Capítulo 44 - Entrada
Em uma região de árvores altas, com troncos robustos e raízes que se projetam pelo solo, Rubi e Byron avançam cuidadosamente pelo terreno irregular, coberto de vegetação rasteira e arbustos que chegam à altura de sua cintura.
O sol da manhã os ilumina, filtrado pelas copas das árvores. Ao olhar para trás, ainda se pode ver os prados verdes, livres das grandes árvores que agora os cercam. À frente, a floresta se adensa, com troncos cada vez maiores e a luz diminuindo.
“Quando eu ouvi que era uma floresta grande, não imaginei que fosse começar assim”, Rubi pontua, pulando entre raízes.
“Esse lugar inteiro é um desafio. Das bordas até o meio”, Byron comenta, guiando o caminho. “E a dificuldade só aumenta quanto mais ao norte seguirmos.”
Em algum ponto, enquanto seguem em frente, Rubi fecha os olhos e para de andar. “Byron, tem monstros nesse caminho”, ela alerta.
O diabo também para de andar, olha para Rubi e a vê fazendo uma expressão de repulsa. “Viu algo com a sua magia?”, ele questiona.
“Ratos”, ela responde, ainda de olhos fechados.
“Ratos?”
A demônio abre os olhos. “Vários ratos”, ela fala. “Do tamanho de homens e bem peludos.”
“A diante deve ter uma ninhada”, o diabo supõe, com a mão no queixo, pensativo.
“Se seguirmos no mesmo ritmo, daqui a uma meia-hora devemos encontrar com eles.”
“Se eles estão tão na borda assim, não devem ser perigosos. O problema daqui são os números.”
Rubi se sente em uma raiz. “Vamos mudar o caminho ou prefere enfrentá-los?”, ela questiona.
“Sob condições normais, eu escolheria enfrentá-los”, Byron responde. “Porém, sinto que não vale a pena. Temos um longo caminho à frente, qualquer batalha que pudermos evitar vai nos economizar tempo.”
“Sem problemas. Vamos mais um pouco para a esquerda, devemos evitar eles assim.”
“E também, nunca se sabe quando uma incursão de monstros pode surgir por aqui”, Byron alerta. “Não que eu pense que teríamos dificuldades, mas ainda seria tempo e recursos sendo desperdiçados.”
Uma pena, talvez eles dropassem algo útil, Rubi lamenta. Mas é melhor assim. Não tenho tantas poções pra ficar gastando.
Antes de seguirem, Rubi ergue uma mão, apontando-a na direção de um galho no alto de uma árvore. “Sentinela Cinzento”, ela exclama e, da ponta de seus dedos, um corvo cinza é formado com magia. Ele voa da ponta de seus dedos e pousa, no galho onde a demônio aponta.
Byron observa a conjuração com uma curiosidade genuína em seus olhos. “Outra magia de rastreamento?”, ele questiona, atento ao corvo.
“Mais ou menos. É uma sentinela”, a demônio responde. “Se aparecer algum monstro grande, ou um orc por aqui, ele vai me alertar e depois segui-lo.”
O diabo vai até embaixo da árvore onde o corvo está empoleirado e o admira, com brilho nos olhos. “Isso vai nos ajudar muito”, ele fala, sem tirar os olhos do animal conjurado.
Rubi reage esboçando um sorriso confiante. “Posso não saber tanto das coisas como você, mas rastreamento e sobrevivência ainda são o meu forte”, ela afirma, e novamente ergue a mão, mas dessa vez em um rumo diferente. “E já que vamos mudar de rota…”
A demônio se concentra, olhando bem adiante na floresta. “Corvo buscador”, ela pronuncia. E um corvo negro se forma e parte voando na direção onde a demônio aponta.
Byron contempla quieto o voo do pássaro, até ele desaparecer entre as árvores na escuridão da floresta.
Acho que ele gosta de magia, Rubi supõe, vendo a animosidade dele. Será que eu consigo ensinar algo pra ele? Ela divaga sobre isso, enquanto partem daquele local, agora em um rumo diferente, seguindo o caminho do corvo.
