Capítulo 41 - O Príncipe de Mael
Mais uma vez, a demônio de cabelo rosa é pega de surpresa pelas palavras de Byron. “Como assim?”, ela questiona. “A não ser pelo Mael, ele não foi tipo o maior diabo que existiu?”
Byron, angustiado, abaixa a cabeça. “Talvez ele tenha sido”, ele responde. “Mas isso teve um custo horrível.”
O silêncio da deserta colina reforça o sentimento carregado de amargura nas palavras de Byron.
“Foi há mais de mil anos. As lendas dizem que ele veio com o intuito de parar a ascensão dos daimons na época”, ele continua. “Por mais forte que ele fosse, não poderia fazer isso sozinho. Ele reuniu todos os diabos em nossa terra natal, o que foi uma das piores coisas que ele poderia ter feito.”
“Por quê?”
“Houve uma curta e difícil batalha contra os daimons, da qual saímos com a vitória e que ficou oculta dos mortais. Mas, por causa de nosso propósito, temos inimigos demais para que a movimentação de tantos demônios passe despercebida.”
“Foi batalha contra os mortais?”, a demônio pergunta. “Se ele só queria ganhar dos daimons, por que ele continuou lutando?”
“A união de tantos diabos chamou a atenção dos mortais. Com medo de serem atacados, eles atacaram primeiro. E o nosso orgulhoso príncipe revidou. Foi quando a nossa ruína começou…”
“Duas batalhas grandes assim. Deve ter sido problemático.”
Esse negócio de comprar toda briga que aparece sempre dá problema, Rubi pensa, descontente. Até na época do jogo, quem faz isso sempre afunda a equipe uma hora ou outra.
“Sim. Estavam fracos e, até então, nossa raça vivia pelas sombras. Sempre evitando conflitos diretos. Além de que, sempre houveram muito mais mortais do que diabos. Nessa batalha, os mortais, em especial os humanos, aprenderam e se adaptaram bastante sobre nós.”
Rubi se levanta com uma expressão indignada. “Mas não faz sentido. Isso foi uma decisão horrível”, ela afirma. “Por que os diabos aceitaram isso?! Já estavam quebrados da primeira batalha, não deviam ter entrado na segunda?”
“Talvez. Mas eles não tinham escolha.”
“Por quê?”
“Demônios não podem recusar uma ordem de alguém que saiba o nome deles. E o nosso príncipe sabia o nome de todos os diabos. Conhecia de cabeça o nome de cada um que estava vivo e de qualquer um que nasceu naquela época. E é perfeitamente plausível que ele saiba os nomes dos que estão vivos nos tempos atuais.”
Rubi se espanta. “Como isso é possível?!”, ela questiona em voz alta.
“Ninguém sabe ao certo. Alguns dizem que ele veio diretamente do Abismo e que o próprio Mael lhe contou. Outros que ele encontrou um livro onde Helo guardou os nomes de todos os diabos. Mas é um fato, ele sabia os nomes de todos que comandou.”
“Ele se colocou no topo dos diabos, não é?”
“É por isso que nós o chamamos de senhor e não de rei. Alguns diabos mais velhos ainda o chamaram de príncipe, mas não ousaram chamá-lo de rei.”
“Então, só quando ele morreu de verdade, os diabos puderam parar a guerra.”
“Sim, mas ainda houve sequelas que até nos afetam. E são o principal motivo dos diabos quererem o seu retorno.”
“Quais sequelas?”
“A maior parte dos diabos poderosos morreu junto ao Príncipe. E depois que os mortais se adaptaram, os diabos começaram a morrer permanentemente com mais frequência.”
“Calma. Como assim permanentemente?”, Rubi questiona.
Tem muita informação, ela pensa, angustiada com o turbilhão de ideias que Byron conta.
O diabo volta a olhar para a demônio, perplexo. “De onde você vem, os demônios são totalmente imortais?”, ele questiona.
