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    Sob um extenso campo verde de grama alta e algumas árvores de copas largas, Rubi espreita pela alta vegetação. O sol quente do meio-dia batendo diretamente sobre a demônio não aparenta incomodá-la.

    Ela desloca-se com passos curtos a favor do vento, que também move as folhas do campo. Em mãos, carrega seu arco já com uma flecha pronta, e ela olha com cautela algo que chama sua atenção a frente.

    A algumas centenas de metros adiante dali está uma colina verde, sem nada que a diferencie das outras no horizonte, a não ser por uma fumaça escura saindo da base.

    Não tem como ser a base dos bandidos, tem?, ela se pergunta, cética. Aquele outro estava tão bem escondido. Não tem como os mesmos caras se deixarem expor assim. 

    Após se aproximar de uma árvore, Rubi para de andar, estende a mão na direção da colina e se concentra em um feitiço. “Corvo Buscador”, ela murmura e conjura o pássaro voando naquela direção. 

    Antes de o corvo alcançar o local da fumaça, Rubi, através dos olhos da ave, logo vê que o fogo vem de uma barraca verde em chamas. Com certeza é um acampamento, ela conclui, e se impressiona com o fato de que aquele tom verde do tecido se mistura quase perfeitamente com a vegetação ao redor. E isso está muito bem camuflado. Não fosse a fumaça, eu não distinguiria. 

    O corvo passa acima da barraca, e Rubi observa que no local há pessoas e outras tendas similares à que está em chamas. Nos poucos segundos que tem, ela nota que o lugar está agitado. As pessoas, em maioria, estão caídas e feridas e as demais estão entre si lutando. Uma dessas pessoas chama a atenção de Rubi. Ela se destaca por usar trajes verdes, enquanto todos os outros de pé estão com trajes negros. 

    Parece que o de verde é o alvo, ela analisa. Provavelmente foi quem derrubou todos os outros e começou a confusão.

    O pássaro deixa o lugar e Rubi volta a enxergar por seus próprios olhos. Que bagunça, hein? Arrumaram problemas antes mesmo de eu chegar, ela pontua. Pelo que deu pra ver, a maioria das pessoas usa roupas iguais às do outro acampamento. São o mesmo tipo de bandido. 

    Rubi permanece algum tempo parada sob a sombra da árvore, observando a colina e refletindo sobre o que fazer. Eu devia ir?, se questiona. Eu gostaria de fazer algo mais furtivo e não uma baderna daquelas. Eu já tinha até desistido de achar o esconderijo. Revirei duas colinas e nada.

    Se bem que…, ela pondera, tentada por aquela oportunidade. Seria um desperdício não ir lá e ver se eles têm coisas úteis, não é? E está tão fácil. Tem pouca gente de pé. Aquele de verde facilitou. Será que é alguém tentando prender os bandidos? Ou algum prisioneiro que se soltou? 

    A demônio respira fundo e volta a avançar, ainda se move abaixada pela grama alta, porém agora em passos velozes, ciente de que as pessoas no acampamento estão ocupadas demais para notá-la. 

    Enquanto corre, Rubi conjura outro feitiço. “Huginn! Muninn!”, ela declara. Uma energia densa e escura começa a se concentrar ao seu redor. Em seguida, dois corvos negros com olhos vermelhos e brilhantes se materializam e se empoleiram graciosamente em seus ombros.

    Só pra garantir. Não vou dar brecha pra eles, ela pensa, focada.

    Rubi se aproxima do acampamento na base da colina o bastante para conseguir distinguir as barracas camufladas da vegetação. Aquelas tendas… estão bem escondidas, bem até demais, ela analisa. Será que é magia?

    A demônio se aproxima por trás de uma das tendas, retira a mochila de suas costas e a deixa no chão. Olhando pela lateral, Rubi observa a movimentação no meio do acampamento. Lá, ela conta pelo menos seis pessoas trajadas em tecidos pretos, caídas com cortes espalhados pelo corpo.

    Na confusão que se desenrola, os caídos acabam servindo como obstáculo, dificultando a movimentação dos três que lutam ali. Dois deles aparentam ser bandidos, similares aos derrubados sob seus pés. Eles enfrentam um jovem humano alto de cabelo preto com um colete de couro e um manto, ambos cheios de detalhes verdes.

    Dos bandidos, um deles é grande, apresentando músculos maiores que notavelmente são percebidos através dos tecidos largos que usa, e empunha uma lança com cabo de cor vermelha e uma lâmina curvada. O outro, é fisicamente esguio, aparenta estar ferido no ombro e se mantém abaixo alguns metros atrás de seu companheiro, empunhando um arco de madeira.

    O jovem é alto, mas diante do bandido musculoso à sua frente, essa característica não se destaca tanto. Com uma mão, ele segura uma espada reluzente, que possui detalhes dourados no cabo.

    O bandido com lança ataca o jovem com um golpe pesado de cima para baixo, entretanto, por maior que seja a discrepância física entre os dois, o jovem não demonstra necessitar de grande esforço para bloquear, desviando a trajetória da lança para o lado. 

