Capítulo 71 - A caçada solitária
No interior da floresta, em uma região onde as árvores possuem troncos altos, espessos e com copas grandes, Rubi espreita cautelosamente pelo chão com seu arco em mãos.
Mesmo com a luz do sol irradiando sobre a floresta, grande parte dela é bloqueada pelas folhas das copas, deixando o ambiente mais sombrio, apesar de ser dia. As raízes grossas e elevadas, semelhantes a rochas, contribuem para a escuridão e tornam o terreno irregular.
Rubi exibe um olhar atento e está inclinada para frente, com sua cauda pairando no ar, quase retilínea para trás, equilibrando seu corpo. Ela dá passos lentos e cuidadosos, dando a volta em uma raiz enorme.
Embora não haja ninguém em seu campo de visão ou que apenas o som das folhas balançando pelo vento se destaque naquele local, ela avança de forma focada e sem deixar brechas.
Antes de terminar de circundar a raiz, uma leve olhada para frente revela a silhueta de uma garra-branca diante de uma árvore algumas dezenas de metros adiante.
A enorme ave de penas brancas se mostra calma, o pescoço erguido com a cabeça examinando os arredores. Os poucos feixes de luz que a atingem deixam suas penas com um aspecto prateado e majestoso.
Bingo!, Rubi comemora internamente. E bem onde eu queria.
Ainda atrás da raiz, ela puxa a corda de seu arco e uma flecha laranja é criada. Mesmo pronta, Rubi segura a flecha por mais um segundo e ela muda de cor, assumindo um tom avermelhado intenso.
Rubi dá um passo à frente, saindo da cobertura e abrindo espaço para um disparo livre. O movimento, embora silencioso e controlado, desperta um instinto na garra-branca. A ave se vira na direção de Rubi, mas antes que possa sequer perceber, a flecha vermelha corta o ar e a atinge no pé do pescoço com uma força devastadora.
A flecha penetra a carne espessa ao mesmo tempo em que a garra-branca é instantaneamente repelida para trás, tal qual aquele projétil mágico fosse um martelo poderoso.
Como consequência do empurrão, a ave colide com a árvore atrás dela. O tronco racha e emite lascas devido ao impacto. O som das pancadas ecoa pela floresta, quebrando o silêncio opressivo, seguido pelo baque surdo do corpo da ave atingindo o chão.
Rubi observa a ave cair, sentindo uma pontada de satisfação. Uma já foi, ela pensa. Agora faltam duas.
Segundos depois, ela ouve o barulho de passos pesados e rápidos movendo-se atrás dela.
Rubi se vira e vê outra garra-branca correndo em sua direção.
O animal, com o dobro do tamanho da succubus e uma musculatura impressionante, avança com surpreendente agilidade. Um som agudo, potente e alto emerge das profundezas de sua garganta, como um trovão cortando o silêncio da floresta.
O ruído ressoa como uma onda de choque, agitando as folhas das árvores e fazendo o chão vibrar sob os pés de Rubi. Ele atinge seus tímpanos como um baque, reverberando por todo o seu corpo, mas ela se mantém firme, encarando a ave.
“Isso não foi só pra me intimidar. Esse era para ter algum efeito em mim”, ela avalia. “Mas já que eu não me sinto diferente, provavelmente não deu certo.”
As duas caçadoras trocam olhares centrados, ambas enxergando a outra como presa. O brilho feroz nos olhos da garra-branca encontra a calma determinada no olhar de Rubi.
A succubus não se move, aguardando a ave se aproximar mais. De repente, seus olhos amarelados mudam de cor e se tornam rosas, revelando que ela está usando seu Charme.
A garra-branca, ainda avançando, hesita por um instante. Seus passos pesados diminuem, e o brilho de predador em seus olhos se apaga, substituído por pupilas rosadas vagas.
A grande ave, confusa, começa a desviar a trajetória de sua investida. Seus movimentos, antes firmes, agora se tornam desajeitados e cambaleantes.
Mesmo vendo que a criatura está sob o efeito de sua habilidade, Rubi não baixa a guarda e, com um salto ágil para o lado, ela se coloca fora do alcance da ave.
A succubus permanece quieta, vendo a garra-branca passar ao seu lado, desacelerando gradualmente até parar completamente alguns metros adiante.
