Capítulo 9 - A conversa na fogueira
Thoran, Wian e eu estávamos sentados em um canto escuro da caverna, com uma fogueira fraca lançando sombras dançantes nas paredes de pedra. O confronto com os goblins havia deixado marcas visíveis e invisíveis em cada um de nós. Exaustos e feridos, compartilhávamos um silêncio pesado, cada um perdido em seus próprios pensamentos sombrios.
Thoran, o mais robusto entre nós, observava o fogo com olhos vazios. Seus ombros, normalmente firmes e eretos, agora estavam caídos, como se carregassem o peso do mundo. Havia algo de trágico em sua postura, uma aceitação amarga de uma realidade que se impunha sobre nós de maneira implacável.
— Não sei quanto tempo mais conseguiremos continuar assim — disse ele, com a voz pesada de desesperança, como se cada palavra fosse uma sentença de morte. — Estamos sendo caçados. Cada dia parece uma luta contra o inevitável, uma batalha perdida desde o início.
Wian, geralmente o mais otimista entre nós, estava visivelmente abatido. Suas mãos tremiam levemente enquanto tentava, em vão, acalmar seu espírito. Havia algo de profundamente trágico em sua expressão, uma espécie de resignação amarga ao destino cruel que parecia nos perseguir incansavelmente.
Seus olhos, antes cheios de esperança, agora refletiam apenas um vazio desesperador, como se a própria luz tivesse abandonado sua alma.
— Nós já superamos obstáculos antes — murmurou ele, embora suas palavras soassem ocas, desprovidas da convicção necessária. — Temos que acreditar que ainda há uma saída.
Ergui o olhar e observei meus amigos, cada um preso em suas próprias reflexões melancólicas. — Não é apenas sobre sair disso, Wian — disse calmamente, minha voz carregando um peso que não conseguia disfarçar. — É sobre o que fazemos enquanto estamos aqui. Precisamos de um plano, algo que nos mantenha unidos e focados.
As palavras saíram dos meus lábios com uma frieza calculada, mas dentro de mim, a angústia e a desesperança fervilhavam. Olhei para Wian e vi o reflexo de minha própria desilusão.
Havia algo profundamente perturbador em seu olhar, uma sombra de desespero que eu conhecia bem. Era como se, naquele momento, todos nós estivéssemos confrontando nossos próprios demônios, tentando encontrar sentido em meio ao caos que nos cercava
O silêncio recaiu sobre nós novamente, desta vez mais pesado, como se a gravidade das minhas palavras tivesse puxado todo o ar da caverna. Thoran finalmente quebrou o silêncio, sua voz firme mas suave.
— Precisamos fazer um pacto.
Os olhos de Wian se arregalaram ligeiramente, refletindo uma mistura de surpresa e apreensão. — Um pacto?
— Sim — respondeu Thoran, com uma voz grave que parecia carregar o peso de mil invernos. — Se algo acontecer a qualquer um de nós, os que ficarem devem proteger aqueles que o falecido amava. Garantir que eles fiquem seguros.
A ideia de um pacto, em meio à escuridão opressora da caverna, carregava uma seriedade quase ritualística. Os olhos de Wian, arregalados pela surpresa, agora pareciam ponderar as implicações de tal promessa. Era como se estivéssemos selando nosso destino com palavras, uma tentativa desesperada de encontrar um fio de ordem no caos que nos envolvia.
Assenti lentamente, compreendendo a profundidade da proposta.
Assenti lentamente, compreendendo a profundidade e a gravidade da proposta. — É uma promessa que pode nos dar força — disse, minha voz ressoando com uma estranha mistura de esperança e resignação. — Uma razão para continuar lutando, mesmo quando tudo parecer perdido.
Wian, ainda processando a ideia, finalmente concordou, suas feições refletindo a luta interna que travava. — Se eu cair — disse ele, com a voz quebrando ligeiramente, como se cada palavra fosse um peso insuportável —, cuidem da minha irmã e dos meus pais. Eles não têm mais ninguém além de mim.
Quando chegou a vez de Thoran, ele hesitou. Seus olhos desviaram do fogo e fixaram-se no chão, como se procurassem respostas nas sombras. — Se eu cair — começou ele, com a voz quase um sussurro, cada palavra pesando como uma confissão —, minha… esposa e meu filho. Eles são tudo para mim.
Observei Thoran com atenção, tentando decifrar o enigma que ele se tornara. Havia algo na maneira como falava, uma tensão palpável em seus músculos, uma sombra que parecia assombrar seu olhar.
Ele não levantou os olhos para nos encarar, e suas palavras, embora firmes, carregavam uma nota de incerteza, um eco de temor. Algo estava errado, mas não era o momento para questionar.
Thoran era um homem de poucas palavras e muitos segredos, e naquele instante, seus segredos pareciam mais pesados do que nunca.
Finalmente, voltei-me para os dois.
— E se eu cair — disse —, cuidem das minhas duas irmãs. Elas são fortes, mas todos precisam de apoio em tempos difíceis.
— Prometemos — disseram Thoran e Wian, sentindo o peso das palavras que estavam proferindo.
O pacto foi selado em silêncio, sem necessidade de mais palavras. Sabíamos que, a partir daquele momento, nossas vidas estavam irrevogavelmente entrelaçadas não apenas pela amizade, mas por uma promessa sagrada. A conversa, apesar de sombria, trouxe uma sensação de propósito renovado.
Sabíamos que, independentemente do que o futuro nos reservasse, enfrentaríamos juntos, como uma unidade indestrutível, lutando não apenas por nós mesmos, mas pelos que amávamos.
A fogueira crepitava suavemente, lançando sombras inquietas nas paredes da caverna, enquanto Thoran permanecia imóvel. Notei como ele evitava nossos olhares, preferindo fixar-se em um ponto indefinido no chão, seus dedos tamborilando levemente na pedra fria ao seu lado.
A tensão em seus músculos era evidente, como se cada movimento fosse meticulosamente controlado para não revelar demais. Houve um momento, breve mas perceptível, em que ele passou a mão pela testa, limpando um suor que parecia não existir, um gesto nervoso que destoava de seu comportamento habitual.
Seus olhos, quando finalmente se ergueram, tinham uma estranha opacidade, uma falta de foco que sugeria que seus pensamentos estavam muito longe dali. Algo em seu comportamento me deixava inquieto, mas a gravidade da situação não permitia questionamentos.
A cada segundo que passava, a sensação de que ele escondia algo crescia em meu interior, uma suspeita que eu não podia ignorar, mas que precisava ser guardada para um momento mais oportuno.
— Está na hora de prosseguir — disse calmamente, rompendo o silêncio que nos envolvia. Levantei-me, sentindo a tensão nos músculos, mas determinado a seguir em frente. — Não podemos ficar aqui para sempre.
Com um último olhar melancólico para a fogueira crepitante, nos preparamos, em silêncio.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.