Capítulo 80 - Conversa com o lorde
Assim como as vinhas estáticas, a clareira se aquieta. O som do crepitar das vinhas queimando ao redor de Rubi se mistura ao som da respiração vibrante do dragão que mais se assemelha a um leve rosnado.
O réptil lendário mostra-se descontente, suas pálpebras franzidas e seus olhos azuis, com fendas negras como um abismo, estão fixados na demônio que ainda segura sua espada com o brilho vermelho.
Rubi, a dezenas de metros de distância do centro das ruínas, encara o dragão de pé sobre as patas traseiras. Certo… Ele é grande e tal. Assim desse jeito… deve ter uns dois Byrons transformados de altura, ela divaga.
Sem dizer nada, o dragão começa a caminhar na direção dela, avançando sem pressa, arrastando sua cauda pesada como um tronco de carvalho, riscando o solo em uma trilha profunda.
Mesmo de longe, Rubi sente o chão tremer a cada passo. Ela desvia o olhar da criatura para o chão e vê as vinhas diante dele desenrolando-se e abrindo caminho para sua passagem. Já deu pra sacar que ele comanda essas coisas se quiser, ela pensa, mantendo-se calma e focada. Parece mesmo um chefão do HTO.
Quando ele se aproxima, para pouco mais de uma dezena de metros, lançando-lhe um olhar de cima, o focinho erguido em altivez.
“Criatura do Abismo, que ousadia te trouxe ao meu domínio?”, ele questiona, sua voz ressoando como um trovão contido, usando um tom que não é o de uma pergunta, mas de uma exigência, uma ordem velada, esperando ser satisfeita.
“Sendo bem direta, eu tenho alguns assuntos para resolver aqui nessa floresta”, Rubi começa a responder, assertivamente. “Quando cheguei, fui informada de que um dragão estava no comando desse lugar e vim diretamente me resolver com você antes de tentar qualquer coisa.”
O dragão mantém seu olhar autoritário, enquanto exala um rosnar grave. “Negócios a resolver?”, ele pergunta soltando ao final um riso grave, carregado de escárnio. “Esse é o motivo de você vir perturbar o meu sono? Que tipo de pendências alguém como você teria para resolver no meu domínio?”
Rubi cerra um pouco seu olhar, incomodada pela maneira como o dragão se dirige a ela.
E como eu ia chamar sua atenção sem fazer barulho? Não tinha nem como eu chegar perto, você espalhou essas coisas por toda parte. Preferia que eu chegasse te atacando?, ela pensa, indignada. Ele é bem como me disseram… arrogante. Sua cauda, sob o manto, se mantém quase estática, exceto pela ponta, que oscila devagar, denunciando um vislumbre de sua impaciência contida.
“Tem algo especial nessa floresta”, diz ela. “Alguns segredos que eu quero descobrir e uma chance boa de fazer algo grande aqui.”
“Hum”, murmura o dragão. Algo que se assemelha a um sorriso começa a se formar entre os lábios escamosos. “Você fez bem em vir falar comigo antes de tentar qualquer coisa.”
Ele volta a caminhar lentamente ao redor da demônio. “Afinal, tudo nessa floresta é meu”, ele afirma, agora com o olhar focado em umas chamas atrás de Rubi, a qual se aproxima. “Se eu descobrisse que um demônio estava mexendo nas minhas coisas…” Subitamente, ele interrompe a fala e pisa sobre uma vinha em chamas, esmagando-a por completo e extinguindo o fogo. “Bem, eu teria que resolver o problema pessoalmente.”
“É”, diz Rubi, concordando, ainda desferindo seu olhar cerrado. “Achei que seria melhor vir aqui e nos acertarmos logo.”
“Eu poderia fazer algum uso de você. Não há muitos demônios por aqui”, diz o dragão, com a voz mais reservada. “Se você quer agir no meu domínio e executar esses seus planos… tudo bem, mas os segredos que você sabe dessa terra deve me contar e qualquer coisa que obtiver por aqui deve ser dividida comigo. Enquanto estiver nessa floresta, deve me servir e usar seus poderes a meu favor.”
Em outro momento… não seria um acordo ruim, ela pensa. Mas eu já me vejo virando algo entre a secretária e a bateria de magia dele.
“Na verdade…”, diz Rubi. “… Eu vim aqui propor algo diferente.”
Imediatamente, o olhar do dragão muda. Suas pálpebras grossas se curvam e ele bufa de leve, emitindo um ruído, em desconfiança.
“O que?”, ele indaga, sério, serpenteando seu pescoço para o lado.
“Essa floresta tem muito potencial escondido. Eu planejo fazer algo grande aqui, mas pra isso acontecer, algumas das coisas que você fez precisam ser desfeitas. O que eu vim propor aqui é uma aliança.”
“Aliança?”, o dragão questiona com desprezo, indignação e acidez na voz, quase como se aquilo fosse uma ofensa aos seus ouvidos. “Ousa recusar minha proposta? Quer mudar a forma como eu governo essa região?!”
Não vai ter jeito…, Rubi pensa, suspirando. Sua cauda para de se mexer por completo, ela arrocha os dedos no cabo de sua espada e joga uma expressão desafiadora ao dragão.
“Acho que você não entendeu o que você fez com esse lugar”, ela fala com indiferença. “Tinha um equilíbrio bem fino por aqui e você fez questão de quebrá-lo todo. E agora tem uma galera irritada e querendo a sua cabeça.”
O dragão ri em voz alta, cada riso soa como uma batida profunda no ar e exala da boca cheia de dentes uma névoa verde. “Essa floresta é minha. Tudo o que está nela é meu. Acha que pode questionar a forma como eu comando as minhas coisas?!”
Eu preferiria tê-lo como um aliado. Pensei que pudéssemos entrar em um acordo. Te matar assim do nada, não faz muito meu estilo. Soava como… desperdiçar uma oportunidade. Mas você é cabeça-dura demais pra me entender, Rubi pensa e ergue sua rapieira encantada.
O brilho vermelho em sua lâmina se intensifica, tal qual o clima conflituoso que se desenrola ali.
O dragão se impõe, as garras traseiras cravadas no solo e as asas parcialmente erguidas, aumentando drasticamente sua presença no lugar. As vinhas ao redor voltam a se mexer, lentamente contraindo e espichando em espasmos regulares, como serpentes acordando.
“Uma coisinha rosa como você ousa se opor a mim? Diante do grande Naganadeliumus?!”, ele ruge, sua voz reverberando como um trovão.
Rubi pisca, atônita por um segundo. Oi? Naganadeli-quê? Isso é o nome dele? Não é possível, a succubus se questiona, contendo uma risada no canto da boca que ameaça escapar.
Os olhos do dragão se estreitam ao ver um sorriso se formando na face de Rubi. “Oh? Diga-me, o que há de tão engraçado aqui?”, ele demanda.
“Não é nada…”, responde ela, recuperando o foco. “Apenas pensei em algo que me fez rir.”
Os lábios do dragão se curvam em um esgar cruel. “Vou gostar de ver esse sorriso se contorcer em agonia. E farei questão de aproveitar cada segundo da sua derrota. Ninguém se intromete no meu domínio e sai impune.”
Então você ficaria bem irritado se soubesse das coisas que já estão acontecendo, ela pensa, confiante.
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