Capítulo 25 - Cicatrizes e Sombras
Naquela época, eu ainda vivia imerso em uma ilusão, acreditando que a vida se assemelhava a um conto de fadas. Convencia-me de que, por mais sombrias que fossem as circunstâncias, eu era imune à morte, e que, de algum modo, o bem triunfaria inevitavelmente sobre o mal.
Era uma visão infantil e simplista dos acontecimentos, como se eu desesperadamente quisesse me enxergar como o protagonista de uma história, buscando um sentido heroico para a minha existência, na esperança de que o destino me reservasse algo grandioso.
Mas, à medida que o tempo passava, percebia as falhas profundas na minha visão de mundo: como poderia um apocalipse devastador ocorrer em meu mundo, quando há tantos seres poderosos que, em teoria, teriam o poder de impedir tal catástrofe? Tantas pessoas estavam morrendo, e eu não conseguia fazer nada…
Por que eu vim parar aqui? Que papel estou destinado a desempenhar?
— Novas cicatrizes… — murmurei para mim mesmo, notando com uma ponta de resignação que fazia meses desde minha última recaída.
Um lembrete doloroso de minha fragilidade, um sinal de que não apenas as feridas do corpo, mas também as da alma, continuavam a se acumular sem cessar.
Eu envolvi meu corpo na capa, usando-a para ocultar os novos machucados. Não desejava que meus amigos vissem as marcas, para que não se preocupassem além do necessário.
Com a intenção de distrair minha mente das sombras que me assombravam, voltei minha atenção para uma das aranhas robóticas.
Meus companheiros haviam levado quase todas, mas eu fiz questão de reter uma para mim. Precisava sentir, com minhas próprias mãos, os contornos metálicos e entender a engenharia por trás de sua construção.
Havia algo quase terapêutico, era como desvendar um enigma. A análise mecânica tornou-se, naquele momento, meu refúgio momentâneo, uma tentativa de manter a sanidade enquanto tudo ao redor parece ruir.
O complexo arranjo de circuitos e componentes mágicos me intrigava profundamente. Observando atentamente, conseguia deduzir, através dos padrões e conexões entre os circuitos, a função de cada parte arcana.
Os “olhos” da criatura, se assim posso chamá-los, não eram lentes, mas sim conjuntos de pedras preciosas finamente lapidadas que, suspeito, capturavam mais do que meras imagens.
A energia que impulsionava essa maravilha não vinha de baterias convencionais, mas de cristais pulsantes de energia, cuidadosamente incrustados ao longo de seu exoesqueleto. Cada cristal brilhava com uma luz interna, pulsando em um ritmo universal.
— Padrão Harmônico! — constatei — A engenharia disso é realmente incrível…
…
— Na verdade, eu não sabia que estava colocando vocês em algo tão perigoso logo de cara. Vou retirar vocês do caso — disse o anão com uma firmeza que deixava pouco espaço para argumentos.
— Tá de sacanagem, né? Agora que já passamos por isso? Eu quero achar o culpado agora, eu tive que acabar com a vida de um cara! — minha voz saiu mais alta e trêmula do que pretendia, a indignação pulsando em cada palavra.
— Primeiro, não foi você que acabou com a vida dele, apenas o poupou de um sofrimento desnecessário. Segundo, é muito perigoso, esse tipo de acontecimento não é comum por aqui — Kadri interrompeu com veemência, suas palavras cortantes como a lâmina de uma faca. — Não sabemos se é um movimento do submundo ou o que, mas vocês ainda não sabem se cuidar o suficiente. Estão oficialmente dispensados.
Suas palavras pesavam sobre mim como uma sentença. Lá estava eu, enfrentando não apenas a culpa, mas também a desilusão de ser rejeitado.
A desilusão que senti naquele momento era densa, quase palpável, uma neblina de desespero que se enrolava em torno do meu coração. Senti-me diminuído, quase traído.
Caminhei sozinho, afastando-me dos dois, cada passo ressoando sobre as pedras antigas como um eco das palavras duras que acabara de ouvir. Minha mente girava com pensamentos tumultuados.
As vozes de Wian e Ravi tornaram-se distantes, meros sussurros que o vento carregava embora antes que pudessem atingir minha consciência. Eu estava mergulhado no abismo de minha própria psique, incapaz de prestar atenção em meus amigos, incapaz de escutá-los.
Sabia que eles não estavam contentes com essa decisão, mas naquele momento, a capacidade de considerar suas preocupações havia me escapado completamente.
Egoísta? Provavelmente. Mas quem disse que não sou? Lido com meus próprios traumas em uma luta constante e solitária; esperar que eu ajude os outros a lidar com os deles é pedir mais do que posso oferecer.
Cada um de nós carrega seus fardos, e os meus já eram pesados demais para que eu pudesse tomar para mim os deles. Não por malícia ou desdém por aqueles que caminhavam ao meu lado, mas por uma sobrevivência emocional que me era necessária.
Caminhava em direção à minha casa, quase num transe, com os olhos vazios e passos lentos, enquanto um único pensamento reverberava obstinadamente em minha mente:
“Eu me recuso, me recuso a abandonar isso agora!”
À medida que me aproximava de casa, sentia a cama me chamar; estava psicológica e emocionalmente exausto. Ao me deitar, meu corpo afundava no colchão macio, e minha mente começou a se apagar rapidamente.
Com as últimas reservas de energia que consegui reunir, preparei meu despertador, apenas instantes antes de me entregar completamente ao sono.
Nas poucas horas que se seguiram, meu descanso foi profundo e sem sonhos, um raro alívio da turbulência que havia consumido meu dia.
Aos poucos, começo a emergir do sono, levantando meio desesperado ao ver o horário: 1 da manhã. Perfeito. Por sorte, ou azar, eu havia adormecido com as roupas do dia anterior, o que certamente agilizaria minha saída.
Mas isso também significava que teria de limpar minha cama… Merda! Depois me preocupo com o sangue. Não quero preocupar minha família desnecessariamente.
Com determinação, me dirigi à porta, pronto para retornar à Telos e aprofundar minha investigação sobre o caso.
Ao abrir a porta, deparei-me com a cidade… Ela estava alegre? Não esperava ver uma vida noturna tão vibrante na cidade.
— Bem, como tem várias espécies, com certeza algumas são mais ativas à noite. Faz sentido — murmurei para mim mesmo enquanto me encaminhava para o departamento policial.
“Chegando lá, era só ficar invisível e dar uma olhada nos registros. Com certeza havia informações que não me passaram.”
Nesse momento meus pensamentos foram interrompidos por uma voz familiar:
— Que demora, estou te esperando a mais de uma hora. Você não sabe como me decepcionaria se não viesse.
“Wian… seu maldito, você me conhece bem demais.” A surpresa de encontrá-lo ali, esperando, foi um misto de irritação e alívio. Ele sempre soube como me tirar do eixo, mas também como me puxar de volta quando eu mais precisava.
— Duvidando de mim? Parece que não me conhece — falei, tentando manter a voz firme e indiferente, mas um sorriso traiçoeiro escapou, denunciando meu prazer em vê-lo ali.
— Vamos logo acabar com isso — acrescentei, ajustando minha postura, preparando-me para o que vinha a seguir. A presença de Wian, inesperada como era, injetava uma nova energia em minhas veias.
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