Capítulo 114 - Proposta, promessas, poderes e a ganância
Rubi e Byron olham para a raposa suspensa com surpresa.
“Você fala?!”, a diaba questiona.
“Por favor, não me comam”, a criatura branca repete, com o timbre vibrando em apreensão. A suave voz dela ecoa como uma brisa vinda do ar, com as palavras não sendo ditas pela sua boca.
Achei que fosse impressão, mas parece quase uma telepatia, Rubi pensa.
Byron leva a mão ao queixo e observa as marcas avermelhadas no corpo branco da raposa. “Pelo aspecto disso, deve ser algum tipo de criatura ligada aos espíritos que habitam essas terras”, ele analisa.
Curiosa, Rubi aproxima a vulpina de si e a examina como quem inspeciona um objeto raro.
A raposinha se encolhe em reflexo, o coração acelerado, sentindo-se um prato servido diante dos olhos atentos da diaba.
Ela realmente passa a vibe de um bicho mágico, Rubi conclui. Ela até brilhou agora há pouco.
Byron se abaixa, curvando um joelho, encarando os pés da diaba. Por seus olhos, enxerga a imagem clara de uma segunda raposa sentada diante dela.
A pelagem vívida balança conforme a respiração e as pupilas, semiabertas, refletem a luz do ambiente. “A senhorita não está vendo esta outra?”, ele questiona, incrédulo.
Rubi dá um passo para trás e, novamente, olha para o chão, procurando por qualquer coisa diferente das folhas e da terra. “Não tem nada aí”, ela responde.
O demônio estende a mão, tentando tocá-la, mas seus dedos atravessam o corpo branco sem resistência.
Um estranho sorriso se abre no rosto dele. “Fascinante”, ele comenta. “Parece que a minha espectadora é cheia de surpresas”, o diabo ironiza.
“É… uma ilusão”, diz a raposa, com a voz tremendo e hesitante.
“Um subterfúgio para uma fuga, eu imagino”, Byron complementa, levantando-se.
O demônio encara diretamente a criatura nas mãos de Rubi. As orelhas da raposa se abaixam, e ela engole seco. “Eu só queria ir embora”, ela afirma.
Rubi estreita os olhos. “E por que só ele enxerga isso?”, ela questiona.
“Eu… não sei”, a vulpininha responde, aparentemente tão confusa quanto a diaba. “Isso nunca aconteceu antes.”
“Hum.” O som escapa dos lábios da diaba, carregado de desconfiança.
“Certamente é um truque simples demais para enganar alguém como a senhorita”, acrescenta Byron.
Rubi lança outro olhar para o chão, sentindo uma peça mal encaixada no tabuleiro. Ainda assim, soa bem estranho…, ela pensa. Normalmente, mesmo quando um efeito falha, dá pra saber se alguém tentou algo contra vocês.
Byron calmamente desvia o olhar para a diaba. “Me permitiria matar essa coisinha agora?”, ele pede, quase sereno.
A raposa arregala os olhos e todos os seus músculos travam no ar, surpresa. “Não…”, ela insiste.
Até Rubi se surpreende com o pedido súbito. “Assim, do nada?”, ela pergunta. “Por que fazer isso tão cedo? Nós nem conversamos direito ainda. Talvez ela possa nos ajudar.”
“Duvido que ela colabore conosco”, Byron afirma. “Claramente ela tem alguma relação com os espíritos que vivem nessa floresta. E espíritos não negociam com demônios.”
Enquanto ouve os diabos decidirem seu destino, a esperança da criatura se esvai, passando entre os dedos da succubus, como uma onda de desânimo que a vai do focinho à cauda.
Se eu não falar nada, eles vão me matar. Mas eles não vão acreditar em mim, vão?, ela questiona, em descrença.
“Muito provavelmente, ela deve estar nos espionando para eles”, o demônio continua.
“Se é assim…”, murmura Rubi, arqueando a sobrancelha.
A essa altura, eu não tenho nada a perder, pensa a raposinha. Ela respira fundo, reunindo o pouco de coragem que resta, e ergue a cabeça.
“Eu não estou trabalhando com os espíritos dessa floresta”, afirma a pequena criatura, adentrando novamente no meio da conversa.
O silêncio pesa. Dois pares de olhos atravessam a raposa, um curioso, outro afiado como uma lâmina. A respiração da raposa fica curta.
“Uma última mentira para se salvar?”, confronta o diabo.
“Não! É a verdade.”
