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    Na clareira, reina um silêncio profundo. A floresta densa que circunda aquele local está anormalmente quieta. Não se ouve o som do vento, dos pássaros, nem mesmo o ranger das árvores, como se a natureza próxima não ousasse emitir um único ruído para não incomodar os que estão lá dentro.

    Dentro da cratera rasa em meio às ruínas, jaz o corpo sem vida de Naganadeliumos. O dragão se encontra com marcas de perfurações no ombro, arranhões no peito e com todas as escamas sem brilho, em um verde acinzentado.

    Próximos a ele, Rubi e Byron trocam um olhar atônito. Atrás da cabeça da succubus flutua a auréola da Coroa da Ganância, com uma das seis pétalas brilhando de maneira significativamente mais intensa que as demais.

    Os olhos de Rubi estão arregalados, ainda absorvendo a constatação de Byron.

    “O que?!”, ela questiona, quase incrédula, quebrando o silêncio. “Como?!”

    Rubi vira a cabeça para todos os lados enquanto fala, girando o corpo na tentativa de ver a auréola. Porém a coroa translúcida move-se da mesma forma que ela, acompanhando sua nuca como se houvesse um encaixe invisível que as mantêm conectadas, impossibilitando a succubus de ver qualquer parte dela.

    Após algumas tentativas, Rubi acaba desistindo. “Droga!”, ela reclama frustrada. 

    Se pelo menos eu tivesse um espelho, ela pensa.

    “Eu não sei como aconteceu”, Byron comenta. “Enquanto a senhorita drenava a vida do dragão, a auréola simplesmente surgiu e quando estava próximo ao fim, essa parte aumentou a intensidade do brilho.”

    Rubi divaga um pouco. “Mais ao final, você diz?”, ela questiona, com sua atenção focada em algo distante. 

    Se fosse após a morte do dragão eu poderia chutar que foi porque eu passei de nível… mas como foi antes disso, acho que não é esse o caso. Pode ser que eu tenha concluído alguma condição específica e desbloqueie algo. Mas a única coisa que mudou próximo ao final foi eu ter completado meu estoque de mana adicional, ela pensa, relembrando-se da sensação da mana extra fluindo em seu corpo e uma ideia começa a se formar em sua mente. E se…

    “Pelo que você disse, deve ter algo haver com a forma como eu estava executando o dragão. Isso apareceu bem no momento em que eu comecei a drenar o excedente da força vital dele”, diz Rubi.

    Byron olha para a coroa, examinando-a novamente. “Realmente, a senhorita já estava com suas feridas de batalha curadas quando isso aconteceu”, ele comenta. “Então, nesse momento, toda a força do dragão estava se tornando poder adicional?”

    “Toda, não”, ela corrige. “Existe um limite pro quanto de vital eu consigo converter em mana extra. É tipo… uns dez por cento do meu máximo.” Rubi cruza os braços, pensativa. “E com certeza o dragão tinha mais do que isso sobrando.”

    “E o que deveria acontecer com o restante?”

    “Quando estou completamente cheia, não tenho como acumular o excedente. A partir desse ponto a drenagem só vira uma habilidade comum de causar dano mágico, independente do tipo de dreno”, Rubi afirma. “O restante é só desperdício… a não ser que…” Ela para de falar subitamente, divagando sobre uma possibilidade.

    “A coroa absorva esse excedente, não é?”, Byron supõe.

    “Talvez…”, diz ela.

    Desde que cheguei, absorver energia vital tem funcionado normalmente, Rubi constata, lembrando-se de Couby, do javali e de Olho-torto. Até o tempo que eu consigo manter a mana extra antes dela se dispersar está igual antigamente. Mas até pouco tempo, eu não tive muitas oportunidades para completar os 10%…

    “Até que não seria estranho pensar na coroa absorvendo o excesso”, ela comenta. “No caminho pra cá, vim acumulando mana em cima das garras-brancas. Tinham muitas delas, deu pra encher o estoque, e um bocado virou desperdício. Somando com o excedente do dragão… daria algo como metade de mim em energia vital desperdiçada.”

