Capítulo 112 - Aquela que espreita
O sol que banha os céus com luz começa a rumar no horizonte. A floresta permanece serena acima das árvores, mas, abaixo delas, uma movimentação se desenrola.
Entre troncos e arbustos, ouve-se o som de passos desenfreados, causados por um ser oculto que passa entre as folhas.
Cadê ele?, a criatura se questiona, com aflição tomando seus pensamentos.
Uma dezena de metros atrás, é possível escutar o som contínuo de mais folhas se mexendo e de galhos estalando, denunciando a presença de alguma coisa em sua perseguição.
Ele estava por aqui, pensa ele, agoniado, procurando desesperadamente por algo.
A criatura corre pela mata sem parar um único segundo, até chegar a uma região aberta, uma pequena clareira sem arbustos.
O ser deixa as sombras das folhas baixas e se revela uma raposa branca como a neve. Ela ostenta uma cauda longa, com pelagem felpuda que lembra algodão por todo o corpo, com linhas avermelhadas na ponta do nariz, da cauda e das patas.
Enquanto corre, a raposa olha para todas as direções, seus olhos avermelhados checando cada moita próxima. Onde está aquele maldito porco?!, ela se questiona.
À esquerda, um outro reboliço entre as folhas surge, agarrando instantaneamente a atenção dela.
Será que…?, a raposa se pergunta, com um filete de esperança no olhar.
Mas logo o desespero toma conta novamente.
Atrás de um tronco, um bico amarelado aparece no alto, a um pouco mais de dois metros do chão. O restante da cabeça, penosa e clara, de uma garra-branca logo aparece, encarando a raposa com a feição de um predador faminto.
Uma quarta?!, ela se questiona, tomada pelo medo, sentindo uma sentença de morte aplicada sobre si. Por que tem tantas delas aqui?
O farfalhar ao fundo se aproxima e a raposa já muda o rumo de seus passos, correndo na direção oposta à ave mais próxima.
A garra-branca começa lentamente a caminhar, ainda medindo o valor daquela presa.
A raposa reage. As linhas vermelhas em seu corpo brilham por um instante.
Na frente da ave, uma segunda raposa branca, idêntica à primeira, aparece estática e sentada com o rabo enrolado.
A garra-branca para de caminhar e muda seu foco para a criatura mais próxima. De repente, ela começa a pisotear e a bicar o novo alvo, mas seus ataques atravessam aquele corpo branco como se ele não existisse, acertando o chão e levantando terra.
A raposa não perde tempo, aproveita a distração e volta a passar entre os arbustos, mas o balançar de folhas de seus perseguidores não diminui, pelo contrário, só aumenta.
Não pode ser!, pensa a raposa, em negação.
A distância entre ela e seus perseguidores, aos poucos, é reduzida. A raposa começa a ouvir as passadas abafadas no chão cada vez mais próximas.
Ela aperta o passo, correndo com tudo o que tem.
Então, ela avista algo que revive a esperança em semblante. À frente, um pouco à esquerda, atrás de um arbusto, um topo peludo e marrom anuncia a presença de um animal.
O porco!, ela pensa, com ânimo.
A raposa ruma na direção e salta por cima, pousando nas costas do javali.
O animal grunhe assustado e a raposa logo pula dele, voltando a correr para longe logo que cai no chão.
Boa sorte, ela deseja, deixando o javali para trás.
Instantes depois, um segundo grunhido ecoa, dessa vez mais desesperado, mas logo ele é ceifado pelo silêncio. Culminando em uma quietude palpável que faz a floresta parecer deserta.
Era eu ou você, porco, pensa a raposa.
Ela para diante de uma árvore e, com destreza quase sobrenatural, ela pula e começa a escalar o tronco até um galho alto, onde ela sobe e se esconde na escuridão abaixo das folhas.
A criatura branca se senta e suspira aliviada. Essa foi quase. Por um momento, achei que teria que sair desse domínio, ela pensa, fechando os olhos. Por quanto tempo será que eu aguento lá fora atualmente?
A raposa relaxa, deitada e sentindo a brisa refrescar sua pelagem macia, balançando seus pelos uniformemente, quase como uma nuvem sendo levada pelo vento do céu.
Não pensei que viver aqui fosse tão difícil… e muito menos que eu poderia acabar na dieta de alguém. Eu nem devo ter um gosto tão bom assim.
Ela abre os olhos levemente, encarando o norte, com receio.
Aquelas aves estão cada dia mais perigosas. Não quero nem pensar como está o Senhor deles.
Minutos se passam, a floresta se acalma, mas as aves no chão crocitam algumas vezes. O som ecoa pela região. Elas estão muito barulhentas hoje…, ela pensa, sem se incomodar muito.
E, de repente, quando o céu já está parcialmente alaranjado, aproximando-se cada vez mais do anoitecer, o animal felpudo sente um calafrio que a faz tremer da ponta da cauda até as pontas das orelhas.
Ela se levanta com olhos arregalados. Magia sombria? Por aqui?, a criatura se questiona, em alerta.
A criatura branca olha para o sul, de onde percebe a fonte daquela sensação sinistra. São os elfos? Parece com a magia deles… mas o que eles fariam nessa terra?
Dúvida paira em suas pupilas, atrelada a um sentimento de curiosidade. Eu devia sair, mas… será que eles me ajudariam? Eles me devem… não é?
Ela salta do galho para o chão, aterrissando com delicadeza. Já que não sobrou ninguém disposto. Acho que não faz mal pedir.
A raposa aproxima-se com cautela e lentamente, sentindo a intensidade da magia sombria crescer a cada passo. Às vezes, ela escuta uma voz grave adiante, junto do som de uma luta feroz.
Quando está muito próxima, ela ouve outro crocitar. O estalo agudo perfura seus ouvidos, como garras arranhando por dentro da cabeça. Ela para, fecha os olhos e abafa as orelhas, sentindo um incômodo terrível.
“É claro que você tinha que gritar!”, resmunga o dono da voz grave e sombria.
Ninguém nessa floresta deve gostar das aves de sentido, ela pensa, atordoada.
Quando se recupera, o cheiro acre de carne e penas queimadas penetra em suas narinas.
Que estranho, ela pensa.
A raposa volta a avançar e, cautelosamente, adentra em um arbusto que a encobre completamente.
Dali, avista uma ave cinzenta debatendo-se, uma espada cravada no peito. A lâmina está na mão de um colosso de pele sombria, riscada por linhas incandescentes e asas de morcego.
Além de manter a arma cravada, com a outra mão, ele trava a cabeça do pássaro. Uma fina fumaça branca escapa entre os dois.
A raposa franze o olhar, cética. Aquilo… não parece muito um elfo, ela constata.
Com um aperto, o colosso esmaga o crânio entre seus dedos, finalizando a ave.
Por que… tem mais gente com magia sombria aqui?, ela se pergunta, curiosa.

Arte por:@AyatoYun

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