    Em seguida, ele se vê sob alguma pressão, já que, além de bloquear o lanceiro, precisa lidar com uma flecha que o outro bandido dispara. Com um preciso movimento da lâmina, a veloz flecha é cortada. Tendo que se defender daqueles dois, o humano espadachim se foca em se proteger e não ataca nenhum dos bandidos.

    Rubi, vendo aquela situação, sente algo estranho. Quando ela enxerga aquele jovem com seus próprios olhos, um sentimento familiar paira sobre ela, um arrepio quente que percorre sua espinha, fazendo sua atenção se voltar completamente àquele humano e, momentaneamente, ignorar os demais. Como se aquela pessoa tivesse algo especial para ela.

    Já senti isso antes. Duas vezes, ela constata, intrigada. Da última vez, foi com o Zander. E a primeira foi com a Arielle. Tinha muita coisa acontecendo e eu nem fazia ideia de que aquilo não era natural. Mas… agora é diferente.

    Ela começa a se preparar para atirar, puxando a corda de seu arco com força e mirando no jovem que está focado na luta contra aqueles dois. Não sei o que esse arrepio significa, mas, se ele for como aquele anão, não quero que aquilo se repita, ela pontua, cheia de cautela. Se eu tivesse matado o Zander na primeira oportunidade que tive, teria evitado alguns problemas.

    No último instante, ela hesita em disparar e se acalma. Se eu tivesse matado a Arielle, eu teria perdido muito. Além de que, seria meio frio, não é? O coitado não fez nada. Ela reflete, abaixando o arco, frustrada consigo mesma. Que droga. Esse negócio de empatia tá ficando difícil. Era bem mais fácil fazer isso quando tinha as garotas por perto. Com elas, eu me importava. Se eu não tomar cuidado, vou virar o tipo de monstro que elas caçam… 

    Após a reflexão, Rubi volta a mirar e dispara o projétil que vinha preparando, não no jovem, mas no arqueiro. O bandido, concentrado na luta contra o espadachim, nem percebe a flecha se aproximando e é acertado pela lateral, na região das costelas, e cai, já sem consciência, para o lado.

    Tá, não preciso atirar no rapaz. É melhor só tentar descobrir o que ele tem de diferente, ela conclui, decidida. Só tomara que ele não me dê um motivo de verdade pra jogar ele na pilha dos bandidos.

    Tanto o bandido lanceiro quanto o jovem ficam confusos ao verem o arqueiro tombando. Mas os dois, no fervor da batalha, não param o embate e continuam a trocar golpes.

    Agora, sem o apoio do companheiro, quem se vê pressionado é o lanceiro. Ele ataca com força, mas vê sua lança sendo repelida e bloqueada pela espada consideravelmente menor do espadachim. Sem ninguém para atrapalhá-lo, o rapaz conecta um corte que atravessa os tecidos negros que protegem o bandido.

    Em uma última esperança, o bandido usa as forças que lhe restam em um ataque desesperado. Ele segura a lança pela ponta do cabo, e a lâmina da arma brilha em um tom vermelho forte.

    Ele ataca com um movimento de cima para baixo. O jovem espadachim se defende, colocando sua espada na frente, que é coberta por uma aura dourada. As armas trombam, e um som estridente e metálico irrompe devido ao impacto poderoso. 

    No local do impacto, uma onda mágica irrompe, misturando as cores das magias das duas armas em um brilho efêmero. A aura vermelha da lança se apaga, como se uma chama fosse extinta por um vento forte, enquanto a aura dourada da espada persiste, intensa e imutável.

    Mais uma vez, o jovem repele a lança sem dificuldades, deixando o bandido aterrorizado. Aproveitando-se do momento, o espadachim conecta um ataque e, ainda com a aura dourada sobre sua arma, desfere uma estocada contra o lanceiro. A espada, embutida em magia, atravessa-o sem dificuldades, e o bandido ferido é jogado para trás.

    O rapaz observa seu inimigo caindo inconsciente, mas, mesmo diante do oponente derrotado, ainda não se relaxa. Inquieto, ele começa a olhar pelos arredores, buscando pelo algoz do arqueiro.

    “Quem está aí?!”, ele pergunta, praticamente gritando, mas com um tom arrojado. “Obrigado pela ajuda! Pode se mostrar. Está tudo bem. Eu não sou um dos criminosos.”

    Uma voz ecoa, vinda das barracas que estão atrás. “Que você não é um bandido, eu pude notar. Mas não sei se está tudo bem”, ela responde, em um tom de desconfiança.

    Quando ele olha para trás, fica incrédulo ao ver na borda do acampamento a criatura demoníaca de cabelo rosa acompanhada com dois corvos negros empoleirados em seus ombros.

    Sem brigar e sem magia, só uma conversa, Rubi pensa, resoluta. Vamos ver o que esse garoto tem de especial.

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