Índice de Capítulo

    Rubi avança entre árvores altas, cujas raízes retorcidas se erguem do solo. O sol da tarde que ilumina a floresta dá um aspecto alaranjado aos troncos e às folhas ao redor. O vento ruma a favor dela, arrastando folhas secas já caídas e desprendendo outras dos galhos.

    A succubus caminha rapidamente pelo chão. Ela está desarmada, com seu arco preso nas costas e a rapieira guardada na bainha em sua cintura, mas ainda exibe um olhar cauteloso aos arredores.

    Já devo ter andado a metade da distância até a capital, ela pensa. Pelo que eu vi do corvo no Brok, até que as coisas estão indo bem. Eles reagiram com surpresa e não estavam se armando nem nada, então, ao menos os orcs da tribo não estavam cientes da nossa movimentação. 

    Um leve semblante de preocupação resvala. Mas como o tal do Estoramola não estava lá, ainda tem o risco de ter uma tropa de orcs junto dele na minha frente, ela avalia, receosa. Uma luta contra ele vai ser um problema. Se eu matá-lo não vou poder cumprir o pacto com o Brok, e ainda vamos ter um atraso nos nossos planos. 

    Rubi suspira, com a cabeça cheia de ideias. Será que se eu conseguisse fazer o dragão fazer um pacto comigo, ele colocaria o orc nos termos? Não… provavelmente isso só pioraria tudo. Byron me disse como os dragões são traiçoeiros. Muito provavelmente as coisas não vão ser tão fáceis assim, ela conclui. Não dá pra sair fazendo pacto com todo mundo. Pelo menos não com dois lados que se odeiam.

    Enquanto ela divaga e corre pela floresta, o ambiente ao seu redor começa a escurecer aos poucos conforme ela avança. As árvores de tom alaranjado começam a ser substituídas por versões mais sombrias, negras. A brisa se torna lentamente mais fria e começa a perder velocidade, e os sons do local vão se aquietando.

    Sem perceber, Rubi se vê envolta em sombras, rumando em um caminho sem nenhum vestígio da luz do sol. 

    Eu perdi a noção de tempo?, a succubus se pergunta. Achei que iria demorar mais um pouco até anoitecer.

    Ela estreita os olhos, sentindo um arrepio percorrer sua espinha. Algo está errado, ela constata e seus passos instintivamente desaceleram.

    Logo, Rubi percebe que a densidade de árvores no trecho ainda é a mesma, mas, apesar disso, a escuridão à frente aumenta ainda mais, ao ponto de que mesmo as sombras parecem desaparecer em meio ao breu total.

    Certo. Definitivamente, tem alguma coisa muito errada nisso, ela conclui. Mesmo que aqui fosse só um lugar escuro, a minha visão no escuro devia ser boa o bastante para eu enxergar pelo menos um pouco.

    Desconfiada, a demônio para de andar e olha para trás. Os arredores também são escuros, mas Rubi vê que, a algumas centenas de metros ao fundo, um trecho da floresta ainda é banhado pela luz laranja do sol. 

    É como se eu tivesse caminhado em direção à noite e deixado o dia para trás, ela pensa. Só que literalmente.

    Rubi volta a encarar a escuridão à frente. Será que isso é coisa de um monstro?, ela se pergunta, instigada, com sua cauda balançando lentamente, enquanto pondera sobre a possível origem daquele evento. Com certeza isso não estava aqui quando eu vi o caminho pelo corvo. Talvez seja bom checar de novo…

    A demônio fecha os olhos e conecta sua visão a um de seus corvos buscadores distantes dali. Pelos olhos dele, ela enxerga a floresta ainda iluminada pelos raios de sol, sem sinal da noite diante dela.

    Só está acontecendo aqui, ela constata e abre os olhos. O contraste entre a floresta dourada do corvo e o abismo negro à sua frente só intensifica a estranheza que a envolve. Seja o que for, é melhor tentar dar a volta. Não vejo um cenário em que entrar no meio da escuridão sinistra seja a melhor opção. Se eu tivesse mais tempo, eu até gostaria de descobrir mais sobre isso, mas…

    “… Demônio…”, sussurra uma voz sinistra e distorcida. Rasgando o silêncio no instante em que Rubi faz menção de recuar.

    O som vem da parte onde as sombras estão mais densas, onde nenhuma forma pode ser distinguida dentro do véu negro.

    “Quem está aí?!”, Rubi pergunta, leva a mão até o cabo de sua espada e já assume uma postura de combate. 

    A poucos metros de distância, dez luzes vermelhas emergem no breu, flutuando no ar como brasas vivas. As luzes estão agrupadas em pares, assemelhando-se à olhos, em uma altura similar a de Rubi, mas com variações de poucos centímetros entre cada par.

    “… Demônio…”

    “… Demônio…”

    “… Filha de Mael…”

    “… Daimon?…”

    “… Daimon?…”

    “… Não… Diabo…”

    “… Diabo… Sim…”

    “… Diabo…”

    As vozes falam, todas distorcidas, mas ainda é possível diferenciar pequenas entonações entre elas, dando o aspecto de que uma conversa se desenrola ali.

    Rubi sente um calafrio na espinha, mas, apesar do susto, ela mantém a compostura. Que droga é essa?, ela se pergunta, desconfortável com a imagem daqueles olhos luminosos encarando-a. Parecem racionais demais para serem monstros. Será que são fantasmas? Se forem só cinco, isso não deve demorar. 

    A demônio se mantém em guarda, pronta para uma ofensiva das luzes, mas nada acontece. O silêncio desconfortável volta a tomar conta daquele trecho. 

