A pena começou a escrever no papel. Daquela ponta saía a própria escuridão, uma tinta negra como a noite mais profunda. Quando assinei, percebi que parte das minhas cores estavam sendo sugadas para o contrato, como se realmente estivesse perdendo uma parte de mim.

    Era uma sensação de desvanecimento, de uma sombra que se aprofunda. Ao terminar de escrever meu nome, uma lacuna se abriu dentro de mim. Perdi uma parte de mim mesmo, tudo ao meu redor parecia menos vibrante, como se o mundo tivesse se tornado um vasto deserto monocromático.

    Voltei para minha pessoa. Estranhamente, nada havia mudado; nem um segundo sequer havia se passado no mundo real. No entanto, algo estava diferente. A capa que eu havia trazido comigo desaparecera, e, de algum modo, eu sabia instintivamente como ativar minha nova habilidade. Era como se aquele conhecimento sempre tivesse estado lá, um saber inato e perturbador

    “Se ele realmente pode vender qualquer coisa, então certamente sabe o que está acontecendo.”

    Começamos a caminhar pela cidade, e ela transbordava uma magia que parecia brotar de cada canto, impregnando o ar. Lojas de itens mágicos exibiam suas mercadorias encantadas; poções de cura e de amor eram oferecidas como se fossem simples especiarias. 

    Bolsas sem limites de armazenamento desafiavam a lógica, e as pessoas, absortas em suas rotinas, ocasionalmente soltavam feitiços para resolver problemas mundanos – como um ferreiro que, sem sequer hesitar, usava magia para acender o fogo de sua fornalha. 

    A cidade pulsava com uma energia surreal, onde o extraordinário se tornava ordinário, e eu me via envolto em um cenário que desafiava toda racionalidade, preenchendo-me com uma inquietação latente.

    Um pouco surreal para quem não conhecia nada disso até uma semana atrás, entretanto, meu maior objetivo era não deixar transparecer a surpresa. Não queria parecer um caipira que vai para a cidade grande pela primeira vez.

    Tudo parecia uma grande aventura, como se tivesse saído de um jogo. E eu, como um geek clássico, sentia um impulso incontrolável de testar tudo. Como funcionava a luz aqui? Que tipo de magia utilizavam? Qual o princípio por trás dessas forças sobrenaturais? Como, caralhos, tudo isso era possível?

    Depois de uma tarde exaustiva de caminhada, onde o tempo parecia brincar com nossas percepções – ainda era dia, diferente da Terra – decidimos retornar aos portais. A intenção era simples: verificar se estavam abertos, uma precaução necessária naquele mundo estranho e incerto.

    Ao nos aproximarmos da praça, o local de nossa chegada, avistamos um grupo de três pessoas. A presença deles emanava uma energia inquietante. Toquei o ombro do meu colega, sentindo um misto de ansiedade e determinação.

    “É com você,” murmurei. Ativei o mecanismo de invisibilidade, e me retirei para as sombras, deixando que a tensão se desenrolasse sem a minha presença visível.

    Assim que Alessi foi avistado pelo grupo, eles começaram a se aproximar. O líder, um anão, com semblante severo e carregando um porrete descomunal que parecia desafiar as leis da física, equivalendo-se em tamanho ao próprio portador, emanava uma presença opressiva. A aura de poder era palpável.

    Os elfos que o acompanhavam vestiam uniformes que traziam inscrito o acrônimo DIVIIP. As vestes, impecavelmente alinhadas, lembravam os trajes de oficiais de justiça, conferindo-lhes uma aparência de autoridade inquestionável.

    — Boa tarde — disse o anão, sua voz grave e carregada de autoridade — Somos do Departamento de Investigação de Viagens Interplanares e Interdimensionais com uso de Portais. Aquela porta ali é sua?

    Ele apontava com um dedo caloso e firme para a porta do meu banheiro.

    — Ahn… é do meu amigo — respondeu Wian, com um tom de voz hesitante.

    — E onde ele está? — inquiriu o anão, com um tom grave e acusatório. — Deixar um portal aberto é um crime grave.

    — Boa pergunta — repliquei, tentando disfarçar a inquietação. — Por quê? Ele está encrencado?

    — Não, não está — respondeu o anão, sua voz suavizando-se ligeiramente, mas ainda carregada de autoridade. — Aparentemente, vocês não são daqui. É algo razoavelmente comum, o aparecimento de pessoas de outros planetas. Só precisamos explicar quais são as leis básicas por aqui.

    “Ufa”

    Eu já havia me distanciado do Wian e, com passos cautelosos, contornei o grupo, posicionando-me atrás do anão. Caso uma briga começasse, eu já estaria em uma posição vantajosa. Observando que a situação não representava perigo imediato, desativei minha habilidade de invisibilidade, surgindo subitamente atrás daquele pequeno oficial.

    Serei sincero, não fiz um único movimento, apenas deixei que minha presença se revelasse. No mesmo instante em que me tornei visível, ele virou o rosto na minha direção. O medo percorreu minha espinha — a percepção dele era assustadoramente apurada.

    Fomos conduzidos até a base de operações da polícia. Uma parte de mim estava tomada por um medo quase paralisante de ser preso, mas ele havia garantido que isso não aconteceria, então continuei a segui-lo.

    Eu poderia descrever o lugar, falar sobre o caos que o preenchia, a multidão que se aglomerava, e a clara autoridade que o oficial exercia ali. Poderia contar sobre os detalhes das instalações, a atmosfera tensa e a rotina frenética dos oficiais. No entanto, minha atenção foi completamente capturada por algo muito mais cativante.

    O anão me levava em direção à mais bela dama que eu já havia visto. Sua presença eclipsava tudo ao redor, e cada passo que eu dava em sua direção fazia o ambiente ao meu redor desaparecer. Ela se destacava como uma visão etérea em meio ao mundano, tornando impossível para mim focar em qualquer outra coisa.

    Era uma elfa. Seus longos cabelos castanhos, entrelaçados com plantas e adornados por uma profusão de flores, caíam graciosamente sobre seus ombros. Os olhos, de um castanho escuro profundo, uma das minhas cores favoritas, refletiam uma sabedoria ancestral e uma doçura cativante. 

    Seu nariz pequeno e arredondado era a epítome da delicadeza, e sua pele, de um tom entre o levemente moreno e o de alguém que raramente se expõe ao sol, irradiava um brilho celestial.

    Eu admito, meu queixo caiu. A visão daquela figura quase sobrenatural me arrebatou completamente. E, para piorar a situação, ela virou-se na minha direção.

    Parecia que ela sorria para mim!

           — Esses que são os perdidos? 

    Ah, sim, ela estava, na verdade, mal-encarada, com uma expressão de severidade que quase me fez recuar. Mas, em meu íntimo, tenho certeza absoluta que se apaixonou por mim à primeira vista.

    Se ela pudesse ler essas palavras, eu provavelmente receberia um tapa.

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