    Byron sorri, compreendendo aquilo. “E considerando que estou vendo uma Rubi inteira diante de mim… acho que já sei onde essa metade foi parar.” Ele lança seu olhar afiado para a auréola. “Essa energia de alguma forma pode ter se acumulado nesse pedaço.”

    Algo antigo vem à cabeça de Rubi. Isso me lembra de uma conversa com o Miguel, ela pensa. 

    “Quando eu e meu irmão conseguimos as coroas, vimos que nas estatísti… escritas delas tinha uma informação sobre elas estarem de com zero de sete partes. Nos perguntamos se seria possível ativá-la de alguma forma”, Rubi pontua, pensativa. “E considerando que a minha coroa é dividida em seis pétalas e o botão da flor, agora ela está um sétimo carregada.”

    Mas até que isso faz sentido. A coroa do meu irmão também era repartida em sete partes quase dessa forma, ela acrescenta internamente. Provavelmente é por estar descarregada que ela não fez nada até agora… nada além de me causar problemas.

    Uma chama brilhante surge no olhar de Byron. “Incrível! Sinto que estou presenciando a história dos demônios sendo escrita diante de mim!”, exclama ele, com a voz carregada de entusiasmo.

    A exaltação repentina do demônio ecoa pelas ruínas vazias e pega Rubi de surpresa. Ela, perdida em seus pensamentos, se assusta e instintivamente recua os braços.

    “Calma aí!”, ela diz, acuada. “Tudo isso ainda é suposição. Não sabemos se é permanente, se vai sumir depois de um tempo… muito menos o que significa ter esse pedaço carregado.”

    Como eu queria um manual de instruções, ela pensa, com uma pontada de frustração. 

    “Tem implicações demais sobre essa coroa…”, ela comenta, desanimada. “E se essa teoria toda for verdade, quer dizer que para encher a coroa toda, eu precisaria drenar o equivalente a mais três vezes o que eu tenho de mana em energia vital. Até onde eu sei, isso é coisa pra caramba. Seria o mesmo que… sei lá, drenar uma vila inteira.”

    O diabo leva a mão ao queixo e começa a ponderar sobre possibilidades. “Uma vila de que tamanho aproximadamente?”, ele questiona, intrigado.

    Rubi solta um suspiro cansado. “Não, Byron…”, diz ela, desinteressada. “Nós não vamos fazer isso. Foi uma comparação.”

    “Ainda sim, senhorita, tudo isso é fantástico”, ele comenta. “Hoje conseguirmos uma vitória sublime e algo extraordinário aconteceu com a coroa. Um presságio de algo maior, possivelmente.”

    Rubi desvia o olhar para o corpo inerte de Naganadeliumos, ainda imponente mesmo na morte. Um sentimento de alívio lhe recai ao ver o dragão sem vida. As coisas foram um pouco mais turbulentas do que eu gostaria. Mas ainda assim, foi tudo como planejado. Talvez até melhor, ela reflete, encarando os olhos vidrados do antigo Lorde Das Terras-Livres. Vamos fazer todo esse esforço valer a pena.

    “Obrigado pela ajuda”, diz a succubus, esboçando um tom doce e tranquilo  direcionada a Byron. “O resultado poderia ter sido bem diferente sem você.”

    O demônio leva uma das mãos às costas e a outra ao peito e se curva em um cumprimento reverente. “Não foi nada, minha lorde”, ele diz, também agradecido. 

    “Acho que já é um bom momento para nos reunirmos”, diz Rubi. “Ainda temos muito o que fazer.”

    “Então, se me permite, retornarei até meu corpo e irei de encontro ao orc. Trarei ele até aqui o mais breve possível.”

    “Pode ir. Vou dar uma olhada nas coisas que temos aqui.”

    “Como desejar.”

    Um círculo mágico vermelho com um pentagrama no centro surge aos pés de Byron. Um brilho carmesim envolve seu corpo e, num instante, o demônio se dissipa no ar, sem deixar vestígios.

    Rubi sorri, empolgada. Essa coisa de invocação é muito útil. Agora…, Ela pensa, depois se vira em direção ao centro da clareira, com um olhar afiado. Vamos ver que tipo de loot o dragão deixou pra mim.

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