Capítulo 29 - O Bosque de Breviserba
Por uma estrada no meio de um bosque, dois homens transitam em uma charrete puxada por um cavalo. O sol da manhã os ilumina, e uma brisa fraca que passa pelas árvores os refresca. Sua passagem é acompanhada pelo som das rodas e do trote do cavalo que se mistura ao canto dos pássaros.
Os dois homens usam uma armadura cuja capacete, botas e luvas são de metal, enquanto as demais partes são feitas de um couro azulado. Estampado no peito e nos ombros de ambos está um brasão com um escudo, onde figuram um leão e uma cobra.
Um deles, guiando a charrete, é um humano jovem de cabelos castanhos. Em seu pescoço há um colar com um pingente dourado. Ele encontra-se em uma postura bastante acanhada, enquanto conta uma história. “… E foi por isso que eu fui embora ontem sem te avisar”, diz ele. “Consegue me perdoar?”
Sentado ao lado, está um anão de barba e bigodes negros, com a pele da testa e abaixo dos olhos um pouco enrugada, mostrando-se mais velho. Ele, emburrado e de braços cruzados, faz questão de não olhar para o jovem e aparenta não querer responder a pergunta.
“Vai ficar nessa? Depois, eu te dou o dinheiro da conta”, fala o jovem.
O anão suspira, cedendo à pressão, e pergunta com sua grossa voz, “Pelo menos levou ela para cama?”
“Não. Ela me dispensou quando chegamos no bairro dela”, responde o jovem sem graça. “Ela só não queria voltar para casa sozinha.”
“Que droga, Couby! De novo?! Se for trocar os amigos por mulher, pelo menos faça direito!”
“Eu sei. Eu sei… Perdão, Bofur.”
“Ah. Que seja. Depois você me paga quinze leões de prata.”
“Quinze?!”, Couby questiona, surpreso. “Nós nem bebemos tanto.”
“Nós não bebemos, mas a sua amiga bebeu. E eu paguei por ela também”, Bofur explica, com algum amargor em seu tom.
“Tá bom… da próxima vez que bebermos eu pago a conta. Mas vamos trocar de bar. Desse jeito, nosso salário de guarda não vai conseguir bancar nada.”
“Foi o que você disse da última vez…”
“Eu já me desculpei!”
“Você tem é que parar de abanar o rabo para qualquer mulher que lhe dê atenção.”
A conversa segue desenroladamente entre aqueles dois, até o momento em que adentram em uma região onde a vegetação é mais alta, onde Bofur começa a ficar mais atento aos arredores do que às palavras do humano.
“Diminui um pouco”, pede o anão. “Vamos com mais calma a partir daqui.”
Couby segue a ordem e começa a diminuir a velocidade da charrete. “Foi por aqui que os carroceiros avistaram os bandidos?”, ele questiona.
“Foi bem por aqui mesmo. Bandidos trajando preto e se esgueirando entre as árvores. Eles perseguiram as pessoas que os avistaram até saírem da floresta.”
“Tem certeza? Fizemos essa rota cinco vezes no mês passado e não vimos nada estranho.”
“Pela descrição, são bandidos de Ventir, no norte. Deve ter alguma base nova pela região. Fiquei sabendo que avistaram alguns do mesmo tipo em uma estrada perto de Arbor.”
“Vieram de Arbor para Breviserba? Deve ser uns cinco dias de viagem. Se eles têm que ficar carregando pessoas e roubo de carroça, tem outras cidades mais perto”, Couby afirma, com um tom inconformado.
“Duvido que carreguem qualquer coisa pra Arbor. Eles cometem roubos e sequestros em estradas afastadas e levam pra alguma base no meio do nada. São como formigas pegando folhas na floresta.”
“Então, os que viram por aqui não são os mesmos?”
“Os carroceiros devem ter avistado um acampamento menor ou um grupo de batedores.”
Couby fica um momento quieto, pensando. “Ouviu falar do incidente de Gramina?”, ele pergunta.
“Ouvi. Graças a Gleonim, ninguém morreu por lá. Por que a pergunta?”
“Me disseram que pode ter sido o Último do Oeste.”
“Também me contaram isso. Achei meio estranho ele ter aparecido em um lugar tão longe.”
“Acha que esses bandidos podem estar ligados ao Último?”
“Duvido muito que ele se juntaria com alguém”, Bofur responde. “Ainda mais se forem de Ventir. Aquele povo só se alia com vampiros.”
“Guil e eu estávamos falando sobre ele ontem. Pensei que pudessem ter uma ligação.”
“Então, o garoto pegou mesmo a missão de caçar Último sozinho?”
“Pegou. Mas, ele não pretende ir sozinho, só não montou um time ainda.”
“Não deve ter sobrado muita gente disposta a ir com ele nessa missão”, pressupõe Bofur.
“Não mesmo. Mas ele vai dar um jeito. Mesmo que precise ir sozinho.”
“Seu amigo aventureiro é corajoso, se me permite dizer”, Bofur elogia. “Ingênuo e inocente também, mas muito corajoso.”
“Vou contar para ele depois. Ele gostaria de ter vindo dar um apoio, só que ele estava ocupado tentando recrutar gente. Pelo menos ele me emprestou um amuleto.”
