Capítulo 38 – Alívio, tensão e objetivos
Por uma rua cheia de pessoas circulando na cidade de Brevisherba, Guiliman conduz uma grande carroça de madeira. O veículo, puxado por um cavalo preto, leva na parte traseira seis pessoas cujas roupas estão empoeiradas e levemente rasgadas.
As rodas de madeira gasta rangem e tremem, destacando-se em meio ao barulho das outras carroças e das pessoas ao redor, indicando seu estado precário. O rapaz, claramente afoito, conduz a carroça pela cidade em uma velocidade consideravelmente maior do que a dos outros transeuntes, demonstrando sua pressa.
Uma garotinha pálida e de orelhas pontudas, com o rosto e o cabelo loiro, sujo de poeira que está na parte de trás da carroça, se aproxima de Guiliman. “Está tudo bem?”, ela pergunta, preocupada. “É por causa do que aquele guarda disse na entrada?”
“Me perdoe, Marie. É por isso mesmo”, Guiliman responde, sem desviar a visão da rua à frente. “Preciso confirmar o que ele disse. Depois disso, juro que vou deixar vocês em um lugar seguro.”
A garota, Marie, relaxa e sorri. “Não tem problema”, ela diz e volta a se sentar no fundo da carroça.
Guiliman guia o veículo por várias ruas, tomando cuidado para não esbarrar em nada no seu caminho. Por favor, que eles estejam bem, ele roga internamente.
O rapaz só diminui seu ritmo ao avistar, ao fim de uma rua, um prédio de dois andares cuja placa na frente exibe um escudo com o símbolo dourado de um leão e uma cobra.
Ele para a carroça em frente ao prédio e se volta aqueles na parte traseira. “Aqui é a guarda. Não há perigo aqui. Mas se quiserem me aguardar, vou lá apenas para conferir uma informação e assim que possível, retorno”, ele fala com pressa, mas, ao mesmo tempo, querendo tranquilizar aquelas pessoas.
As pessoas sentadas trocam olhares rápidos e uma senhora gnoma, baixinha e de orelhas pontudas, se levanta. “Tudo bem, meu jovem. Nós vamos lhe aguardar. Vá ver se seus amigos estão bem”, diz ela e mostra uma expressão gentil.
Guiliman acena com a cabeça e diz, “Obrigado.” Em sequência, pula da carroça e corre em direção à entrada do prédio.
O jovem abre a porta de madeira do prédio abruptamente, o som alto da madeira batendo faz todos lá dentro olharem para a entrada alardeados.
Dos que estão no local, a maioria é de guardas trajados com uniformes de couro azul e algumas partes de armadura feitas de ferro. No meio deles, estão o humano e um anão, respectivamente Couby e Bofur. As roupas que usam estão rasgadas e sujas de lama.
Guiliman, ao avistá-los, instantaneamente sente toda a preocupação e o peso em suas costas desaparecer. Um grande sorriso fica estampado em seu rosto. Graças aos deuses! Obrigado, ele pensa, grato.
Um guarda mais próximo à porta, de feições mais velhas, se aproxima e coloca a mão sobre o ombro do jovem. “Pelo visto, boas notícias se espalham rápido também”, ele diz, fazendo uma piada e tão alegre quanto Guiliman.
Os outros guardas ao fundo soltam risadas, contagiados pela euforia do momento.
“Eu ouvi de um guarda na entrada”, diz o jovem herói, um pouco ofegante. “Tive que vir correndo ver.”
O jovem Couby se demonstra sem jeito. “Me contaram agora há pouco que você sumiu atrás da gente”, ele fala. Em sua voz e postura há um misto de felicidade e vergonha.
Até o rancoroso Bofur está contente naquele momento. “É bom ver que tanta gente se importa com esse velho anão e com o bosta do Couby”, ele comenta. “Mas você não deveria ter ido sozinho.”
“Eu vou concordar”, diz o guarda ao lado de Guiliman. “Devia ter nos avisado que iria atrás deles.”
“Me perdoe, Ran”, diz o jovem herói, se referindo ao guarda ao seu lado. “Não queria pôr mais de vocês em risco.” Ele abaixa a cabeça, se desculpando. “Além disso, também não queria atrapalhar a investigação de vocês dando uma pista que poderia ser falsa. Apesar de que, no final, ainda encontrei a base dos sequestradores.”
Ran se surpreende. “Encontrou um acampamento de bandidos?!”, ele pergunta.