Rubi para por um momento para refletir. De onde eu vim ,não tinha demônios de verdade. Eu acho. Só que…, ela analisa. Parando para pensar, os personagens do jogo eram imortais. Não importava quantas vezes um jogador morresse, ele renascia. Na pior das hipóteses, havia uma penalidade de nível e itens. Mas o que isso quer dizer nesse mundo?
“Do meu mundo, eu nunca vi um demônio morrer em definitivo”, ela responde.
No máximo se o jogador parasse de jogar, ela completa.
Byron fica impressionado. “Talvez o seu mundo nunca tenha tido um líder tão ruim como o nosso”, ele comenta. “Nesse mundo, nossa verdadeira forma é o espírito, e o corpo é só um reflexo dele. É ele que nos ancora aqui, e a morte permanente só ocorre quando o espírito é ferido a ponto de não poder mais permanecer neste mundo. Enquanto o espírito estiver intacto, sempre voltaremos, seja reconstruindo nosso corpo ou sendo invocados por outros.”
Foi isso que a Arielle quis dizer com corruptor corpóreo, Rubi relembra.
“Derrotar um demônio era, na maioria das vezes, algo temporário. Quanto mais forte o espírito, menos tempo leva para ele reconstruir o corpo. Dizem que os Lordes Demônios de antigamente levavam apenas alguns meses para retornar, os diabos comuns levavam um ano ou dois.”
“Prata branca é o tipo de coisa que machuca o espírito?”, ela pergunta.
Byron desvia o olhar, fecha o punho da mão e bate de leve na lateral do toco onde senta. “Antigamente, não era tão comum ter o espírito ferido a ponto da morte permanente ocorrer”, ele diz com desgosto. “Era sabido que apenas magia divina e aço santo podiam matar o espírito de um demônio fraco. Mas, por causa da guerra, os humanos se adaptaram muito bem a lutar conosco.”
Pelo que ele está falando…, Rubi analisa.
“Descobriram que versões menos trabalhadas de aço santo, como a prata branca, podiam ferir nosso espírito também. É claro que isso varia de demônio para demônio. Mesmo ferido, um espírito pode se recuperar e voltar à vida, mas demora mais tempo. Mas, na maioria dos casos, isso significa morte.”
“O Senhor do Abismo podia voltar mesmo quando ferido por essas coisas?”
“Contanto que as coroas existissem, não levava mais do que uma semana para que ele retornasse. Independente do modo. Mas nós, que não somos ele, não temos essa sorte. E isso gerou um efeito pior ainda.”
“Como pode ser pior que isso?”
“É um fato que os diabos de antigamente eram muito mais fortes que os atuais. Depois da guerra, o número de diabos poderosos caiu muito, o posto mais alto que sobreviveu foi o de comandante. Por conta disso, as gerações seguintes ficaram cada vez mais fracas e nunca se reergueram, e a cada geração, os mortais estavam mais e mais adaptados.”
“Mas se o Senhor do Abismo foi tão ruim assim, por que os diabos querem trazê-lo de volta?”
O ar melancólico e angustiado de Byron aumenta. “Os diabos estão com medo de morrer”, ele responde. “Nunca conseguimos nos reerguer e, nas gerações atuais, até ferro comum é capaz de causar a morte permanente. Infelizmente, para eles, trazer o Senhor do Abismo seria uma garantia de poder continuar vivendo.”
“Por até ser. Só que eles também estariam sob controle dele, assim como no passado. E isso não pareceu uma boa coisa.”
“A maioria dos diabos quer viver. Quem pode culpá-los por isso?”, Byron questiona, retoricamente. “E eu concordo com você. Ressuscitá-lo, seria o mesmo que dar o próprio nome nas mãos deles. Algo que eu jamais aceitaria. Por isso, não fui para o leste.”
Rubi arregala os olhos, tendo uma epifania, enquanto observa para aquele demônio amargurado sentado diante dela. Ele compreende o significado dos troncos cortados ao redor da entrada, e os adornos nas árvores ao fundo. “Isso aqui não é o seu covil”, ela afirma, espantada com aquilo. “É a sua tumba. É onde você veio morrer.”
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.