Índice de Capítulo

    Guiliman relaxa a postura, abaixa a arma e lentamente começa a dar passos para trás, atento, sem tirar sua atenção da demônio. 

    Rubi observa quieta o rapaz dirigir-se até uma barraca ao fundo, mais próxima a base da colina, onde ele rapidamente entra. Devem ser onde eles guardam o loot, ela supõe. 

    O ambiente dentro daquela tenda é iluminado por uma fenda no tecido, similar a uma janela. Nas bordas estão algumas caixas de madeira e no meio dela está um grupo de seis pessoas amarradas e amordaçadas, composto de humanos, elfos e até gnomos de diferentes idades, todas mostrando expressões apreensivas, sem entender o que acontece lá fora.

    Quando Guiliman entra, os prisioneiros jogam seus olhares arregalados cheios de medo ao rapaz, pedindo sem palavras por qualquer informação sobre a situação.

    “Está tudo bem, eu disse que voltaria”, ele diz, calmo, em uma tentativa de passar segurança.  

    Perante a postura valente do rapaz, aquele grupo se tranquiliza um pouco. Mesmo amordaçados, é possível ver a fisionomia de seus rostos relaxar e algumas lágrimas de alívio se acumulando no canto dos olhos de alguns deles.

    No entanto, Guiliman não consegue fazer o mesmo. Ele sente o peso da vida de todas aquelas pessoas, que o olham com esperança, recaindo sobre ele. Deve ter alguma coisa por aqui que a agrade, ele pensa, percorrendo cada caixa com o olhar.

    O rapaz vai até uma garotinha pálida e orelhas pontudas e se abaixa diante dela. “Eu irei soltar você, e você faz o mesmo com os outros, certo?”, ele pede, com sua voz gentil.

    A garota acena rapidamente com a cabeça e Guiliman começa a desamarra-lá com cuidado. 

    “Peço que fiquem em silêncio e que só saiam daqui quando eu der um sinal. Ainda tem algo lá fora que eu preciso resolver”, Guiliman orienta e todos ali assentem com ele. 

    Se isso se transformar em uma luta direta, temo que eu não possa matá-la antes que ela destrua o acampamento todo, ele pontua, preocupado. Por que será que…

    Do lado de fora, o lugar está quieto, apenas com o som do crepitar das chamas e do vento. Rubi, um pouco entediada, está sentada sobre a grama na entrada do acampamento, aguardando pela volta do rapaz. 

    Seus dois corvos negros repousam em seu colo, e ela acaricia um deles com delicadeza, tal qual fosse um simples mascote.

    Até que ele é legal, ela pensa. Não é do tipo que tenta se matar na minha frente. Será que ninguém pensa no tipo de trauma que isso pode causar em alguém?

    Rubi fica perdida em seus pensamentos por algum tempo, até ver a entrada da barraca de onde Guiliman está se abrir e o mesmo sair de lá trazendo em mãos uma pequena caixa de madeira. 

    Rezo para que seja o bastante, ele roga enquanto se encaminha na direção de Rubi. 

    A cauda da demônio volta a balançar intensamente. O que será que tem lá?, ela se pergunta, curiosa. 

    Quando chega no meio do acampamento, algo na demônio se ressalta aos seus olhos e ele para de andar. Aquilo é… , ele analisa, com uma expressão cismada. 

    Rubi sente a desconfiança do rapaz. “Aconteceu alguma coisa?”, ela pergunta. 

    “Quando te vi, me perguntei se realmente foi acaso você estar por aqui. Mas agora, algo me diz que você simplesmente não esbarrou nesse lugar.”

    “E onde você quer chegar?”

    “Esse colar no seu pescoço, onde o conseguiu?”, Guiliman pergunta sério, deixando de lado seus maneirismos. 

    Rubi se espanta e por um momento trava, como se estivesse de alguma forma encurralada. Ele sabe?, ela se questiona, descrente. Não tem como, tem?

    Ela segura o pingente em seu pescoço, um pequeno globo dourado que cintila sob a luz, preso delicadamente à corrente. “Encontrei em outro acampamento, bem menor que este,” ela responde, exibindo a joia entre seus dedos. “Estava com uma bandida.”

    “Esse acampamento… era perto de Brevisherba?”

    Com certeza ele sabe, ela conclui. 

    “Ao sul de lá”, Rubi responde. “Em um bosque.”

    Será que roubaram isso dele? Eu não vou devolver, Rubi pensa, recuando o pingente contra si. Não tenho culpa se perderam.

    Guil solta um ar pesado de sua boca ao confirmar suas suspeitas. “Dois amigos meus desapareceram naquele bosque”, ele fala, com um olhar baixo. “Um deles estava com esse colar. Eram guardas que patrulhavam uma estrada e…”

    “O Bofur e Couby, certo?”, Rubi questiona levianamente, interrompendo o rapaz. 

    Guiliman arregala os olhos, surpreso por ouvir aqueles nomes da boca de um demônio. Além disso, essa confirmação não lhe traz conforto, só lhe deixa mais tenso ainda. 