“Encontrei outro sequestrador isolado. Ele era da mesma facção que estava fazendo sequestros na região, o intimidei um pouco e ele me falou onde eu poderia encontrar a base dele. No local, além dos bandidos, havia seis pessoas sequestradas”, Guiliman responde. “Os civis estão do lado de fora em uma carroça. Não estão feridos. E os criminosos que sobreviveram estão em outra carroça que deixei com o guarda no portão.”
“Incrível”, diz um dos guardas ao fundo.
“É por isso que te chamam de herói”, comenta o outro guarda.
Ran coloca a mão sobre o queijo e começa a pensar. “Vamos ter que fazer uma patrulha mais rígida, para garantir que não haja mais desses sequestradores por aqui”, ele pontua.
“Deixa isso para depois, capitão”, Bofur pede, cansado. “Mais do que ninguém, eu quero acabar com esses criminosos de uma figa, mas eu preciso de um tempo antes.”
“Tem razão”, Ran concorda. “Podemos aproveitar o momento um pouco. Vamos ter muito trabalho para depois.”
Bofur empurra com o pé uma cadeira na direção de Guiliman. “Isso vale para você também”, ele convida.
O jovem fica sem graça. “Bofur…eu não…”, ele começa pronto para recusar.
“Ran, peça logo para alguém ir cuidar das pessoas lá fora”, Bofur fala, interrompendo o rapaz.
Ran acena com a cabeça, então, sinaliza para um dos guardas que prontamente vai oferecer assistência às pessoas do lado de fora. E Guiliman, sem muitas opções, se senta na cadeira.
“Eu estava terminando de contar sobre como saímos de lá”, Bofur continua. “Não fosse por uma brincadeira dos deuses, você provavelmente teria nos encontrado nesse acampamento aí.”
Envergonhado, Couby arrasta sua cadeira até o lado de Guiliman. “Você se arriscou muito e eu acabei perdendo…”, ele diz, todo sem jeito.
O jovem guarda, comovido, acena com a cabeça. “Não irei me preocupar, mas vou te compensar de algum jeito”, ele diz. Ainda sim, algo nas palavras de seu amigo o deixa confuso. “Aliás, como você sabe que perdi o colar?”
Guiliman se demonstra brevemente receoso com aquela pergunta. “Eu… o vi com uma demonessa. Ela me disse que encontrou vocês”, ele admite.
O clima alegre na sala é momentaneamente substituído por uma atmosfera tensa. O olhar de Bofur fica franzido que o normal e Couby começa a ficar apreensivo. Ran, com uma expressão séria, faz um sinal para outro guarda que se retira do local. Os outros guardas começam a murmurar entre si.
“Por acaso, ela não teria cabelo rosa, teria?”, Bofur pergunta.
“Sim”, Guil responde. “E chifres vermelhos.”
Bofur se levanta da cadeira. “Ela fez algo com você?! Onde ela estava?!”, ele questiona, demonstrando preocupação e raiva. “Para onde ela foi?!”
“Se ele está aqui, então deve estar tudo bem”, Couby intervém. “Não precisa…”
“Se ela fez alguma coisa, eu preciso saber!”, o anão interrompe.
“Calma. Ela não fez nada comigo”, Guiliman responde, tranquilizando. “Muito pelo contrário, ela me ajudou se livrando de um dos bandidos e me avisando sobre vocês.”
Bofur, se acalma um pouco com a resposta. Couby também se alivia. O clima tenso começa aos poucos a se desfazer.
“Ela deve ter algo contra aqueles bandidos”, supõe um dos guardas.
“Vocês têm mais informações sobre ela?”, Guiliman pergunta. “Não tinha ouvido falar sobre outros demônios na região.”
Couby se aproxima do ouvido do jovem herói e sussurra, “Bofur está sentido porque a demônio ficou brincando com a nossa cara.”
“Brincando?”, Guiliman questiona, também em voz baixa.
“Aquela meretriz chifruda jogou alguma praga no Couby e ele ficou todo bobinho por ela”, o anão reclama.
“O que?”, o jovem herói pergunta perplexo. “Você está amaldiçoado?”
“Não. Me sinto… bem agora. Acho que ela me encantou com alguma magia”, Couby responde. “Mas ela não nos machucou.”
“Aquela succubus miserável…”, o anão pragueja. “Ficou de zombaria comigo. E no final, ainda fez um lanche do coitado do Couby e o mandou terminar o serviço sujo dela com os bandidos.”
“Espera. Succubus?”, o herói questiona, preocupado. “Quando você diz que ela lanchou… o que você quer dizer exatamente?”
