Sentado à beira de minha cama, em um quarto pouco iluminado, eu segurava a adaga recém-adquirida, refletindo sobre a amarga ironia de meu novo título: matador de gigantes. Um título vazio, conquistado ao matar o hobgoblin, como se a simples designação pudesse de algum modo compensar a imensa solidão que agora me consumia.

    As sombras nas paredes pareciam dançar com a fraca luz da lâmpada, sussurrando segredos dos monstros que logo invadiriam este mundo, como predito pelo sistema, essa entidade fria e impessoal que me atribui recompensas e títulos sem sentido.

    Respostas? Ah, essas, sempre a me escapar, deslizando entre meus dedos como a areia fina de uma ampulheta quebrada. Quem, afinal, estaria por trás de tudo isso? Como poderia eu, um ser dilacerado pela dúvida, encontrar forças em um mundo que parecia desprovido de lógica, tão insano e desconexo quanto um sonho febril?

    Não havia barras de experiência visíveis, nenhuma métrica tangível de progresso, apenas um holograma de um “2” flutuando acima da minha cabeça — um lembrete irônico de que eu havia alcançado o segundo nível. Contudo, esse avanço parecia tão abstrato e ilusório quanto o próprio sistema que me aprisionava.

    Deveria eu então continuar a lutar? — A sabedoria popular sugere que a experiência é fruto da prática. Talvez, ao enfrentar novos desafios, eu pudesse forjar uma versão mais forte de mim mesmo. Mas essa noção, embora reconfortante, parecia uma fantasia utópica. — Apenas faria sentido se o arquiteto deste labirinto pensasse como eu.

    Cada batalha travada, cada obstáculo superado – será que realmente contribuiriam para o meu crescimento? Ou estaria eu apenas girando em círculos, prisioneiro de um ciclo vicioso, onde o progresso é uma miragem? — Essa ideia de autossuperação é sedutora, mas também cruel. Afinal, que tipo de força pode emergir do sofrimento contínuo, da repetição incessante de fracassos e pequenos triunfos?

    Se ao menos eu pudesse entender a mente por trás deste mundo distorcido… — Mas será que o criador compartilha dos meus dilemas, das minhas angústias? Ou sou apenas uma peça insignificante em um jogo cósmico, onde minhas lutas são meros entretenimentos para um espectador distante e indiferente?

    O desejo de se tornar mais forte, de transcender minhas limitações, é inato. No entanto, a realidade parece zombar de meus esforços, tornando cada passo adiante uma conquista vazia. — Será que a verdadeira força reside na aceitação de minha condição, na compreensão de que talvez não haja saída, mas sim um caminho a ser trilhado, por mais árduo e desolador que seja?

    Reflexões como essas, mais profundas que qualquer dor física, corroem minha alma. Continuar a lutar ou resignar-me à minha sorte? — A resposta parece escapar-me, escondendo-se nas sombras de um destino que eu, teimosamente, me recuso a aceitar.

    Em meio a este turbilhão de pensamentos, uma pergunta persistente: por que continuar? — Será que a busca por significado em um sistema tão insensato não é, por si só, uma forma de resistência? E se minha luta, mesmo em sua aparente futilidade, for um ato de desafio contra a própria absurda lógica que me aprisiona?

    Neste labirinto, ouço a voz de Thoran, ecoando minhas dúvidas, reforçando minhas inquietações. “Será que tudo isso vale a pena?” — ele pergunta, a sombra de um sorriso irônico em seus lábios. Sua presença, uma voz distinta em meio ao caos, adiciona uma nova camada à minha introspecção, tornando a luta contra a realidade ainda mais complexa.

    “Merda, Thoran não sai da minha cabeça…”

    Semanas haviam-se passado, mas ainda não consigo fechar os olhos sem rever aquela cena. — A cabeça voando, o sangue jorrando. Não lembro como cheguei em meu quarto novamente. — Enviei uma mensagem via Whats para ele e não obtive resposta. Meu melhor amigo também não me responde… tudo parece estar desandando.

