Capítulo 68 - A outra refeição
O sol da tarde tinge a floresta de laranja enquanto ruma ao fim do dia. A voz dos pássaros cantando aos poucos diminui junto da temperatura que começa a cair, trazendo um clima mais ameno à floresta.
Brok e Rubi estão sentados sobre um tronco caído com a fogueira a alguns metros de distância. Ao redor das chamas, galhos com pedaços de carne assam lentamente. Os mais dourados estão afastados, enquanto os mais crus ficam próximos das chamas.
A succubus, agora de pupilas amareladas, está sem o casaco, que está pendurado em uma árvore próxima. Seu arco e sua rapieira repousam ao lado do tronco, junto do machado e da sacola do orc.
Os dois seguram espetos com pedaços de carne assada e comem, acompanhados pelos sons da fogueira e da floresta.
“Você disse que era forte…”, diz Rubi, ao engolir mais um pedaço. “Mas é mais suave do que eu pensei.”
Brok encara o pedaço de carne que ele segura com as sobrancelhas franzidas. “Há algo diferente…”, ele comenta. “Não está tão forte como de costume. E também… está mais mole.”
A succubus olha para o corpo do javali afastado à esquerda. Ele está pendurado em um galho de árvore, sem a carne das pernas e de algumas partes das costelas. Alguns detalhes estranhos chamam sua atenção.
Mesmo estando morto há várias horas, quase não tem moscas voando ali, ela reflete. E também, o cheiro dele não está muito pior do que quando estava vivo.
“Talvez seja culpa minha”, diz Rubi, observando o javali com um olhar pensativo.
“Por quê?”
“Como eu drenei a força vital dele, a carne deve ter ficado assim.”
Brok encara a carcaça por alguns segundos, depois olha para o pedaço de carne em sua mão. Por fim, dá uma mordida e mastiga devagar. “Não… está… ruim”, ele diz, falando com a boca cheia antes de engolir. “Só não está como devia ser.”
Por falar nisso, Rubi relembra, esboçando leve semblante de desconforto.
Ela olha para trás, mirando em um espaço entre as árvores onde está o corpo verde pálido de Olhotorto, com as costas escoradas em um tronco, os braços moles para os lados e a cabeça abaixada.
“Tudo certo para você deixá-lo ali mesmo?”, ela pergunta.
“Quer terminar de comer o que sobrou dele?”
“Não!”, a succubus responde, com repúdio. “Eu quis dizer… não devíamos, sei lá, enterrá-lo? O que a sua tribo faz com os mortos?”
Brok continua devorando sua carne, sem sequer olhar para o velho guerreiro. “A floresta dá um jeito”, ele responde, com uma firmeza tranquila. “Na minha tribo, se alguém morre, deixamos onde está. A não ser que… o corpo atrapalhe ou esteja no meio da aldeia. Aí movemos ele.”
Rubi desvia o olhar para o chão, pensando. Isso é… prático e bem a cara dele, ela reflete, observando o orc mastigar com calma. Mas ainda me incomoda deixá-lo ali. No fim… talvez seja melhor ignorar. Daqui a pouco, já devemos partir.
Ela volta a provar da carne, mordendo com firmeza. Mas, enquanto mastiga, a pergunta de Brok continua ecoando em sua mente.
O pior seria provar e descobrir que o gosto dele seria tão bom quanto a energia que ele tinha, ela reflete, enquanto disfarça o olhar de canto para o orc. Na hora eu me contive por respeito e tal, mas nossa. Mesmo não tendo o mesmo… sabor, foi tão boa quanto a do Couby. Ainda mais que eu pude pegar tudo até o final. Mas é melhor deixar só para mim, não quero que o Brok fique preocupado.
O ato de comer se torna mais automático, ao passo em que ela se perde em seus pensamentos. Provavelmente o sabor era melhor por eles serem sencientes. Mas será que o gosto tem a ver com a raça ou com a pessoa?, ela se pergunta. A do Couby parecia mais suave e a do Olhotorto era mais forte.
Ela suspira, com a dúvida a incomodando. Ainda vou precisar de mais experiência pra entender isso. Só preferiria que a próxima cobaia não terminasse dura no chão.
O orc e a succubus seguem comentando, sentados, trocando uma conversa breve e descontraída. Até quando, depois de um tempo, quando apenas resquícios de sol ainda iluminam a floresta, ruídos ainda distantes de folhas sendo amassadas e galhos quebrados surgem de maneira ritmada, chamando a atenção dos dois.
Ambos param, trocando um olhar sério que confirma que ouvem a mesma coisa. Eles deixam os espetos de lado e, em silêncio, pegam suas armas escoradas no tronco. A atmosfera muda instantaneamente, e cada movimento é calculado, como se antecipassem um ataque iminente.
Entretanto, toda essa movimentação tática se mostra em vão, pois a dupla percebe que quem vem se aproximando caminhando entre as árvores de maneira despretensiosa é seu companheiro Byron. A tensão e a expectativa dos dois se quebram instantaneamente.
Quando Byron finalmente chega ao local se depara com Brok, sério, comendo enquanto a succubus joga um olhar franzido, descontente, em sua direção.
Ao ver aquela expressão no rosto dela, ele arregala os olhos, preocupado. “Se está brava pela minha demora, peço perdão”, ele se desculpa, com um tom sincero. “Eu quis garantir que eles não causariam nenhum incômodo.”
“Não foi esse o problema… é melhor deixar pra lá”, Rubi responde, sua expressão suavizando enquanto ela desiste de tentar explicar. “A carne está pronta, escolhe um pedaço e depois você me conta o que aconteceu.”