Couby tira uma das mãos das rédeas e aponta para o colar em seu pescoço.
Bofur, com olhar analítico, examina bem o pingente. “É bom você não perder nesse negócio. Tem cara de estar fora do orçamento de um guarda novato”, ele afirma.
“É?”, Couby pergunta, assustado, ao imaginar o preço. “Ele disse que podia me ajudar e eu só aceitei. Se eu soubesse que era caro, não teria trazido.”
O anão volta a olhar para frente, e ao avistar o trecho adiante, muda a expressão séria. “Pois cuide disso daí, você pode precisar. E é melhor ficar bem atento a partir de agora. Estamos chegando à parte mais profunda”, ele alerta.
Conforme as palavras do anão, as árvores ao redor se tornam cada vez mais volumosas, menos espaçadas e com copas largas. Apesar de o sol da tarde iluminar a maior parte do bosque, a luz nessa região penetra bem pouco pela folhagem e pelos troncos. O som das aves ecoa distante e em menor intensidade, como se houvesse poucos pássaros ali.
Com a ausência dos pássaros, o ranger das rodas se torna mais nítido. Couby reduz ainda mais a velocidade do veículo, e Bofur mantém a vigilância constante, esforçando-se para observar cada detalhe ao seu redor.
Os dois prosseguem em silêncio enquanto examinam o local. Um pouco à frente, Bofur avista um longo e espesso galho caído no meio da estrada.
“Pare ali”, ele diz, indicando a borda esquerda da trilha.
“Não é um pouco suspeito?”, Couby murmura.
“É bastante suspeito.”
“Vamos dar meia-volta?”
“Não. Vou dar uma olhada perto. Ele não parece tão grande daqui, talvez eu consiga empurrar.”
Bofur pega sua espada que está na parte traseira da charrete e desce com ela desembainhada.
“Fique atento”, ele pede e, com cautela, o anão vai até o galho.
Inicialmente, ele olha para cima, buscando na copa das árvores, qual delas de onde vem aquele galho. Depois, dá pequenos chutes no pedaço de madeira, conferindo se pode movê-lo. O galho se afasta um pouco, e Bofur começa a arrastá-lo para o lado usando sua perna esquerda.
De repente, uma voz surge do mato, ecoando pelos troncos. “Socorro!”, grita alguém, com o som aparentando ser de uma mulher, vindo das moitas à esquerda da estrada.
Os dois guardas ficam alardeados. Couby se levanta na carroça e olha para a mata, tentando ver se encontra a fonte da voz, enquanto Bofur assume uma posição de luta, segurando a espada com as duas mãos na mesma direção.
“De onde veio isso?”, questiona o anão.
“Não consigo ver ninguém daqui”, diz o jovem.
Tudo volta a ficar em silêncio daquele lado.
“Será que era uma mulher em apuros?!”, questiona o jovem humano, inquieto. “Será que ela…”
“Couby, fique atento…”, Bofur o alerta com firmeza, os sentidos aguçados pela desconfiança.
No entanto, no instante seguinte, ele vê Couby saltar da carroça com a espada em punho e correndo para fora da estrada.
“Droga!”, Bofur rosna entre dentes cerrados. “Não vá sozinho!”
Seu aviso é ignorado e o anão vê seu parceiro avançar mata adentro e logo desaparecer de vista. “Não se preocupe, vou ajudar!”, ressoa a voz de Couby, perdida entre as árvores.
Bofur mantém sua posição, aguardando algum tempo, embora não escute mais nada vindo daquela direção.
“Eu vou chutar a bunda dele”, resmunga o anão, furioso e agoniado.
Sem alternativas, Bofur corre atrás do guarda, mergulhando na vegetação. Ele avança pela mata em linha reta, cortando com sua espada as plantas que bloqueiam seu caminho.
“Couby!”, grita o anão, correndo.
Ele percorre floresta adentro, até avistar seu companheiro, rendido e caído no chão. Na frente de Couby, de pé, está uma mulher trajada com um véu e roupas negras como a noite, apontando uma espada curvada na direção do pescoço do jovem humano.
“Renda-se e saia de perto dele!”, Bofur ameaça.
“Quem tem que se render aqui é você!”, a mulher responde, com um sotaque carregado.
Bofur se prepara para lutar, erguendo sua lâmina na direção da mulher, pronto para pular na direção dela. Porém, à sua esquerda, ele avista outro encapuzado, posicionado atrás de uma árvore e apontando uma balestra de madeira em sua direção.
O corajoso anão não se intimida e ainda corre na direção daquela que ameaça seu parceiro. A mulher, em resposta, encosta a ponta da sua arma afiada no pescoço de Couby e faz pressão.
Gotas de sangue começam a escorrer pelo pescoço do rapaz, repartidas pelo cume da espada. “Eu disse. É melhor você se render”, a mulher ameaça. E pouco a pouco aperta ainda mais sua arma na pele do rapaz.
Bofur nota a expressão aterrorizada do jovem, para de correr e, relutantemente, arremessa sua arma ao chão com força, levantando as mãos em sinal de rendição.
“Que droga, Couby! De novo?!”, exclama o anão indignado.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.