    Rubi, mesmo de longe, consegue sentir a tensão do rapaz. “Eu não os matei, se é isso o que vai perguntar”, ela afirma, adiantando-se. “Só ataquei os bandidos e peguei as coisas deles. E foi o Couby quem me indicou sobre como chegar aqui. Antes de ir embora, até soltei eles.”

    Mais ou menos isso, ela pontua. Teve aquela brincadeira com o Couby, mas isso não é relevante aqui.

    Guil sente algum alívio, mas apenas por um instante, sua desconfiança quanto à fonte daquelas informações logo volta à tona. Seus olhos se estreitaram, céticos. “Como sei se estão vivos? Como sei se não os matou e está mentindo aqui?”, ele pergunta, uma aflição palpável em sua voz. 

    “Não há como eu te mostrar que você pode confiar em mim”, Rubi responde tranquilamente. “Se acredita em mim ou não, a decisão é sua.”

    Sem uma confirmação concreta, a dúvida cresce no rapaz. Seus dedos enrijecem em torno da caixa, reflexo da tensão crescente em seu corpo.

    “E mesmo que decida não acreditar, você vai fazer o quê? Sacar sua espada e os vingar? A meu ver, isso não resolve nada”, a diabo continua, despretensiosamente. “Além do mais…Não posso dizer se eles estão vivos. Eu os deixei soltos na floresta.”

    A imagem de Rubi sentada, despreocupada e serena, acariciando aquele animal estranho, confunde Guiliman. Sua lógica e seus ideais entram em conflito, gerando uma confusão que o faz duvidar de suas próprias decisões.

    Acho que quebrei ele, Rubi pensa, achando muita graça na hesitação tangível do rapaz. 

    Guiliman gasta um tempo refletindo, mas ao final se conforma e se acalma. “Dado que não me atacou até agora. Vou acreditar em você. Só não espero me arrepender depois”, ele adverte. “Lutar agora não teria sentido.”

    Foi uma boa escolha. Por um momento, achei que ele fosse mesmo sacar a espada, a demônio pontua, contente. Ele é mesmo cara legal.

    “Essas aves não vão me atacar se eu me aproximar, vão?”, Guilman fala, mas dessa vez em um tom mais brando. 

    Rubi se levanta da grama, seus corvos alçam voo e novamente pousam em seus ombros. “Essas fofuras?”, ela pergunta, passando a mão em um deles. “Só se você me atacar primeiro.”

    Guiliman volta a se aproximar, deixa a caixa no chão, perto de Rubi. “Isso é tudo o que eu encontrei”, ele diz, recuando de volta para o meio do acampamento.

    A demônio, sem pensar duas vezes e cheia de curiosidade, vai até o pacote e o abre. Um sorriso genuíno surge em sua face. Ela fica maravilhada ao ver que dentro da caixa estão seis frascos com líquidos azuis e vermelhos.

    É tudo o que eu queria, ela pensa, comemorando, extremamente alegre. Tem até a minha boa e velha amiga, poção de mana! Será que o gosto é bom?

    Guiliman, afastado, observa a cena com um pouco de descrença. Mesmo sabendo que aquela diante dele é um demônio, potencialmente perigoso, não consegue deixar de admirar aquela reação tão genuína e cheia de graça.

    Tenho certeza de que eu poderia encontrar mais coisas se eu mesma procurasse, Rubi pondera, correndo o olho pelas outras barracas. Mas…

    A demônio fecha a caixa e a levanta. “Trato é trato”, ela fala, de alguma forma tentando conter um pouco do ânimo que sente. “Agora eu vou embora.”

    “Eu… agradeço pela compreensão”, ele diz.

    Ela pega uma mochila, escondida atrás de uma barraca, e começa a sair dali, mas antes de deixar completamente as dependências do local, para de andar e volta sua atenção ao rapaz.

    “O colar…”, ela fala. “Por acaso, sabe o que ele faz?”

    Já tinha percebido que é mágico, mas não tenho certeza de como ativar, ela pontua.

    O rapaz hesita momentaneamente, mas ainda compartilhando da conformidade anterior, acaba cedendo. “Se você apertar ele com a palma da mão, vai surgir uma nuvem de fumaça ao seu redor”, ele responde, com algum cansaço na voz.

    Rubi novamente examina o pingente reluzente com os dedos. Até que é útil, ela pensa, alegre. Depois retira uma sacola branca de sua mochila e joga na direção de Guiliman. 

    O rapaz, pego de surpresa, novamente fica em alerta e faz menção em sacar sua espada. O saco não o atinge e cai alguns metros diante dele, emitindo um tilintente som de pequenas peças metálicas se batendo. Guiliman instantaneamente reconhece aquele barulho como o de moedas se batendo e fica sem reação.

    “Fique com isso!”, Rubi diz. “Dê ao Couby ou ao Bofur pra compensar o colar.” 

    Não sei a qual dos dois pertencia, ela pensa. E não tenho como gastar dinheiro mesmo.

    Guil, vendo a retribuição, fica mais intrigado ainda. Ele observa quieto a demônio de cabelo rosa saindo pela planície e desaparecendo em meio à grama alta.

    Quem diabos era ela?, ele se pergunta.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota