Capítulo 62 - Na trilha
Byron e Brok perambulam por aquele trecho com árvores altas, espaçadas e com troncos envoltos em um musgo verde. Eles avançam pela floresta com cautela, em passos medidos.
No chão úmido e macio, entre galhos e folhas secas, marcas de cascos curvos afundam na terra, alinhadas em uma trilha que se estende tanto à frente quanto atrás dos dois.
O orc caminha na frente com o machado em mãos, seus sentidos atentos aos sinais da mata ao redor, enquanto o diabo, atrás dele, o segue com as mãos nas costas, em uma postura firme e reservada.
“Aquele animal percorreu um longo trajeto antes de nos encontrar”, comenta o diabo.
“Uhum”, confirma o orc com um murmúrio. “Eles andam muito… e correm mais do que parece. Se ele fugiu de um ataque… só ia parar quando estivesse muito longe ou se… sentisse ameaçado por alguém no caminho.”
“Foi por isso que parou na nossa frente, não é?”
“Ele deve ter nos percebido pelo cheiro… e foi tentar nos intimidar ao invés de continuar fugindo.”
O diabo solta uma risada contida. “Ele deveria ter continuado com a fuga”, ela diz, confiante. “Talvez assim, ele ainda estaria vivo.”
O orc segue olhando para o caminho adiante, sem desviar a atenção da trilha enquanto conversa. “Para mim, não foi uma decisão tão ruim… Eu ouvi os sons dele na floresta”, ele diz. “Se ele não tivesse vindo, eu teria ido atrás dele para verificar.”
“Isso é verdade”, ele admite, concordando.
“A Ru… hummm”, o orc começa a falar, porém para, repensando na escolha de palavras. “A lorde também ouviu. E no caso dela, seria pior ainda tentar correr para longe dela.”
Byron fica pensativo. “Há muitos pontos a se considerar por aqui”, ele conclui.
“Sim. E também… da visão do Javali, o nosso grupo não era uma ameaça”, o orc continua. “E por mais poderosa que a lorde seja… a aparência dela não passa medo o bastante. O mesmo para você nessa forma, mas você, pelo menos… ainda é alto e pode se transformar.”
“Essa é a intenção. Isso é algo que deixa alguém como ela ainda mais letal”, alerta Byron. “É uma estratégia dos diabos.”
“Se, ao invés de vocês, eu estivesse acompanhado de outros dois orcs… teríamos fugido do javali naquela hora. Mas se encontrássemos vocês dois no lugar… teríamos atacado”, O orc fala, abaixado, sem olhar para trás, limpando as folhas à frente e analisando a direção da trilha.
“Vocês não teriam chance”, o demônio responde, em tom sério e uma expressão fria, esperando pelo orc. “E, dependendo do humor da senhorita Rubi, não sobraria ninguém para contar a história.”
“…Sim. É assim que fazemos as coisas aqui”, diz Brok, sereno. Ele se levanta e retoma o caminho. “Até os animais atacam o que não é ameaçador aos olhos deles. Não há muito tempo para pensar, é só… instinto.”
O diabo volta a andar, seguindo Brok. “Reconheço o valor no estilo de vida corajoso dos orcs. Mas acredito que, a esse ponto, você já percebeu as vantagens de acrescentar um pouco mais de estratégia junto dos seus instintos. Afinal, você é o campeão dela”, ele ressalta, com um sorriso leve na boca.
O orc não responde com palavras, apenas confirma acenando com a cabeça.
Não vou desperdiçar o poder que ela me deu, Brok pensa, ajeitando o machado em mãos.
Eles avançam mata adentro, os sons da floresta preenchem o silêncio pragmático que circula entre eles.
Em um certo ponto, a brisa que flui entre as árvores bate da direção oposta à qual eles seguem. O vento chega, trazendo consigo um cheiro forte e ferroso misturado ao cheiro do musgo. Os dois param quase ao mesmo tempo, trocando um olhar rápido de alerta.