Com a ave parada, Rubi franze o cenho, incomodada ao confirmar que, mesmo com as pupilas tingidas de um tom rosado, a criatura se mostra aérea e distante, enquanto abana a cabeça em pequenos intervalos de tempo regulares, como se estivesse tentando se livrar de algo invisível lá.
Funcionou, mas ficou meio fraco. Igual às outras. Ela parece mais confusa do que encantada, Rubi constata. Não sei se essas coisas são mais resistentes ao charme por serem muito agressivas, se elas têm alguma resistência maior à magia ou se é por algum efeito do Enxame.
Ela suspira, seu semblante refletindo preocupação. Já não bastava o que aconteceu com o corvo ontem. E eu não consigo nem quero imaginar se há alguma relação com essas coisas. A succubus começa a caminhar em direção à garra-branca, seu olhar predatório focado no animal. É melhor dar logo um fim nela, ela decide. Ao menos a garra-branca parece mais limpa que o javali.
Porém, antes de se aproximar de seu alvo, ela para. Um som seco de galhos quebrando chega até seus ouvidos, e ela instintivamente pula para trás e já prepara seu arco.
Já chegou aqui?, Rubi se pergunta, irritada. Que droga, essas coisas não dão descanso.
A succubus cria uma flecha vermelha intensa e, poucos segundos depois, uma terceira garra-branca emerge entre as árvores atrás da outra ave já encantada.
Quando a ave surge no ambiente, faz uma breve pausa, olhos atentos examinando o que se passa no local. A nova garra-branca fixa seu olhar afiado em Rubi e, em um instante, começa a correr em sua direção, movimentos rápidos e determinados, ignorando completamente sua semelhante já encantada.
Rubi, com o foco de um exímio caçador, mira seu projétil. Pelo menos é a última que eu localizei por aqui, ela analisa.
A succubus salta para trás e, no auge do movimento, dispara a flecha sem hesitar. O projétil corta o ar em uma trajetória diagonal contra a garra-branca agressiva.
A pontaria precisa de Rubi acerta a ave em cheio no centro das costas. No instante da colisão com a flecha, sua carne se deforma para dentro e, além do som do contato, é possível ouvir o estalo de algum osso se quebrando.
O impacto sobre o animal o empurra contra o chão sem seu corpo mostrar qualquer sinal de resistência, dando um aspecto de que o disparo se assemelha mais a um soco pesado do que ao de uma flechada.
O animal permanece caído e sem vida no chão, suas patas grossas tremendo em seus últimos espasmos. Tudo isso há poucos metros da última garra-branca de pé que não reage a nada daquilo, nem mesmo ao seu semelhante morto.
Rubi relaxa, aliviada, e já guarda seu arco em suas costas. “Você não vai ser mais um problema,” murmura, lançando um último olhar ao corpo caído. Em seguida, seus olhos se voltam para a criatura encantada. “E você… é hora de me reabastecer.”
Ela saca a rapieira de sua cintura e, finalmente, com o ambiente mais tranquilo, consegue se aproximar do animal.
Rubi leva a mão ao bico da garra-branca e, com gentileza, guia-o até ficar mais próximo dela, ao mesmo tempo em que posiciona a ponta afiada de sua arma em frente ao peito da ave.
Ela encara a ave nos olhos, contrastando as duas pupilas rosadas. “Eu preferiria usar o outro dreno, mas do jeito que você está, provavelmente sairia do charme no primeiro segundo”, ela comenta.
Rubi pressiona os lábios contra a parte superior do bico em um beijo breve. No instante em que se afasta, sente a energia vital da ave fluir para dentro de si.
O animal eriça suas penas, em choque e ,com a maior parte de suas forças arrancada, suas pernas enfraquecem, tremendo para se manter de pé. A dor que ela sente a faz sair imediatamente do charme mágico, porém sua lucidez não dura muito.
Rubi, sem dar brecha, enfinca a rapieira previamente posicionada no peito da criatura. A arma perfura pele e músculo sem resistência, atravessando o coração já fraco, como uma faca cortando manteiga.
Assim que as penas relaxam, Rubi puxa a lâmina de volta. A garra-branca desaba sem vida aos seus pés.
Rubi se abaixa e limpa o sangue residual de sua arma nas próprias penas do animal enquanto passa o polegar nos lábios, limpando-os de quaisquer resquícios.
Por fim, ela suspira, aliviada, sentindo suas energias renovadas. Agora posso continuar, ela pensa, depois, olha para o sul da floresta. Espero que as coisas corram bem para o Byron e para o Brok.

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