    Não vão fazer nada? Se bem que, se quisessem me atacar, teriam feito isso antes de chamarem a minha atenção, Rubi supõe, ainda mantendo sua postura defensiva.

    “Quem são vocês?”, ela questiona. “O que querem comigo?”

    O par de luzes no centro se desloca para frente, tomando a dianteira, deixando o breu absoluto, mostrando realmente serem os olhos de um corpo envolto em sombras. A silhueta apresenta uma criatura humanoide esguia e de orelhas pontudas, cujos passos são tão silenciosos que nem mesmo os ouvidos aguçados de Rubi conseguem captá-los.

    Espera. Será que eles seriam…?, Rubi divaga. 

    “Vocês são os elfos que vivem nessa floresta?”, ela pergunta.

    A silhueta acena a cabeça, confirmando.

    O que eles fazem aqui?, ela pensa, intrigada.

    “Como me encontraram?”, ela pergunta, desconfiada.

    “… A sua magia é forte… e os espíritos a temem…”, responde a silhueta, a voz distorcida como um eco perdido. “… Da mesma forma como temem a nossa…”

    Isso não é nem uma comparação justa. Não sei como minhas magias podem assustar alguém da mesma forma que a sua, Rubi pensa. 

    “… Por causa disso… alguns grupos sentiram que poderia haver um corruptor poderoso pela região…”, comenta outra voz ao fundo.

    Grupos? Então… já tem alguns outros por aí cientes de mim. Lá se vai a minha discrição, ela conclui, suspirando ao final. 

    “Mas, o que vocês querem comigo?”

    “… O que você pretende… indo de encontro com o Devorador?”, questiona a silhueta da frente.

    Que nome estranho… Eu nunca ouvi falar de alguém assim, ela reflete antes de responder. Mas, como estou indo para a capital, já posso imaginar de quem se trata.

    “Por acaso, esse Devorador seria o dragão?”, ela pergunta.

    Novamente, a silhueta acena a cabeça.

    Eu já sei qual é a preocupação deles…, ela pensa, encarando aquele rosto escuro, cuja feição é impossível determinar.

    A expressão de Rubi se tranquiliza e ela solta a mão do cabo da rapieira. “Eu não vou trabalhar pra ele, se é o que preocupa vocês”, ela diz, com sinceridade. “Eu tenho coisas para fazer por aqui e ter ele no comando da capital me atrapalha.”

    “… Sabe o que ele fez?…”

    “Eu ouvi falar que ele mandou os orcs atacar vocês. É por isso que estão caçando eles, não é?”

    Os olhares que brilham nas sombras se estreitam, exalando um sentimento intenso.

    “… A mando do Devorador… o Executor veio ao nosso domínio… matou e capturou muitos dos nossos…”, diz o elfo sombrio a frente. “… Agora estamos indo atrás daqueles que os servem…”

    “… Como eles fizeram conosco…”, outra voz ao fundo acrescenta.

    ‘… Vamos puni-los…”

    “… Fazê-los sofrer…”

    “… Bem devagar…”

    “… Deixá-los sem ninguém…”

    As vozes ecoam pela penumbra, transmitindo uma fúria silenciosa, impregnadas de ódio e rancor.

    Se o Devorador é o dragão, então esse Executor é o Estoramola, Rubi supõe. O plano deles até que é bom. Uma hora não iriam ter números o bastante pra lidar com os monstros da floresta. 

    “Eu também já estou cuidando disso. Um aliado meu também tem desavenças com a tribo que atacou vocês. Me livrar desse Executor também está entre as minhas coisas para fazer.”

    “… Filha de Mael… Pela forma que fala, você tem muitos planos por aqui…”, murmura a silhueta. 

    “Sim, eu tenho alguns. É claro que eu não pretendo compartilhá-los com vocês, mas algo que eu posso revelar é que interferir com vocês não está entre eles. Não pretendo cometer os mesmos erros da gestão anterior.”

    O elfo se mantém calado. 

    “É claro que isso também depende de vocês”, Rubi continua, sua voz ressalta um aviso. “Eu só quero manter minha discrição e seguir com meus planos em paz.”

    “… Você pode ter sua paz…”, diz o elfo. “… Não queremos nada desse lado da floresta além de vingança…”

    Em seguida, a silhueta começa a recuar lentamente, dissolvendo-se na penumbra, enquanto os pares de olhos luminosos se fecham como se a escuridão os engolisse.

    “… Mas não se engane”, avisa a voz. “… Você não é a única por aqui com acesso aos poderes do abismo…”

    “… Demônio…”

    “… Demônio…”

    “… Filha de Mael…”

    “… Diabo…”

    “… Diabo…”

    “…”

    Enquanto falam, as vozes vão se perdendo na penumbra, cada vez mais baixas e distantes, como se estivessem se afastando dali.

    A parte escura da floresta também começa a se mover para longe, deslizando como uma nuvem de sombras rastejante pelo chão, enquanto os raios laranja do sol gradualmente inundam o ambiente.

    Caramba. Eles fazem valer o nome de elfos sombrios. Mas… ainda que eles sejam um pouco excêntricos, pelo menos ainda vieram para conversar antes de qualquer coisa, Rubi pensa com um certo alívio. O que aquele dragão tinha na cabeça pra se meter com esse povo? Quem ia querer se encrencar com eles?

    Ela volta a olhar para a direção de onde fica a capital e segue seu caminho. Eu tenho coisas mais importantes para fazer… Quero aproveitar o resto da luz do dia, antes que anoiteça de verdade. 

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