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    Uma carroça de madeira avança lentamente por uma estrada de terra batida, salpicada de cascalho. O caminho corta um campo aberto e rochoso, onde a grama baixa oscila entre tons de amarelo queimado e verde desbotado. Ao longe, montanhas se erguem, formando uma linha irregular no horizonte.

    O céu está carregado de nuvens espessas que filtram a luz do sol, lançando sombras irregulares sobre a paisagem. Uma brisa fria sopra do norte, trazendo alívio aos cinco viajantes que ocupam o transporte.

    As rodas da carroça rangem e chacoalham sobre o chão áspero, enquanto o cavalo, negro como uma sombra viva que a puxa, mantém um trote constante.

    Guiando-o está um homem alto de pele morena e orelhas pontudas, envolto em um manto marrom que esconde seu físico. Seu rosto maduro é emoldurado por um bigode castanho espesso, combinando com os cabelos curtos que mal tocam sua nuca.

    “A partir daqui, não estamos mais em Pra’ados”, ele diz, sua voz firme e carregada de segurança. “Em breve, vamos chegar a Pilout.”

    Atrás dele, quatro pessoas dividem o espaço estreito entre caixas, mochilas e equipamentos empilhados no chão da carroça, seus olhares acompanhando o horizonte enquanto a carroça segue adiante.

    Nas bordas da carroça estão duas mulheres jovens. Uma delas, de pele clara e cabelos negros, veste roupas brancas delicadas, com flores pretas bordadas, e uma saia de babados que alcança os tornozelos. 

    A outra, de cabelos ruivos e pele quase pálida, usa uma camisa amarela, um manto azul desbotado e calças de couro preto. No colo da ruiva, repousa um cajado de madeira com entalhes detalhados.

    “Nunca saí deste país antes”, confessa a morena, olhando para baixo, enquanto mexe na borda de sua saia com os dedos trêmulos.

    “Eu já saí uma vez”, responde a ruiva, inclinando o cajado e lançando um olhar tranquilizador para Anne. “Mas nunca fui para o norte.”

    No fundo da carroça, dois homens compartilham o espaço estreito. Um deles, Rhazir, um homem-fera de corpo esguio e pelagem laranja, brinca com uma adaga entre os dedos. Seu capuz escuro oculta parcialmente seu rosto, mas não o brilho zombeteiro de seus olhos.

    “É bom não se empolgar demais”, ele provoca, girando a lâmina com habilidade. “O lugar para onde estamos indo não é para os desavisados.”

    A garota tímida se sente um pouco constrangida pelo comentário e se retrai um pouco. “Desculpa… prometo que não vou atrapalhar”, ela diz, bem baixinho, quase murmurando.

    A ruiva lança um olhar irritado para Rhazir, que apenas responde com um sorriso irônico. Esse sorriso, no entanto, rapidamente se desfaz quando Guilliman, o jovem espadachim ao seu lado, o encara com desaprovação.

    “O que foi?”, pergunta Rhazir, arqueando uma sobrancelha.

    “Você deveria ser mais gentil”, retruca Guilliman, com a voz firme. “Não precisa intimidar Anne.”

    Vestindo sua camisa de couro com detalhes verdes e uma capa que repousa elegantemente sobre os ombros, Guilliman mantém o olhar firme em Rhazir. Sob a pressão daquele olhar, o homem-fera relutantemente desvia os olhos e guarda a adaga.

    “Estou dando a minha consultoria a ela”, explica o homem-fera. “Não foi para isso que me contratou?”

    “Pensei que o Guilliman tivesse te contratado como ladrão”, responde a garota ruiva, com um tom carregado de deboche.

    “Consultor. É isso que está no meu contrato, minha cara Mary”, Rhazir evidencia, esticando as palavras como quem corrige uma criança. “Deveria ter mais respeito com um dos heróis que estava na missão que afugentou o Último do Oeste.”

    As duas garotas se surpreendem, como se aquilo fosse um baque para elas. Anne arregala os olhos, suas mãos apertando nervosamente a borda da saia. Mary, por outro lado, franze a testa, cética.

    “Isso… é verdade, senhor?”, questiona Anne, tímida.

    “Você levou mesmo esse ladrão para aquela missão?”, Mary pergunta, quase indignada.

    “Consultor”, corrige o homem-fera, irritado. “Você não escuta?” Ele se volta para o espadachim com um ar de desafio. “Vamos, diga a elas.”

    Guiliman abaixa a cabeça e, antes de responder, exala um ar profundo. Seus dedos tamborilam no cabo de sua espada.

    “Sim, ele estava”, ele admite, quase em relutância e vergonha. “Além dele, o senhor Agorn também me acompanhou.”

    As duas olham para o homem que pilota a carroça. Agorn confirma com um aceno, sua expressão endurecendo. “Sim, eu também estava”, ele comenta, sem tirar os olhos da estrada.

    “Mas eu não chamaria aquilo de missão”, diz Guilliman, desviando o olhar para a paisagem.

    “Eu também não”, diz Agorn, concordando, seus lábios apertados em uma linha tensa.

    O sentimento ruim que Agorn e Guilliman transmitem é quase palpável para as duas garotas. 

    Anne se mostra hesitante. “Por quê?”, ela pergunta, sensibilizada.

    “As coisas não saíram como o herói aqui queria”, Rhazir responde, com um sorriso torto.

    Mary estreita os olhos e cruza os braços. “Como assim?”, ela pergunta.

