Foi apenas então que ele notou a presença de nossa nova integrante. Com uma breve troca de apresentações e a necessária autorização formalizada, estávamos prontos.

    Caminhávamos em direção à taverna. Era um alívio cínico saber que meu treinamento fora completado não nas universidades da vida, mas sim em frente à tela da televisão, absorvendo avidamente as farsas das séries policiais.

    Ao chegarmos, porém, não tivemos tempo de nos acomodar. Sem demora, o Anão nos guiou até o recinto certo, abrindo caminho por entre as mesas e os olhares curiosos que tentavam captar qualquer sinal do que estava acontecendo.

    A cena do crime era um quarto apertado, onde a presença da violência era inegável. O pequeno, e sufocante, espaço estava no segundo andar de uma velha casa. O chão de madeira rangia sob os pés. 

    A cama, grande e desarrumada, parecia testemunhar uma batalha desesperada. A mesa de trabalho, outrora local de alguma ordem, agora era um caos de papéis e objetos espalhados. 

    As paredes, marcadas por arranhões e cortes profundos, contavam a história de uma luta. Havia sangue até no teto.

    — Pergunta mais óbvia: quem encontrou o corpo? Porquê só no dia seguinte? Como é possível que ninguém tenha ouvido isso? — indaguei, apontando para o caos no quarto.

    — Belchior, você esquece que estamos em um mundo onde a mágica é algo cotidiano. Provavelmente estamos lidando com alguém extremamente habilidoso, tanto na magia quanto na luta — respondeu Wian

    Continuo a observar atentamente cada detalhe. O próximo ponto óbvio é a mesa, onde repousa uma caixa fechada, ao lado de uma faca de abrir cartas. Um conjunto de papeis espalhados, junto com uma lupa, um lenço de bolso cuidadosamente dobrado e algo que se assemelha a uma caneta.

    A caixa permanecia fechada, e as cartas, vistas de relance, mencionaram um certo Zephyros, diretor da academia de magia, e faziam referência a uma descoberta que deveria permanecer oculta — e de fato, assim ficou… 

    Peguei uma lupa, esperando que ela revelasse algum mistério oculto, algo que apenas os olhos treinados pudessem ver. Examinei com cuidado, de perto e de longe, mas nada aconteceu. 

    A lupa era apenas um objeto antigo, desgastado pelo tempo. Por fim, restavam os lenços… peças desconexas em um quebra-cabeça que, quanto mais se olhava, menos fazia sentido.

    — Então, agora é só ir ver o diretor da academia? — Wian murmurou, sua voz tingida de um ceticismo que só cresce em situações sem clareza. — Ainda não entendo por que nos chamaram.

    — O diretor só poderá nos receber na terça — disse ele, como se cada palavra fosse uma tentativa inútil de alcançar alguma certeza. — Queria saber se vocês achariam algo que deixamos escapar… O diretor é… bem, ele é um desses homens com os quais falar é difícil, e talvez, no fundo, desnecessário.

    Alessi fez um movimento lento com a cabeça, um gesto que parecia mais uma aceitação resignada do que uma concordância verdadeira. Ao encarar novamente o quarto, deparou-se com seu melhor amigo, cuja expressão revelava uma concentração quase doentia.

    — Conseguiu descobrir alguma coisa? — perguntou Wian.

    — CARA, EU NÃO SEI! COMO POSSO SABER? — exclamou, sua voz repleta de um desespero quase palpável. — Com magia, as possibilidades são infinitas… 

    — Ele poderia ter enviado um homúnculo, poderia ter atacado através de um portal… talvez tenha criado um portal e entrado por ele, ou até mesmo utilizado um conhecido, já que a porta não está quebrada. 

    — E se ele tivesse preparado uma bomba mágica previamente? Ou, quem sabe, controlado outra pessoa para fazer o trabalho sujo? Não dá para ter certeza de nada! Até mesmo esses itens… e se forem mágicos? Não me surpreenderia nada se, ao esfregar esse lenço na caixa, ela se abrisse!

    Meu amigo lançou-me um olhar que misturava fascínio e uma espécie de reverência cética, como se estivesse diante de um gênio incompreendido por todos, exceto por ele. Sem hesitar, pegou o lenço e a caixa, esfregando-os juntos com uma determinação obstinada.

     A princípio, nada aconteceu. Ela permaneceu fechada, indiferente ao esforço. Mas ele não se deixou abalar. Continuou esfregando, com uma teimosia que parecia desafiar o próprio destino. De repente, começou a brilhar.

    Deixe-me explicar: a “caixa” era, na verdade, algo mais complexo — um dodecaedro, embora eu tenha chamado de caixa por mera conveniência, pois parecia algo destinado a guardar coisas.

    Cada uma de suas doze faces geométricas era perfeitamente lisa, feita de um material desconhecido, algo entre o metal e a pedra, com um brilho opaco que absorvia a luz ao invés de refletir. As arestas eram afiadas e precisas.

    Quando começou a brilhar, o dodecaedro parecia ganhar vida própria. O brilho não era uniforme; pulsava como se tivesse um ritmo, uma batida silenciosa que ecoava na mente daqueles que o observavam. 

    À medida que a luz se intensificava, símbolos intrincados emergiram em cada uma das faces. Estes símbolos, gravados com uma precisão quase sobrenatural, pareciam mudar ligeiramente conforme o ângulo de observação, como se contivessem uma linguagem viva.

    — O que é isso? — perguntou o anão, com uma mistura de surpresa e suspeita, seus olhos estreitos fixos na estranha figura diante de nós.

    Minha resposta foi simples, mas carregada de uma ironia sombria:

    — Eu não sei… mas o sujeito que estava escondido debaixo da cama provavelmente sabe.

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