspecto avermelhado.
Vamos ver se isso aqui é o bastante, ao menos para retardá-las um pouco, pensa Rubi.
“Torrente Vermelha”, ela murmura, soltando os dedos da flecha.
O projétil é solto e, assim que deixa o arco, divide-se em vários outros menores que seguem para o alto.
As flechas passam pelas copas das árvores em um instante, desaparecendo completamente dali.
De repente, as garras-brancas param de comer, como se percebessem algo estranho que as alertasse.
Mas, antes de se levantarem ou de tomarem qualquer outra ação, as flechas de Rubi atravessam a copa acima delas, furando as folhas e chovendo sobre as aves.
Os projéteis atingem-nas em cheio nas costas, como arpões avermelhados vindos do céu, atravessando as penas e abrindo buracos na carne.
As duas garras-brancas instintivamente crocitam, sentindo dores e uma letargia súbita que as impede de se levantar.
A ave maior ao fundo se ergue num salto, asas semiabertas e os olhos estreitados na direção de suas semelhantes em agonia. As penas se eriçam, e ela percebe ao fundo algo grande se aproximando.
Um bater de asas rompe o silêncio como um impacto seco no ar, e Byron surge voando em sua forma demoníaca, atravessando a floresta como um borrão preto marcado por linhas incandescentes.
Em sua mão, traz sua espada, segurando-a firme como uma extensão do próprio corpo.
Ele passa acima de Rubi com um rasante veloz que faz as folhas ao redor e o cabelo rosa dela tremerem.
Em um instante, o diabo pousa na frente das garras-brancas feridas e, sem uma gota de hesitação, as ataca, brandindo sua espada impiedosamente de cima para baixo num movimento largo.
A lâmina percorre um arco amplo, e o som seco do aço partindo ossos e carne ecoa pela mata. O demônio acaba partindo cada uma delas em dois pedaços grandes, garantindo que nenhuma tenha sequer uma chance de lutar.
A ave maior observa a tudo com um olhar cerrado, suas garras longas contraem-se no chão, arrochando a terra.
“Agora, o resto é comigo”, afirma o demônio. A voz sombria do demônio reverbera pelas árvores como um juramento.
Só de não ter que lutar ouvindo vários daqueles piados atormentadores, já me sinto pronto para essa luta, divaga Byron, mantendo os olhos cravados na criatura e desafiando-a a se mover.
A criatura não ataca, permanece em guarda, encarando o demônio com um olhar feroz, como se estivesse avaliando a força dele antes de avançar.
Vamos ver o que você tem, pensa o demônio, abrindo as asas.
Num bater poderoso, ele se lança para frente, mas, como se um gatilho fosse acionado, a penugem eriçada da ave vibra em ondas, como um arbusto sob efeito de um vento forte.
A vibração cria um padrão hipnótico que se estende de cada pena do pescoço à cauda.
Byron, focado nela, sente os olhos arderem, e a imagem começa a se distorcer. Um aperto nas têmporas surge, acompanhado de uma tontura repentina que o deixa zonzo.
De um segundo para o outro, as asas perdem o ritmo e o demônio pousa abruptamente a poucos metros do alvo, desviando os olhos da criatura como se fosse algo nocivo. O que é isso?, ele pergunta, lutando para firmar o foco.
Rubi, mais atrás, franze o cenho observando-os atentamente. Por que ele parou?, ela se pergunta.
A ave, com passos rápidos sobre o chão úmido da floresta, encurta a distância entre si mesma e o demônio.
Num salto, ela ataca Byron, lançando as garras de suas patas contra o peito do diabo.
O demônio não consegue reagir e é atingido em cheio pela ave.
As pontas penetram na pele escura e descem rasgando pelo tórax até acima da barriga.
Rubi arregala os olhos. Byron?!, ela pensa, surpresa.
O ferimento faz o diabo voltar a si. Em um reflexo, ele brande sua espada contra a ave cinzenta.
A criatura, forçada a recuar, pula para trás, evitando o ataque, e volta a ficar em guarda, olhando para o demônio, as penas ainda eriçadas, mas agora sem a vibração intensa.
Do fundo, Rubi coloca a mão na corda do arco. Será que ele precisa de…, ela pondera.
Antes de a diaba levantar sua arma, o diabo ergue a mão livre com a palma aberta, fazendo-a hesitar.
“Eu estou bem!”, ele afirma em alto e bom tom. “Foi só mais uma dessas habilidades desagradáveis. Posso suportar um simples arranhão.”
Rubi suspira, desistindo. Já que você prefere assim. Depois não reclame se você sair dessa luta igual a um brinquedo de gato, ela pensa. Vou só ficar observando e tomando conta dos arredores.
Byron leva a mão ao peito, sentindo a ferida. Depois foca a atenção na ave cinza, metros à frente. Definitivamente você não é como as outras, ele constata, com um estranho lampejo de empolgação.

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