    A conversa para e o ranger de rodas toma conta do ambiente. Agorn se mantém focado em guiar a carroça e Rhazir olha para Guilliman, aguardando por sua resposta.

    “Não foi fácil montar uma equipe que tivesse o mínimo necessário para lidar com aquele demônio”, diz o rapaz, rompendo o silêncio e prendendo a atenção das mulheres. “Para montar um time com quatro, precisei contratar dois civis, no caso, o senhor Rhazir e mais um outro.” 

    Guilliman passa a mão pelos cabelos, o olhar distante enquanto fala. Sua voz carrega um tom grave, quase como se estivesse revivendo o peso daquela missão.

    “E eu, vendo a crise que a nossa cidade passava, fiz a coisa certa e aceitei o pedido”, comenta o homem-fera, com um sorriso lustroso.

    “Poderia ter feito mais certo ainda e não ter cobrado uma fortuna do Guilliman”, Agorn ironiza, mantendo os olhos na estrada.

    As palavras atraem olhares de desaprovação ao homem-fera, que não se abala.

    “Podem me olhar com cara feia a viagem toda”, diz ele, orgulhoso. “Mas Guilliman sabe das minhas despesas.”

    “Mesmo com toda essa despesa e esforço para reunir um time…”, o espadachim continua, chamando novamente a atenção de todos na conversa. “Foi tudo em vão. Não pudemos nos livrar do Último do Oeste.”

    As garotas se olham, confusas. Mary franze a testa, enquanto Anne, com os lábios ligeiramente entreabertos, parece tentar juntar as peças do quebra-cabeça.

    “Mas, foi porque vocês os espantaram, não foi?”, Mary pergunta.

    “Me disseram que ele saiu voando quando viu você se aproximando”, Anne complementa, olhando para Guil com admiração.

    “Nós nem vimos ele”, diz Rhazir, sem a menor cerimônia.

    “O Último do Oeste não estava no covil”, complementa Agorn, com a voz firme. “Tudo que restou foi um buraco cheio de escombros. Nada além disso.”

    “Não havia sinais de para onde ele foi, e ficamos de mãos abanando”, diz Guiliman, com a voz carregada de frustração. Ele desvia o olhar, claramente incomodado. “E, durante muitos dias, não houve qualquer indício de movimentação dele.”

    “Mesmo sem a derrota dele, a guilda deu a missão como concluída”, comenta Agorn, com o tom seco.

    “Não valeria a pena procurar de toda forma”, acrescenta Rhazir, com um dar de ombros. “Quando querem se esconder, demônios são muito bons nisso.”

    “Eu… não sabia disso”, diz Marie, sentindo o clima.

    “Talvez tenha sido melhor assim”, diz Guiliman. “A guilda queria 

    “A teoria mais aceita…” Agorn começa, ainda com a atenção na estrada. “…é que ele fugiu por sentir a Lorde Demônio da Ganância nas redondezas.”

    “Ou talvez…” Rhazir esboça um sorriso astuto, seu tom carregado de insinuação. “Ela mesma tenha dado um jeito nele.”

    Anne leva a mão à sua mochila e de lá saca um colar prateado com um medalhão lustroso, feito de um metal branco. “Que Helo os julgue com a justiça que merecem”, ela roda de olhos fechados, como se fosse uma prece.

    Rhazir se aproxima de Guilliman e lhe dá um leve tapa nas costas. “Mas isso já é passado, meu jovem”, diz com um sorriso largo. “Agora, estamos em um novo lugar, prontos para uma nova aventura.”

    “E em mais uma oportunidade para você embolsar uma pequena fortuna”, Agorn acrescenta com um tom irônico.

    “Ei!”, protesta Rhazir, virando-se para o mais velho.

    As risadas seguem, e a atmosfera se suaviza, todos na carroça se permitindo um momento de leveza, exceto o homem-fera, que mantém seu ar de desdém.

    “Mas você tem razão, Rhazir”, diz Guilliman, relaxando um pouco. “Agora, temos que focar na missão de encontrar o chefe dos sequestradores e o vampiro por trás disso.”

    “Vai ser uma boa chance de compensar o que não conseguimos com aquele demônio”, Agorn comenta, a seriedade em sua voz trazendo de volta a tensão da situação.

    Anne, ainda um pouco retraída, se endireita e fala com um tom de determinação crescente. “Eu vou dar o meu melhor para ajudar.”

    Mary olha para Rhazir com um sorriso desafiador. “Eu também”, ela diz, antes de adicionar com uma expressão provocante. “E quero ver se você é tão bom na luta quanto é com as palavras.”

    Rhazir dá uma risadinha, desviando o olhar para a frente. “Que parte de consultor você não entendeu ainda?”, responde, desdenhoso, mas sem perder o ritmo da conversa.

    Mary, Anne e Agorn riem novamente da reação do homem-fera, enquanto Guilliman esboça um sorriso discreto, apreciando a motivação e o bom entrosamento do grupo. Mas, enquanto o faz, sua mão se dirige até o colar, oculto sob a camisa.

    Ele respira fundo, os dedos tocando suavemente uma simples moeda de ouro furada, que serve como pingente no colar. A sensação do metal frio funciona como um lembrete, um peso constante da tarefa que ainda precisa cumprir.

    Depois disso, vou chamar você para termos uma conversa, ele pensa, determinado. Ainda temos assuntos a resolver.

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