O progresso, com vegetação mais volumosa, torna-se um pouco mais lento. Byron segue à frente, abrindo caminho por entre os arbustos e raízes, enquanto Rubi permanece alerta, dividindo sua atenção entre os sinais de sua magia e a retaguarda.
Em determinado momento, Byron escala uma raiz grossa, mas, de repente, ela se enrola ao redor de sua perna, apertando-a com força. A surpresa paralisa ambos os diabos por um instante. Antes que possam reagir, a raiz se contrai e puxa Byron violentamente em direção à árvore próxima, que começa a sacudir como se estivesse viva.
Em uma fração de segundo, a árvore que prende Byron começa a se levantar. As raízes mais profundas se levantam como pés, enquanto as menores se enrolam junto aos galhos como se fossem mãos. Pedaços de madeira velha e folhas se desprendem e caem ao chão.
Rubi saca seu arco e encara aquela aberração com uma expressão confusa. “Que monstro é esse?!”, ela questiona, gritando. “Por que o corvo não detectou ele?!”
Chamas surgem ao redor de Byron, e ele assume sua grande forma alada. O fogo queima parte das raízes que envolvem sua perna, enfraquecendo-as. Com o chute de sua perna livre e um bater de asas poderoso, ele se liberta e se posiciona entre Rubi e a árvore. “É um Ente selvagem”, ele responde, com firmeza, junto à sua voz grave reverberante. “Ele é indistinguível de uma árvore até ele começar a se mexer.”
Não gosto dessas coisas invisíveis. Mas pelo menos vou poder ver um pouco do Byron em ação, Rubi pensa, já mirando e disparando uma flecha laranja contra o Ente. Ela passa entre as raízes e os galhos se mexendo e o acerta no tronco principal, arrancando uma grande quantidade de madeira.
A criatura mais agitada avança contra o diabo em passos pesados e desfere, com um de seus braços, o equivalente a um soco. Mas o grande diabo segura o punho da criatura com uma mão e não a solta. Fumaça começa a sair do pedaço de madeira onde o diabo toca.
Ele é forte!, Rubi constata, impressionada com o demônio.
Byron fecha o punho de sua mão livre e dá um soco no tronco principal do Ente. Um golpe tão forte que faz a região onde ele acerta rachar e se carbonizar instantaneamente.
A árvore chacoalha suas raízes, espalhando-as e fazendo-as se mover como vários chicotes ao seu redor. A área do ataque vai até mesmo onde está a demônio de cabelo rosa. As raízes velozes dilaceram com facilidade os galhos e rochas onde acertam.
Rubi esquiva com um pulo para trás, mas Byron, muito próximo do monstro, é acertado nos braços e nas pernas. Cortes se abrem em sua pele, e o demônio sangra, porém, não aparenta fraquejar.
Acho que eu já enrolei demais. Tomara que aquilo já tenha sido um golpe de desespero dele, Rubi roga, olhando os ferimentos de seu parceiro.
A demônio cria uma flecha e se concentra brevemente, mirando para cima. A cor da magia laranja muda para vermelho. “Torrente vermelha!”, ela pronuncia e atira.
Sua flecha se divide em um círculo de flechas menores e faz uma trajetória de arco, passando por cima de Byron e acertando o Ente no tronco e em alguns de seus vários braços. A madeira é rompida e grandes pedaços da criatura caem ao chão, deixando o Ente, já fragilizado, bem desgalhado.
O movimento agitado da árvore cessa, criando uma brecha que Byron percebe de imediato. Ele salta, ganhando altura e velocidade, e desfere mais um soco.
O Ente, abalado, não resiste ao poderoso punho do diabo e se quebra ao meio. Tal qual uma árvore comum, ele tomba ao chão, emitindo um grande barulho abafado e poderoso, que treme o chão.
Rubi, preocupada, corre até o diabo. “Você está bem?”, ela pergunta.
Byron se cobre em chamas e retorna à sua forma humanoide. E, mesmo nessa forma, suas feridas ainda se mantêm. “Estou sim”, ele responde, calmo. “Apesar de serem envolvidas em mana, aquelas vinhas não eram tão fortes assim.”
