Capítulo 073 - Colossal roca!
Capítulo 073 – Colossal roca!
Aqueles três haviam continuado sua cavalgada pelas planícies, conforme o vento acertava fortemente seus rostos e mantos. Joana mantinha a mão na frente dos olhos para conseguir enxergar o que viria.
O céu tingia-se acinzentado, em um tom pálido com o peso do que estava por vir, claramente um entardecer sombrio.
Conforme os equinos bufavam e passavam furiosos, marcando com pressa seus cascos naquela relva alta. O folego quente das montarias demonstrava seu cansaço, não pela distância que percorreram, mas sim pela brutalidade e desespero praticamente selvagem que fora imposto pelos seus dois cavaleiros, as sentinelas Yelena e Badaboom.
— Ali está! — bradara Yelena, com a voz firme.
Seus cabelos dourados estavam presos em uma trança firme, erguera os olhos, de súbito. Quando notou, apontou para o horizonte.
O grasnado emanou, potente como um golpe, agudo como uma lâmina na carne.
Tão violento que Joana, tomada pelo pavor, colocara suas pequenas mãos nos ouvidos, com os olhos marejados e trêmula.
Badaboom encarou a criança, depois subiu o olhar para a sua tutora. O sentinela pensou se havia sido uma boa ideia ter convencido a sua superiora a trazer a criança.
Como os sentinelas eram doutrinados, influía em mexer com os medos dos aprendizes até que ficassem completamente apáticos em situações de tensão.
Joana mesmo não sabia, mas foram raros os casos de rocas atacando crianças ou pessoas de pequeno porte, principalmente se estes não fossem o motivo do seu chamado.
E os sentinelas compreendiam que o chamado da criatura estava nos muros de Sihêon.
O monstro colossal rasgou os céus, descera em espiral.
Um Roca, monstruoso.
Parecera uma muralha viva ao aproximar-se, beirava facilmente os dezesseis metros, contando toda a sua envergadura, definitivamente uma sombra viva que estava tampando o sol dos aventureiros.
Suas plumas mesclavam um tom marrom com fios dourados, cintilando como uma brasa de um fogo muito antigo.
Os dois encararam aquelas garras, reluzentes e imensas. Talhadas delicadamente como punhais letais.
Os adultos precisavam demonstrar naturalidade na presença da pequena garota, mas a verdade era que nenhum dos dois havia enfrentado algo dessa magnitude antes, mesmo que fosse deveras monstruoso e intimidador, aquela ave era lindíssima. Mítica.
Ambos já leram antes, sobre as criaturas lendárias, as aves de rapina colossais que dominavam os céus das montanhas mais elevadas nas regiões quentes e subtropicais do mundo nas eras passadas.
Havia um livro, originalmente escrito por um dos discípulos do Bruxo Negro, que ficara tão famoso que acabou recebendo diversas cópias pelos seus seguidores que desejavam espalhar o conhecimento bestial. “As Mais Profundas Feras Deste Mundo”.
Como era descrito, o temor que essas criaturas causavam fazia até os corações mais bravos estremecerem. Yelena e Badaboom não achavam serem escritas exageradas, mas naquele momento, enquanto encaravam a monstruosidade, perceberam que as linhas dos livros não alcançavam o verdadeiro medo.
Fisicamente, os rocas assemelhavam-se a águias, mas com proporções estúpidas. Geralmente descritos com plumagens de matizes marrons para o avermelhado, como havia registros de aves completamente vermelhas ou negras, que eram vistos, claramente, como um presságio da maior desgraça possível.
Eram criaturas dotadas de uma força descomunal e injusta, os rocas conseguiam erguer presas gigantescas, tão pesadas quanto um elefante de guerra, e então alçavam-nas aos céus com tamanha naturalidade.
— Firme, Bada!
Yelena gritara conforme seus cavalos tentavam se segurar no lugar, sentindo tanto medo quanto aqueles que os controlavam.
O misterioso sentinela consentiu com a cabeça, ele compreendeu que, além de uma ordem da sua superior, ela também gritava para ela mesma.
O apetite dessa criatura era voraz, insaciável. Voava alturas superiores a cem metros, onde, com seu olhar preciso e assassino, ávido em busca de qualquer sinal de vida, pairava.
Se a vítima fosse detectada, o monstro despencava em um mergulho assustador, golpeando com as garras afiadas, arrebatando a presa em um único instante.
Então levavam-nas para seus ninhos erguidos nos picos mais isolados, onde concluíam finalmente sua alimentação, não mais precisavam das suas garras, usavam seu bico monstruoso para dilacerar com movimentos lentos e precisos para arrancar cada pequeno fragmento de carne.
Badaboom, sempre silencioso, sentira o tremor subir-lhe completamente. O arqueiro fitou Yelena com um olhar preocupado, sua mão correra rapidamente no arco, seu corpo estava firme.
— …
Fora tudo que ele conseguiu expressar, um som rouco que ecoou levemente como um trovão guardado.
— Sim, eu sei. — Concordou a loira com a voz tensa. — Precisamos ser rápidos ou seremos mortos.
A criatura inimiga deu finalmente seu mergulho abissal, pois aqueles dois pontos chamativos pareciam uma boa presa.
Como um relâmpago, se aproximou do homem calado.
Badaboom em um reflexo quase involuntário, jogou-se para o lado, rolando pelo solo áspero, erguendo poeira. O cavalo que ele montava relinchou com desespero e os olhos arregalados, pois o Roca, em um movimento preciso, brandiu suas garras e o agarrou, alçando voo em um ímpeto, erguendo a montaria do sentinela como se fosse uma pluma.
