Capítulo 46 - Confronto
Dentro da floresta escura e quieta, os orcs trocam expressões franzidas, mostrando-se visivelmente descontentes com a presença do outro. Aquele com a clava erguida, respira pesado com a boca parcialmente aberta, deixando sua presa quebrada evidente. Enquanto o outro, ferido, segura seu machado e mantém sua posição, protegendo a carne que escorre sangue atrás dele, tal qual um cavaleiro protegendo um tesouro.
“Essa terra da floresta é de Estoratora!”, brada o orc com clava e com sua voz rasgada.
“A terra perto do rio ainda não é de ninguém”, o outro retruca, com o mesmo tom de desprezo, porém sem gritar.
O orc com a presa quebrada, sentindo-se desacatado, fica mais irritado. Seus músculos tremem e ele ativamente rosna, de modo que se assemelha a um animal. “As garras-brancas nascem na terra de Estoratora, se elas estão aqui, aqui é terra de Estoratora!”
“Meu povo não tem culpa se Estoratora não caçar na terra dele e elas fogem. E se ninguém caça elas, elas caçam meu povo.”
Aquele com a clava, leva o braço que segura a arma para a esquerda e golpeia uma árvore. O tronco é rasgado e trincado com o impacto. O som do golpe seco ecoa como um desafio.
O orc com machado franze ainda mais seu olhar, aumenta a força com que segura a arma e solta uma baforada longa e pesada que expressa todo o desdém que sente. “Se continuar fazendo barulho alto assim, vai atrair animais mais garras-brancas”, alerta ele, zangado.
O outro, animando-se ao ver o descontentamento daquele com o machado, libera uma risada larga e espaçada, quase tossindo.
“Já que Estoratora é tão forte, por que ele não caça as garras-brancas na terra dele?”, questiona o orc ferido, com raiva.
Aquele com a clava, por conta da afronta, volta a rosnar por um momento, mas logo retorna a sorrir com um olhar malicioso. “Se você diz, talvez eu deva avisar pra Estoratora que as garras-brancas vieram bem, bem longe. E que vocês cruzaram o rio e estão caçando as presas dele”, ele diz, soando ameaçador. “Quem sabe…”
O orc com o machado recua em sua postura, a firmeza em suas mãos fortes que seguram sua arma é reduzida, pela primeira vez, mostra-se de alguma forma intimidado.
“Quem sabe Estoratora não vem para resolver problema. Talvez ele tenha que ir até sua terrinha para caçar”, o orc com clava continua em sua ameaça. “Quem sabe ele não trás pra essa terra… o dragão?”
O outro orc se enche de contrariedade, suas mãos tremem, não com medo, mas como se algo dentro dele estivesse prestes a rugir. Porém, ele segura esse sentimento, respira fundo e libera um ar pesado, aliviando-se um pouco. “Não. Garras-brancas não estão na minha terra. Estoratora não precisa ir lá”, diz ele, relutante. “Eu aviso os meus para não cruzarem mais o rio.”
Novamente, o orc com a presa quebrada solta sua risada semelhante a um tossindo. “Bom, bom”, ele fala alegre. “Vocês têm que saber onde é seu lugar.” Ele aponta a sua clava para o chão enquanto fala.
O outro, segura sua arma com força, seu pé direito chega a levantar, porém logo se abaixa, quase fazendo menção a reagir, mas não faz nada, apenas observa o outro rir e se vangloriar.
“E, além disso, vou levar essa garra-branca atrás de você”, declara aquele com a presa quebrada, indicando a ave pendurada atrás do orc com machado.
“O que?”
“Terra de Estoratora. Presa de Estoratora. Então, a carne é de Estoratora”, responde o orc com clava, em uma lógica debochada.
Aquela insinuação, repleta de desconsideração, atormenta o outro orc muito mais do que qualquer ferimento que ele possua. Instantaneamente, ele se enfurece e bufa de raiva. “Estoratora não vai levar mais nada de mim”, ele afirma, com rancor. “A carne é minha. Ela comeu um dos meus. Eu cacei. Eu matei. Eu conquistei!”
O orc com clava devolve a bufada, em um misto de empolgação e raiva. “Talvez eu deva conquistar ela de você”, ele diz, e em seguida, volta a bater seu machado em um tronco de árvore, provocando seu adversário.
Em resposta, o orc ferido bate seu machado no chão com força no chão. O impacto emite um barulho abafado e ergue terra e folhas.
