Índice de Capítulo

    A lua alta da madrugada ilumina Brok sentado no chão com suas pernas cruzadas. O orc se encontra na entrada do acampamento, à margem da linha traçada pela guerreira que toma conta daquele lugar.

    O assentamento da tribo, agora iluminado por dezenas de tochas fincadas no solo, está com o portão fechado e consideravelmente mais quieto. Apenas se ouvem o crepitar das chamas e o canto dos grilos além das paredes, que isolam o lugar da grande floresta que os cerca. 

     A maioria dos orcs repousa nas poucas tendas que ainda permanecem de pé, mas há aqueles que continuam alertas. Alguns fazem rondas, circulando pelo acampamento, enquanto outros estão encostados nas paredes ou sentados ao redor da fogueira no centro do lugar. 

    Apesar de estarem em lugares diferentes e fazendo coisas distintas, todos lançam constantemente olhares franzidos e desconfiados em direção ao orc estrangeiro.

    Mesmo sob esses olhares tensos, Brok exibe uma expressão centrada e permanece vigilante a toda movimentação no local. Seu machado repousa no chão, à sua esquerda e, ao lado, há uma pequena bolsa de pele marrom, onde estão pequenos pedaços de carne, dos quais ele se alimenta.

    A situação permanece a mesma por algum tempo, até a tenda da guerreira orc começar a se mexer e a própria sair de lá de dentro com sua lança branca em mãos.

    Ela se ergue e corre os olhos pelos arredores, verificando como está a situação do lugar, com o ponto final de sua inspeção sendo Brok na entrada do acampamento. Tal qual os outros orcs de sua tribo, ao avistar o estrangeiro, seu olhar se fecha e seus dedos se agarram com mais força ao redor do cabo da lança.

    A guerreira começa a caminhar em sua direção com passos pesados e determinados. O som de suas botas ecoa pelo acampamento, abafado apenas pelo crepitar das tochas. Os outros orcs permanecem em silêncio, alertas, observando cada movimento. 

    Enquanto ela avança, Brok se mantém imóvel, os dedos ainda segurando um pedaço de carne seca, como se sua quietude fosse um escudo contra a hostilidade que se aproxima.

    Ela para diante do risco traçado no chão, encarando Brok, que permanece sentado.

    “Acha mesmo que pode vencê-lo?”, ela pergunta, com sua voz soando como uma provocação ardente. Seus olhos estreitados parecem perfurá-lo como se tentassem decifrar o que se passa na cabeça dele, porém o orc á frente dela se mostra resoluto e calmo como uma rocha.

    “… Eu posso”, ele responde.

    Uma respiração profunda e pesada sai da garganta dela, um resvalo do descontentamento que aquela resposta provoca. “Não me lembro de ter te visto antes”, diz ela. “Mas você já viu ele? Sabe o quão grande ele é?”

    “Já… Eu estava lá quando ele duelou na minha tribo. Vi bem os braços grandes dele… Vi bem quando ele desceu o da esquerda e arrancou metade da cabeça do meu chefe”, Brok responde, olhando para baixo. Por mais que sua voz se mantenha firme, um ar de perda ainda transparece em sua fala.

    O olhar severo da guerreira e sua respiração ofegante perdem um pouco da intensidade ao perceberem a dor na voz do orc estrangeiro.

    “Você não é o primeiro estrangeiro confiante que aparece na nossa tribo”, ela comenta, bem mais calma. “A maior parte só eram fracos querendo desafiar Estoratora e eu mesma os matei. Mas alguns eram fortes, guerreiros bons que morreram em duelo.”

    Brok declina a cabeça em sinal de respeito. “Caçadores que com certeza fizeram falta nas tribos deles”, ele diz. “Que a luta deles seja grande.”

    “Você diz isso, mas ainda vai morrer como eles”, ela retruca, repreendendo-o.

    Ele ergue o olhar lentamente, seus olhos brilhando com uma determinação que parece desafiar até a escuridão da noite. “Eu posso até morrer”, ele diz com sua voz firme como aço. “Mas eu não sou como eles.”

    “Como não é? Veio duelar pela terra da sua tribo, igual a todos os outros. Como você não é diferente deles?”

    O vento frio da madrugada sopra entre eles, carregando o cheiro de terra molhada e fogueira. Brok sente o peso do silêncio enquanto a guerreira o observa, avaliando cada palavra que ele diz. Ele respira profundamente antes de responder, desviando o olhar para a palma de sua mão aberta.

    “Eu… já quis vir antes”, ele começa, a voz resignada. “Desde o momento em que vi meu líder morto, eu quis duelar contra Estoratora. Mas… sempre me vi morrendo à toa, sem nada.”

    “É assim que acaba. Igual a todos os outros”, a guerreira afirma. 

    “Não… É diferente. Não quero… só a minha terra.”

    A guerreira rosna e seus dentes se serram uns contra os outros. “Você quer pôr a sua tribo no lugar da minha?”, ela questiona. 

    “Não. Eu quero… mais.” O orc fecha o punho que ele encara com força. 

    A fúria da guerreira é trocada por um semblante confuso. “Mais?”, ela questiona. “Quer ser como o dragão?”

    “Também não…”

    “E o que é mais que isso?”

    “Eu quero… grandeza. Ser parte de algo maior. Não quero mais ver a minha tribo ser caçada pelos monstros, nem ter que vê-los morrer brigando por migalhas.”

    Ele fala como um louco, pensa a guerreira. Mas ele acredita de verdade nisso. Ela se impressiona com a postura resoluta que Brok demonstra. 

    “Como te chamam?”, ela pergunta. 

    “Brok.”

    Ela reflete por um segundo. “Você é dos Crek’Thra”, ela deduz. “Me chamam de Ursúla. Me lembrarei do seu nome.”

    “Também vou me lembrar do seu.”

    Após isso, a guerreira se retira, caminhando em direção à sua tenda com passos lentos e ponderados. Seu semblante está reflexivo. Grandeza…, ela pensa, quase com pena. Que a luta dele seja grande… mas, no fim, ele vai ser só mais um. 

    A partir do momento em que Ursúla desaparece dentro de sua tenda, o acampamento volta a ficar quieto enquanto a lua cruza o céu, conforme a madrugada avança. 

    Do lado de fora das paredes, Byron aguarda em silêncio, pacientemente empoleirado em um galho alto, onde as folhas que o cercam quase o ocultam por completo. Suas costas repousam contra o tronco, as pernas se estendem ao longo do galho e sua cauda espessa permanece solta no ar.

    O vento matinal sopra suavemente, agitando todas as folhas da árvore, enquanto o diabo observa o horizonte, esboçando um sorriso afiado ao perceber que o amanhecer não traz apenas luz e calor.

    Ao longe, ele avista um grupo de orcs que se aproxima em uma marcha pesada pelo chão da floresta, liderados por um imponente orc grande e robusto.

    E aquele no centro deve ser o grande Estoratora, ele analisa, deixando escapar um breve riso irônico, que transmite sua confiança. Não deve demorar muito para entrarmos em ação. 

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (2 votos)

    Nota