    As noites são longas e insuportáveis, cada tentativa de sono se transforma em um pesadelo acordado. — Por que ele teve que partir daquela maneira? A culpa e o desespero se misturam, formando um nó em meu peito que parece impossível de desatar.

    Olho para o celular novamente, esperando por uma mensagem que nunca chega. Cada momento de silêncio é uma tortura, uma lembrança constante de minha impotência.

    — O maldito nem para me dizer que já havia perdido sua família… — O tutorial de thoran havia sido uma pequena orda de monstros em sua casa, ele foi o único sobrevivente. Isso explicava o seu olhar vazio naquele dia.

    Talvez seja melhor assim, pelo menos, após a morte, ele não irá mais sofrer com a perda de quem amava, e com toda a culpa de ter sido incapaz de proteger os outros.

    — Um banho, é disso que eu preciso.

    Olhando para o espelho do banheiro após o banho, uma nova realidade se reflete diante de mim. — Observando a transformação do meu corpo, não posso deixar de exclamar, meio surpreso, meio resignado:

    — Caraca, eu fiquei trincado, hein.

    A água escorre pelo meu corpo, levando consigo parte do cansaço e da dor que carrego. — O vapor embaça o espelho, mas aos poucos a imagem vai se revelando. Vejo um reflexo diferente, um corpo moldado pelas adversidades, marcado pelas lutas diárias.

    Os músculos estão bem definidos, cada linha e contorno mostrando a força adquirida. — O peitoral amplo e firme, os ombros largos e poderosos, braços esculpidos que parecem prontos para enfrentar qualquer desafio. As costas, fortes e musculosas, descem em V até uma cintura definida, revelando um abdômen trincado.

    Porém, não são apenas os músculos que chamam a atenção. — Há uma cicatriz que se destaca, uma marca que não lembro de ter conseguido. — Uma linha fina e pálida que atravessa meu abdômen, talvez adquirida após a batalha com o hobgoblin, no período nebuloso antes de voltar ao meu quarto. 

    Além disso, há o anel…  — Um anel na minha mão, outro detalhe que não lembro de ter conseguido. — Ele é simples, mas robusto, com um brilho metálico que contrasta com a minha pele.

    Olhando no espelho, as memórias súbitas do Fragmentado invadiram minha mente, turvando minha percepção. — Parecia que meu reflexo me encarava com um sorriso sinistro, quase zombeteiro, como se estivesse debochando da ansiedade crescente em meu coração. Uma parte de mim sempre temia que esse reflexo ganhasse vida própria, arrastando-me para mais um desastre inesperado.

    Respirei fundo, tentando afastar essas memórias perturbadoras. — Mas o reflexo permanecia lá, fixo e inabalável, como um guardião cruel de minhas piores lembranças. 

    — Realmente, você ficou mais forte do que era antes — meu pesadelo havia se tornado realidade.

    Diante de mim, no espelho do banheiro, a figura do Fragmentado se materializava, turvando a fronteira entre o real e o imaginário. Que inferno está acontecendo? Eu só queria tomar um banho, um momento de paz, mas agora, até minha privacidade se dissolveu no absurdo. No entanto, esse não é meu maior temor.

    Meu coração disparou, batendo como um tambor descontrolado no peito. O vapor do banho, que antes parecia reconfortante, agora se transformava em uma névoa opressiva.

    “Se ele está aqui, será que o caos já começou?” Me perguntei, a dúvida corroendo minha sanidade. 

    “Nah, mal acabei de sair da primeira masmorra” Uma faísca de esperança acendeu dentro de mim.

    — Começou! — disse o Fragmentado, com uma calma que era verdadeiramente assustadora.

    Ah, velho… essa era exatamente a confirmação que eu temia receber.


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