“A gente acha que ela foi mais um pouco além com o Couby”, um guarda ao fundo comenta. “Mas o Bofur fala que só colocou a mão no rosto dele.”
“Ela não ousaria fazer nada diante de mim”, Bofur braveja.
“Eu não me lembro de ter feito nada desse tipo com ela”, Couby se explica. “Eu fiquei meio fraco depois. Foi tudo meio… confuso. Apesar de que ela era bem bonita.” Enquanto fala, uma ponta de admiração surge em seu olhar.
Embora Guiliman ache aquele olhar estranho, ele o reconhece como típico de seu amigo. “Menos mal”, diz ele, relaxado. “Eu espero.”
Pelo menos ele parece bem, ele pensa.
“Você não lutou com ela, lutou?”, Bofur pergunta, preocupado.
“Não. Havia civis por perto e ela não parecia agressiva. No final, deixei ela ir embora com algumas coisas que os bandidos roubaram.”
“Cuidado Guiliman. É assim que eles te matam”, Bofur adverte. “Apesar de que, nesse caso, não acho que nem você pudesse fazer algo.”
A postura receosa do anão deixa Guiliman cismado. “Por quê?”, ele questiona.
Ran volta com um pedaço de papel em mãos e o entrega para Guiliman. “Já tínhamos ouvido falar dela, mas pensamos que fosse outro”, ele diz. “Ela não era só um demônio.”
Guiliman olha para o papel e vê um desenho de Rubi e uma descrição que o deixa pasmo. “Um lorde demônio?!”, ele indaga, incrédulo.
“O demônio que atacou Gramina”, Ran continua. “A Lorde Demônio da Ganância.”
“Eu também duvidei”, Bofur comenta. “Mas os cartazes não mentem, ela era mesmo.”
“Eu vi como deixou os sequestradores. Eles não tiveram chance”, diz Couby, relembrando a cena com um olhar distante. “Com certeza ela não era um monstro normal.”
“Vocês três deram muita sorte”, Ran comenta, aliviado. “Encontraram uma criatura de categoria lendária e sobreviveram para contar a história.”
Ela estava brincando comigo?, Guiliman se questiona, ainda desacreditado. Pensei que fosse só mais um demônio arrogante. Talvez eu tenha arriscado demais.
“Ela está tramando alguma coisa”, o anão conjectura com um tom de amargor. “Todos os diabos são assim.”
“Pela rota que ela vem seguindo, ela está evitando as cidades e rumando cada vez mais ao noroeste”, Ran pontua, pensativo.
“O que vão fazer quanto a isso?”, o jovem herói pergunta, apreensivo. “Já tem algum plano?”
“A notícia chegou ontem. Por hora, a ordem é evitar qualquer lugar que não sejam as estradas”, o capitão responde. “Provavelmente, a guilda também vai restringir as missões por alguns dias também.”
Se fizerem isso, possivelmente irão adiar a incursão do Último do Oeste, o jovem supõe.
Guiliman se levanta da cadeira. “Eu gostaria de ficar mais tempo por aqui, mas vejo que preciso me retirar no momento”, ele diz, com sua expressão determinada. “Foi muito bom ver que estão bem.”
“Vai aonde?”, Couby pergunta. “Vai atrás da succubus?”
“Por hora, não”, ele responde. “Quero falar mais uma vez com os civis que resgatei. Depois vou até a Guilda passar as informações que obtive e ver como vão ser as coisas daqui em diante.” Ele se dirige à porta, mas antes de atravessá-la, ele para e volta sua atenção aos guardas. “Ran, ainda não sei muito bem da situação, mas já lhe adianto que o responsável pelos sequestros é um vampiro.”
“Eu sabia!”, Bofur exclama.
“Pelas informações que trouxeram, eles são de Ventir”, Ran comenta. “Provavelmente algum vampiro os compraria.”
“Ainda sim, por que um vampiro mandaria capangas do norte para tão longe?”, o couby questiona.
“Pelo visto, alguém que comandava essa gangue quis se aproveitar do caos aqui na região para caçar”, Guiliman fala. “Ele deve tentar montar algum covil por aqui.”
Depois disso, o jovem herói deixa o local. Vampiros, sequestradores e demônios. Esse país está muito conturbado nos últimos dias, ele pensa, suspirando profundamente, depois leva a mão até a lateral de sua cintura e passa a mão em uma sacola cheia de moedas. É melhor eu manter os olhos nela, quem sabe o que ela pode causar no meio desse caos.
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