Yelena, sem hesitar, havia erguido o arco e disparara flechas em uma sequência tão rápida que quase esvaziara sua aljava, entretanto, por mais que as setas cortassem o vento, não atingiram nem uma vez a ave monumental. Quando ambos puderam perceber, antes mesmo do cavalo poder procurar por socorro, tanto ele quanto o Roca já haviam sumido para além do alto das nuvens.
O silêncio reinou, por longos… longos minutos.
Joana estava tentando se esconder no meio da crina da montaria que ainda estava no chão, apertando seu próprio arco contra o seu peito a ponto de marcar sua pele, em completo pânico.
Yelena mantinha seus olhos fixos no céu, atenta, com seus músculos completamente rígidos.
Fora quando um estrondo reverberou, um som tão alto e tão violento que o chão pareceu ter estremecido. Um clarão do pó, sangue e ossos ergueu-se não muito longe da visão de todos: era o corpo do cavalo, lançado de tão alto que explodira ao tocar na terra, despedaçado tão brutalmente como se não fosse nada.
O grito que seguira fora o segundo grasnado do Roca, estridente como um trovão, logo, era possível ver a sombra da criatura retornando no horizonte, descendo com mais fúria, pois ainda havia inimigos em pé.
Badaboom já havia se erguido, ajustou sua postura, com sua fúria silenciosa, ele estava mantendo seu olhar cravado na besta. Yelena ao lado, erguera mais uma vez o seu arco, agora, esticava o máximo que conseguia, compreendeu que não venceria em velocidade, precisava perfurar a criatura de alguma forma.
A criança continuava trêmula, ela percebeu que esse mundo que ela desejou seguir, das caças e do arco, era, na verdade, uma crueldade que ela nunca poderia ter imaginado, nem nunca escutara, mesmo nos contos que te embalavam para dormir.
Mas ela não gritou, nem tentou fugir, mesmo que ela não conseguisse compreender com profundidade as coisas, existia uma centelha de coragem que continuava presente naqueles pequenos olhos. Yelena notou, e não esqueceria por nada.
O ar enrijeceu ao redor do trio, poderia ser tanto a tensão quanto a presença do monstro. O Roca estava acima da cabeça de todos, planando em círculos cada vez mais baixos, preparava-se para mergulhar uma vez mais. Seu grasnado repetiu, avisando a destruição do seu próximo ataque.
Badaboom preferiu manter-se em movimento, com seus pés ágeis e seu arco erguido com o olhar fixo na ave. Sua respiração estava contida, mas seu corpo estava tenso, seus músculos estavam preparados para explodir novamente na sua esquiva, ele ainda suava da situação que passou há pouco.
O novo rasante desceu com a fúria redobrada, aquelas garras enormes buscavam o sentinela mais uma vez, que em um giro veloz, jogou-se para trás rolando pela grama úmida.
A criatura chegou a arrancar-lhe uma faixa de tecido que rasgou empurrando Badaboom com mais agressividade para o chão, com menos medo que da última vez, o arqueiro mudo ergueu-se rapidamente e lançou uma flecha que, por mais que tivesse sido certeira, arranhara apenas uma das imensas plumas da ave.
Yelena aproveitou a distração e disparou uma segunda saraivada, fazendo suas flechas zumbirem como cortes no vento, agudas e furiosas. O Roca grasnou com ira, ascendendo de novo o céu escurecido da tarde, batendo as asas com uma força tão potente que ondas de poeira ergueram-se ao redor, ofuscando a visão dos mais próximos.
— … — Um som curto e enraivado vindo do sentinela.
— Claro que estou tentando, Badaboom, não me estresse! — Yelena gritara sem tirar os olhos do céu. — Viu como aquela criatura apenas repeliu sua flecha apenas com a pena? Que inferno Bada!
— … — Concordou o homem com a cabeça, quase como se estivesse tentando dizer “Não sei o que podemos fazer”.
Antes que a sentinela pudesse ter mais um pouco do seu monólogo, próxima ao seu companheiro de guilda, o monstro voltou a descer. O alvo fora o segundo cavalo, assim que Yelena percebeu as intenções da ave, cravou com voracidade seus calcanhares na lateral do animal, forçando-o a acelerar, mas era inútil.
Nem a montaria estava com coragem o suficiente para galopar pela planície, como o Roca, em um rasgo de velocidade, já estava sobre elas.
Instintivamente, Yelena agarrou Joana pelos ombros e a atirou para fora da sela com um empurrão firme.
— Vai! Se esconde nas árvores ao leste. Vai! — brandou a tutora, com uma voz tão rude, Joana nunca havia escutado aquele tom antes. — Fica lá e não atrapalha!
A mulher saltara para o lado oposto, pegava rapidamente mais uma das poucas flechas que restavam.
O cavalo, agora sem a sua amazona, relinchava em pânico antes de ser agarrado pelas garras abissais. O Roca ergueu-se novamente para os céus com o animal que debatia inutilmente, era possível escutar o som do cavalo gritando em agonia enquanto seus ossos estalavam-se em um quebrar grotesco.
A pequena Joana correra até o limite da clareira, escondendo-se atrás das árvores que a sua mestra havia ordenado. Estava com a respiração curta e desesperada, seu coração pulsava tão forte que ela sentia nos seus ouvidos. Ela espiava entre as frestas das folhas com olhos arregalados, observava Yelena e Badaboom se reagrupar e tramar uma forma de enfrentar uma criatura como aquela.
Ela temia, temia perder Yelena como perdeu seus pais.
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