A demônio solta um suspiro de alívio. “Quer uma poção?”, ela oferece, já abrindo a mochila.
Byron ergue a mão, indicando que pare. “Não é necessário”, ele insiste. “Esses ferimentos vão se curar logo. Melhor não desperdiçar recursos agora.”
“Se você acha melhor…”, ela concorda, ainda hesitante. “Só não se esforce muito.”
Byron mostra confiança. “Fico grato pela preocupação. Precisa de mais do que alguns arranhões para me derrubar”, ele afirma com convicção. “Mas eu recomendo que recuemos agora. Talvez o som de nossa batalha atraia monstros.”
Rubi acena com a cabeça, e os dois seguem em frente, ainda na direção indicada pelo corvo. Enquanto correm, a demônio começa a sentir algo estranho ao redor, uma sensação de caminhar dentro da água, porém bem mais sutil.
Só quando já estão a uma boa distância do local, eles diminuem o ritmo e voltam a caminhar normalmente.
Rubi, ainda desconfortável, ergue e abaixa a mão esquerda no ar repetidas vezes, como se estivesse medindo ou testando algo invisível próximo a ela.
Byron percebe, pela expressão distraída dela, que alguma coisa está errada. “Algum problema?”, ele pergunta, preocupado.
“Não está sentindo isso?”, ela questiona, balançando os dedos. “O ar aqui parece mais pesado.”
Byron também ergue uma de suas mãos e começa a abrir e fechar os dedos rapidamente. “Deve ser por causa da região em que estamos”, ele responde. “Nas Terras Livres, há muitos locais com magia espiritual. Normalmente, o poder demoníaco ganha de espiritual, mas em uma região assim, algumas das nossas habilidades enfraquecem.”
Deve ser por isso que demônios vão pra esse país, Rubi deduz, desanimada. E foi logo pra onde a sortuda aqui quis vir.
“Provavelmente, é por isso que havia um Ente naquele local. Peço perdão por não perceber antes”, Byron comenta, abaixando a cabeça . “Eu nem percebi até o seu comentário.”
“Não tem problema. Acho que não tinha como perceber. Só comecei a sentir depois que conjurei as magias.”
O diabo reflete sobre aquilo por alguns instantes. “Possivelmente é a sua regeneração de mana que foi afetada”, diz ele, supondo.
Rubi sente um calafrio, perante aquela constatação. Isso sim é um problema, ela analisa. Arrumar muitas brigas por aqui pode ser arriscado.
“Estou entendendo o motivo de esse lugar ser considerado perigoso. Com coisas assim de todos os lados, como os orcs vivem nesse lugar?”
“Dentre os povos que vivem por aqui, os orcs estão entre os que melhor se adaptaram. Eles não têm tribos muito grandes, e as que vivem no centro, próximo à região das ruínas da capital, são consideravelmente mais fortes.”
“O bastante para lidar com tantos monstros?”
“Eles vivem por aqui há séculos. Podem não ser os mortais mais espertos nem os mais fortes, mas, eles têm noção de quando as áreas têm mais ou menos monstros. Eles ficam em constante mudança e caçando.”
“Parece uma vida bem difícil. Por que eles vivem assim? Se eles gostam de floresta, devem ter outras mais pacíficas.”
“Eu concordo. Mas os orcs têm um desejo muito grande por conquista. Dizem que fazem isso para tentar manter viva a lenda do Rei Orc. Às vezes, eles conseguem reunir muitos orcs e limpam os monstros na capital. Tentam reformar o que conseguem, mas depois de algumas semanas os monstros voltam e a capital fica novamente destruída.”
“Tem que se conhecer bem esse lugar para fazer essas coisas.”
“Os orcs são esforçados. Dê a eles algumas pedras, e eles fazem um muro. Dê a eles couro e eles fazem armadura. Dê a eles madeira e eles fazem uma espada. Dê a eles um rei… e eles fazem uma nação.”
“E é por isso que vamos precisar de um”, Rubi afirma.
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