Mesmo sem entender, ele curva sutilmente a cabeça. “Fico grato pela compreensão”, diz ele, formal, mas aliviado. “E já que me permite, conforme prometido, me juntarei à refeição de vocês.”
Ele se encaminha até a fogueira, examinando os gravetos restantes.
“Ele não sabe caminhar na mata”, Brok murmura, quase como se estivesse falando sozinho.
“Não sabe mesmo”, Rubi concorda baixinho, desviando os olhos enquanto balança a cabeça em reprovação.
Em frente à fogueira, o diabo pondera entre os pedaços que restaram, até finalmente decidir pegar o menor deles e depois ir se sentar ao lado de Brok no tronco ao lado.
Ele não gosta mesmo de comer, Rubi pensa, vendo aquilo.
“Até onde você foi?”, ela pergunta.
“Segui eles até bem depois do rio. Só parei quando chegaram a uma árvore de folhas vermelhas.”
“…Uma árvore de mel”, o orc comenta, liberando um ar profundo que reverbera em sua garganta. “Você foi longe…”
“Sim. Queria ter certeza de que tudo ficaria bem. Só houve um detalhe que me deixou preocupado”, diz Byron, pensativo. “Em algum ponto, subitamente, eles pararam de andar, ficaram assustados e começaram a gritar.”
A succubus olha para baixo, refletindo. “Talvez… tenha sido o momento em que eu desativei o charme”, ela supõe.
“Imaginei que pudesse ser o caso. Chegou o momento em que eu quase tive que agir.”
Rubi inclina levemente a cabeça, atenta. “O que?”
“Dois deles ficaram bravos e, mesmo de longe, senti eles discutindo se deveriam voltar. Mas, ao final, até pensaram bem e continuaram se afastando daqui.”
“… Devem ter sentido raiva do que aconteceu”, Brok murmura. “…Eu sentiria.”
“É, mas, ainda assim, aceitaram o pacto”, Rubi justifica. “Até onde eu sei, o charme não força ninguém a aceitar nada. No máximo… ele dá uma forcinha.”
“De fato”, diz Byron, concordando.
Pensando nisso, depois eu tenho que lembrar de cancelar o pacto deles. Mesmo que eu não sinta diferença, não quero que a minha mana máxima fique reduzida por muito tempo, ela avalia. Talvez, depois que tudo der certo, eu ainda considere dar um uso para eles. Mas pra isso precisamos adiantar logo as coisas.
A succubus se levanta, motivada, se volta ao orc e diz, “Brok, vamos começar a arrumar coisas. Assim que o Byron terminar de comer, nós vamos continuar avançando mais um pouco à noite. Gastamos praticamente o dia todo aqui.”
O orc consente, acenando a cabeça firmemente.
Quando Rubi olha para Byron, o vê em silêncio, girando a carne no espeto e fazendo repetidas menções em dar a primeira mordida em posições diferentes, como se tentasse decidir o melhor ângulo para começar.
Isso pode… demorar um pouco, ela pensa, retendo para si um sorriso nervoso. Não é como se estivéssemos com pressa ou algo do tipo.
Um pouco mais tarde, em outra parte da floresta, onde as árvores são altas e a escuridão deixa as sombras da noite tomarem conta do ambiente, um corvo negro desliza silenciosamente entre galhos grossos e largos.
O ar é frio e úmido, e o silêncio reina quase absoluto. Mais à frente, uma região aberta e bem mais iluminada pela luz prateada da lua começa a surgir, uma vasta clareira com ruínas cobertas por vinhas verdes se revela entre os troncos sombrios.
Tudo segue calmo e tranquilo, até o momento em que o pássaro finalmente adentra na vasta clareira.
No exato momento em que ele passa pela última árvore, uma vinha no chão se ergue como uma serpente, estalando no ar com um som cortante antes de atingir o corpo do corvo com precisão mortal. A vinha se move como um chicote, e o corvo é partido no meio, desfazendo-se em uma névoa de magia que se dissipa rapidamente, sem deixar nenhum traço para trás.
De repente, a clareira volta à calmaria, interrompida apenas por um breve rosnar de raiva que ecoa do grande buraco nas ruínas no centro daquele lugar. O som traz consigo uma pequena nuvem de gás verde que emerge do buraco.
O gás, de cheiro ácido, queima as plantas ao seu redor, fazendo-as murcharem e se desfazerem em cinzas, mas ao mesmo tempo poupa as inúmeras vinhas no chão, deixando-as intactas. E conforme as plantas se desmancham o silêncio volta a reinar.
Manto da Hidra Profunda [+10] (Cloak of The Deep Hydra)
Lendário
Durabilidade: [500/500]
Bônus de Impulso: +10 *Cada Bônus de impulso aumenta em 10% os atributos concedidos pelo item.
Força: –
Destreza: –
Constituição: ⭐⭐(+100%)
Inteligência: –
Carisma: ⭐(+100%)
Magia: –
Resistência Mágica:⭐⭐(+100%)
- Aumenta a regeneração de vida passiva em 100%.
- Ao receber uma cura mágica, recebe uma cura adicional equivalente a +5% da sua vida máxima.
- Recupera 100 de durabilidade a cada hora.
Um pedaço de couro do pescoço de uma lendária Hidra que vivia no mar profundo. Carrega junto de si uma parcela de suas habilidades regenerativas do monstro. O artesão que fez essa peça diz que esse foi o maior pedaço de couro que ele pôde juntar sem correr o risco de causar o renascimento da criatura.
Final do volume 5
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