Os dois se olham, agarram suas armas com as mãos e avançam, correndo um na direção do outro.
Quando se aproximam, as armas se batem com força. A lâmina do machado se encaixa entre os pedaços de ferro retorcidos da clava. Os orcs se encontram em uma batalha de força, onde um tenta empurrar a arma ao outro, e mesmo com um deles ferido, se encontram em um empate.
Eles recuam as armas para atacar novamente. O orc com machado faz um golpe longo, balançando o corpo pela lateral, o outro defende-se, soltando uma das mãos da clava e defletindo o golpe de seu oponente com um movimento ascendente veloz. As armas se repelem e o orc com a clava, joga seu corpo contra o ferido, fazendo-o perder o equilíbrio.
Vendo a chance bater à porta, ele golpeia com a clava em um dos ferimentos da barriga do orc. O impacto é brutal, faz o orc gemer de cor, cuspir sangue e ser empurrado para trás. Quando a arma afasta o alvo, os metais retorcidos pioram ainda mais o ferimento, dilacerando o lugar por onde passam. Deixando aquela região em carne vermelha viva.
O orc, ofegante e sentindo muita dor, leva sua mão esquerda até a ferida, e lá faz pressão. Ele faz isso sem saber se precisa apenas reter o sangramento ou tem que impedir suas entranhas de escaparem de seu corpo. Ele não olha para o ferimento pois seu olhar está fixado no oponente. Sua visão, já turva, mostra o outro orc com um sorriso, como se a vitória já estivesse garantida.
“Você não é mais forte que a tribo do Estoratora”, declara, confiante, o presa quebrada.
Ignorando as palavras de seu aniversário e a dor que sente, o ferido pula, gira seu corpo e ataca de cima para baixo usando apenas uma mão. O outro, seguro de que quem o ataca é apenas um peso morto, bloqueia a machadada com sua clava usando apenas uma mão.
Entretanto, o machado acerta a clava com tanta força que penetra a madeira e lá fica preso. Pela falta de firmeza na mão, o orc de presa quebrada solta sua arma, agora tomada pela lâmina de seu algoz.
Sem perder tempo, o orc ferido ataca o desarmado, batendo nele com sua própria clava de madeira presa. O outro protege usando seus braços, cruzando-os na frente de seu corpo, mas o impacto é forte, e ele não consegue segurar o golpe de mãos nuas. O braço que sofre o golpe, emite um estalo seco, as pontas de metal laceram sua certa e o orc grita com dor.
O orc armado não para, continua batendo de novo, de novo e de novo. Sem saber o que fazer, o indefeso tenta inutilmente se defender com os braços, mas não consegue fazer muito, além de apenas sentir e ouvir seus ossos quebrarem e ver sua carne rasgar. Em algum ponto, aquilo deixa de ser uma luta e se torna um espancamento unilateral.
Quando o orc de presa quebrada cede e cai no chão, semiconsciente, com o que restou de seus braços abertos e lutando para respirar, o Orc armado para de bater. Ele abaixa o machado com a clava, posiciona seu pé sobre o cabo de madeira e, com algum esforço, desencadeia as duas armas.
Ele circula o corpo inerte, parando diante da cabeça ensanguentada, que agora mal se move entre gemidos fracos. “Eu não preciso ser mais forte que a sua tribo”, ele fala, encarando os olhos cansados do outro orc, enquanto ergue seu machado. “Só preciso ser mais forte que você.” E ataca com sua arma uma última vez, partindo no meio aquela cabeça.
Enquanto isso, em uma árvore próxima, um corvo cinza pousado entre galhos, observa aquele intenso combate. Quando o orc caído tem sua cabeça partida, o corvo simplesmente desaparece sem deixar traços.
Ao mesmo tempo, longe dali, em outro trecho da floresta sombria, Rubi e Byron caminham com calma pela vegetação. Onde, o demônio de pele vermelha vai à frente cortando galhos e folhas com uma das mãos incandescentes, abrindo a trilha por onde passam e a demônio de cabelo rosa o segue.
Subitamente, um calafrio atinge Rubi e a mesma para de andar. Ela olha para a esquerda com uma expressão confusa e atormentada.
Byron olha para trás e logo percebe que algo errado está acontecendo. “Algum problema?”, ele pergunta, preocupado.
“Acho que… mataram o nosso orc”, Rubi responde, aflita.
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