Capítulo 90 - Sob nova jurisdição
Um clima fúnebre paira sobre o acampamento de Estoratora. Brok permanece de pé, pisando sobre o sangue ainda quente que vaza do orc partido no chão. Ao redor dele estão vários orcs, aglomerados em um círculo.
Alguns encaram o corpo de seu líder morto com pesar e tristeza, outros olham para Brok sentindo um misto de raiva e impotência. Há também quem não consiga sequer encarar o desfecho no centro da roda, fechando os olhos ou desviando o olhar para longe.
O guerreiro no centro está calado, encarando o corpo sem vida estirado no chão enquanto respira pesadamente com a boca aberta, de uma maneira que soa mais como se estivesse rosnando.
Todo o seu corpo lateja em dor, eco das feridas da batalha. Mas, apesar disso, as fissuras em sua pele, que ainda permanecem abertas e expostas ao ar, não sangram mais.
O machado que Brok segura com firmeza entre os dedos goteja com o sangue residual de Estoratora, pingando sobre a poça vermelha que o circunda.
Do meio da multidão ao redor de Brok, alguém toma a frente. Ursúla rompe o círculo e caminha até o centro.
Suas sobrancelhas arqueadas revelam a tristeza que sente. As pernas hesitam em aproximar-se, mas ela mantém uma postura firme e não desvia o olhar nem de Brok, nem do corpo caído.
“Você… ganhou…”, ela diz com relutância, como quem entrega algo que ainda deseja manter. “O que vai fazer agora? O que quer de nós? Quer que vamos embora daqui?”
Brok se vira na direção dela e bufa antes de responder, assustando alguns dos orcs. “Eu… vou voltar a viver aqui, no centro da floresta… e os outros orcs também”, diz ele, com palavras arrastadas, mas cheias de convicção. “Não só os da minha tribo…”
As expressões ao redor se contraem, carregadas de desconfiança. Em silêncio, os membros da tribo trocam olhares incertos entre si.
“Como assim?”, Ursúla questiona.
“As terras… vão voltar a ser como eram antes”, Brok responde. “Todas as tribos vão poder voltar para suas terras.”
Ele aponta seu machado para a guerreira e a lâmina, mesmo manchada, brilha sob o sol da manhã. “E vocês… vão ficar aqui!”, ele afirma, rígido como uma rocha sólida. “Vão cuidar das garras-brancas até todos voltarem.”
Ursúla fica inconformada com o comando. “Isso não faz sentido!”, ela retruca, os olhos faiscando. “Esse lado da floresta está se enchendo delas! Você sabe que já estávamos nos preparando para sair. Se ficarmos aqui, nós vamos…”
Brok brande o machado no ar, e Ursúla corta a frase no meio, como se ele tivesse golpeado as próprias palavras.
“Essas… coisas que nos atacam até nas bordas da floresta… não vou deixar isso continuar acontecendo”, ele declara, cada palavra ressoando como uma batida de martelo.
É culpa de vocês!, pensa Brok com um eco amargo, enquanto seus dedos cerram ainda mais o cabo de sua arma. Se houvesse mais orcs aqui onde elas nascem, não teríamos tantos problemas.
Ele então gira o corpo, apontando o machado para todos na roda. “Se alguém discordar de mim… não precisa esperar até eu me recuperar. Pode duelar comigo agora”, Brok anuncia, desafiando todos os membros da tribo sem hesitar.
Ursúla vê os guerreiros espalhados na roda, arrochando os dedos em suas armas. Os rostos franzidos, carregados de sentimentos pesados que só podem ser saciados com uma luta.
Os punhos da própria guerreira instintivamente se apertam, ansiando por acertar Brok no rosto até as feições dele desaparecerem em uma mistura de carne amassada e ossos quebrados.
Mas, ao desviar o olhar para baixo por um momento, ela hesita. A visão de seu antigo líder, caído aos pés do forasteiro, ofusca parte da fúria que a consome.
“Está bem!”, Ursúla declara em voz alta, antes de qualquer um aceitar o convite de Brok. “Aceitaremos isso… por enquanto. Ficaremos nessa parte e caçaremos as garra-brancas enquanto pudermos.”
Sua afirmação surpreende a todos, e a tensão no ar começa a se dissipar. Os orcs a encaram, seus rostos agora marcados mais pela confusão do que pela raiva.
“Ninguém aqui vai duelar com você nesse estado”, ela acrescenta, lançando um olhar firme ao redor. “Já derramamos sangue demais entre ontem e hoje.”
Não… não agora, ela pensa. Vai haver o momento em que você será cobrado pelo que fez.
Os guerreiros se aquietam, relutantes. A vontade de lutar ainda queima em seus olhos, mas nenhum ousa agir sob a ameaça silenciosa de Ursúla.
“Certo…”, resmunga Brok, soltando uma pesada bufada ao final. “Em alguns dias, quando a minha tribo chegar, também começaremos a caçar as garras-brancas de novo.”
“Por que vocês simplesmente não se mudam para a parte onde elas não estão? Em poucas noites, o tempo delas vai chegar.”
Brok fica calado por um instante antes de responder, “Não adiantaria nada.”
“Eu… não entendo.”
“Eu disse que queria mais do que as minhas terras. As tribos vão voltar a ser como eram antes… mas as coisas vão ser diferentes.”
O ambiente volta a ficar quieto. As palavras centradas de Brok soam estranhas aos orcs, como se fossem ditas por um louco. O sentimento de resignação se torna ainda mais pesado, pois é esse louco que agora impõe ordens a eles.
Brok se encaminha até o portão. Os orcs à sua frente dispersam-se, abrindo caminho, encarando-o com expressões que misturam raiva, medo e desconfiança.
“Isso não acaba aqui. Você ainda tem grandes problemas para resolver!”, diz Ursúla ao fundo. “O Lorde das Terras-Livres vai cobrar caro pelo que você fez com Estoratora.”
O forasteiro, enquanto anda, desvia seu olhar para o topo das muralhas de madeira que circundam a tribo. Acima da entrada, ele encontra um corvo cinza, encarando-o sem piscar silenciosamente.
Um sorriso leve se forma no canto de sua boca. Ela ainda está lá, ele constata, e a certeza renova sua determinação.
“O dragão… não vai causar problemas a mais ninguém”, Brok afirma, resoluto. “O Lorde das Terras-Livres não vai ter o que cobrar sobre Estoratora.”
Ursúla fica frustrada e rosna enquanto Brok passa pelos portões. O que ele quis dizer com isso?, ela se pergunta.
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