Rubi vira a raposa em sua direção. “Então por que estava espiando o Byron?”, ela questiona.
“Eu…”, a vulpina começa, receosa. “Estava pensando em pedir a ajuda dele…”
Byron franze o cenho. “Com qual intuito?”, ele pergunta, cético.
Dele? Que demanda desesperada é essa que um demônio enorme parece uma opção viável?, Rubi se indaga, incrédula.
A raposa encara Byron de volta, desta vez sem desviar. “A cada dia, esse lugar fica mais perigoso. Quero ir embora, mas não posso sair daqui sozinha”, desabafa. “Preciso de alguém… e não há muitas opções.”
As palavras agarram a atenção dos dois demônios, despertando curiosidade.
“O que… quem é você?”, pergunta Rubi.
“Meu nome é Yrah. Sou uma zeladora. Não sou exatamente um espírito, mas a minha espécie também nasce da magia natural da floresta e ajuda a cuidar dela.”
“Por que exatamente não pode sair daqui sozinha?”, completa Byron.
“Eu dependo de mana para existir. Aqui consigo viver porque o ar é rico em magia. Mas, fora desta região, precisaria de uma fonte externa ligada a outra pessoa… ou vou decair e morrer.”
Os olhos de Byron se arregalam. Ele bate o punho contra a palma da mão, como um martelo. “Agora sei o que você é!”, afirma o demônio. “É uma daquelas criaturinhas que brotam junto dos espíritos nas regiões onde a magia espiritual é densa.”
Yrah confirma com um leve aceno de cabeça.
Rubi desvia o olhar para o companheiro, intrigada. “Ela é como aquele ente que encontramos na borda da floresta?”
“Exato. Existem muitas criaturas que só podem nascer ou existir em ambientes específicos”, explica Byron.
Rubi volta a olhar para a diminuta criatura em suas mãos. A pelagem macia se encaixando ao redor de seus dedos com perfeição.
“Como não encontramos outros como você antes? Passamos em algumas regiões com magia densa e a única coisa que encontramos foi uma árvore velha e mal-humorada.”
Eu certamente me lembraria de ter visto fofuras assim… ainda mais se fossem tão fáceis de pegar, pensa a diaba.
Yrah desvia o olhar a primeiro momento. “É complicado”, ela começa a dizer, sem jeito.
“Se esses seres são filiados aos espíritos, certamente também conseguem sentir a nossa magia sombria antes de chegarmos e fogem com medo”, diz Byron, interrompendo-a.
As orelhas e os pelos de Yrah se eriçam. “Nós não temos medo!”, ela retruca, impondo-se.
Byron logo devolve um olhar severo e faz a raposa novamente se acuar.
“Nós só… preferimos evitar magia sombria”, ela continua. “Ela é sinistra.”
“Como veio parar aqui?”, Rubi questiona. “Não sinto os efeitos da magia espiritual nesse lugar. E, considerando nosso trajeto pela floresta, deve ter alguma região espiritual pelas redondezas.”
A pergunta deixa Yrah mais cabisbaixa ainda. “Até tem, mas… eu não posso ir a elas”, ela responde, com semblante envergonhado, desviando o olhar. “A região onde eu nasci perdeu a magia que podia me sustentar. Os espíritos mais fortes da floresta colocaram a culpa em mim e me expulsaram dos domínios deles. O único lugar que me restou para morar na floresta é aqui.”
É. Vendo agora, parece um pedido justo. No final, ela só quer viver, Rubi pensa, esboçando um leve sorriso.
“Então, Yrah… o que me diz de um acordo?”, propõe a succubus.
A raposa ouve aquelas palavras e seu semblante triste se transforma em ânimo. Ela ergue os olhos, mas logo hesita ao ver o sorriso cheio de dentes afiados e o olhar amarelado, pesado de curiosidade que Rubi exibe.
O interesse da diaba também acaba contagiando Byron. “Vejo que a senhorita pensou em algo”, ele comenta, instigado.
“Nossa amiguinha tem algumas habilidades interessantes e, pelo visto, conhece bem essa região. De um jeito ou de outro, sei que ela pode nos auxiliar em troca da sua proteção”, diz a diaba.
A cauda de Rubi chega a balançar em antecipação. Talvez ela possa até me ajudar a testar uma teoria que tive sobre a coroa, pensa ela.
Yrah sente um novo calafrio, mas dessa vez não vem da magia sombria que a diaba emana. Será que isso é uma boa ideia mesmo?, ela se pergunta, com uma pontada gelada de receio.

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