“Sentiu isso?”, pergunta o orc.
“Sim. Posso não estar habituado ao rastreamento como vocês, mas eu consigo sentir o cheiro de sangue no ar.”
Os dois permanecem atentos e avançam em direção ao cheiro. Passando entre os troncos como sombras, seus passos calculados para evitar galhos e folhas que possam denunciar sua aproximação, enquanto ficam vigilantes a qualquer movimento ou som que os revele.
À frente, o cheiro de sangue e carne se torna ainda mais intenso. A floresta ainda permanece calma, sem sons de briga ou confronto, mas o orc e o diabo não baixam a guarda e seguem pelas sombras.
Brok vê a trilha que segue indo na mesma direção de onde vem o cheiro, enquanto Byron avista, atrás de uma moita, a parte de cima de um javali. Seu pelo marrom seco está coberto de moscas que zumbem sobre o sangue coagulado.
Ele joga um olhar firme a Brok e acena naquela direção. O orc responde assentindo silenciosamente e o diabo lentamente se aproxima ainda mais.
O diabo consegue ver que adiante, entre árvores trincas e cortadas, estão outros dois javalis caídos no chão de terra revirada. Os corpos apresentam cortes profundos e irregulares nas laterais, deixando partes das entranhas e dos ossos expostos em meio a pedaços de carne espalhados pelos arredores.
Logo, Byron percebe que os únicos vivos naquele lugar, além dele mesmo e de Brok, são os insetos que estão sobre os animais.
O diabo, mantendo sua postura firme, emerge das sombras e caminha até os corpos. O orc, em sequência, segue-o, erguendo-se de um arbusto.
“Uma luta feia se desenrolou aqui”, Byron comenta, analisando um dos animais.
“Esses animais lutam correndo e tentando enfiar as presas em nós”, o orc explica. “Não é… uma batalha calma. Ainda mais se forem muitos. Eles podem até derrubar árvores.”
“Agora compreendo o motivo de preferir evitar uma luta direta contra eles.”
O diabo nota que as presas longas e afiadas do animal em sua frente estão ausentes, restando apenas as bases cortadas e irregulares. Com um olhar rápido nos outros corpos, confirma que todos os outros estão da mesma forma.
Ele franze o cenho, intrigado. “Interessante…”, diz o diabo. “Mas por que apenas as presas?”
O orc solta uma respiração pesada, analisando um dos troncos lascados. “Eles não querem a carne”, ele comenta. “Só querem reduzir os bandos. As presas… são fáceis de carregar e úteis para fazer armas.”
“Conhecimento sobre a floresta e os ferimentos nas laterais batem com o que você disse antes.” Byron passa os olhos pela cena mais uma vez. “Creio que não seria errado presumir que isso é serviço de outra tribo orc, não é?”
Brok confirma com um aceno breve.
“Se eles objetivam reduzir os bandos, acha que irão atrás daquele que fugiu?”
“Não”, o orc responde. “Eles só querem se livrar dos grupos grandes. Se um ou outro fugir, o bando já não é grande problema.”
“Então, provavelmente foram atrás de outro grupo ou retornaram para a base deles”, o diabo deduz. “Quantos orcs seriam necessários para dar conta desses três aqui?”
O orc olha para os animais caídos, pensando. “Precisaria de… uns cinco ou seis para lutar contra tantos”, diz o orc.
“Deve haver indícios de para onde foi um grupo tão grande.”
Os dois começam a vasculhar os arredores, examinando cuidadosamente entre moitas e troncos caídos. Seus olhares atentos buscam por rastros ou qualquer sinal da direção tomada.
Após alguns minutos de procura, Brok chama Byron até um ponto, a alguns metros dos corpos. Ele aponta para o chão, onde revela uma trilha marcada por vários pares de pegadas humanoides.
Um sorriso satisfeito e empolgado surge no rosto do diabo. “Pelo visto, ainda temos algum trabalho para fazer”, diz ele.
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