Capítulo 27 - Risco e redenção
Minha mente corria, frenética, tentando formular uma desculpa que não fosse completamente desmascarada. Sabia que, ao desobedecer a ordem de Kadri e seguir investigando o caso por conta própria, eu corria o risco de piorar ainda mais a situação — talvez ser afastado permanentemente ou até enfrentar consequências mais severas.
— Então… — comecei, usando o meu melhor sorriso forçado, aquele que normalmente funcionava para disfarçar improvisos. — Eu estava apenas… revisando o caso, entende? Tentando ter uma visão mais ampla, como um… estudo extraoficial, um teste de segurança, só para garantir.
Kadri estreitou os olhos, e a frieza do seu olhar já dizia tudo: ela sabia que eu estava enrolando.
— Certo. Então você decidiu burlar uma ordem direta e trabalhar “extraoficialmente” no caso que eu mesma te tirei, para… que mesmo? — Ela falou pausadamente, carregando cada palavra de um sarcasmo cortante. — E como isso reflete na sua tão “profissional” decisão de invadir minha sala, detetive?
Engoli em seco, sentindo o peso de cada palavra. Olhei ao redor, na esperança de que algo — talvez algum documento ou algum detalhe no ambiente — me desse uma pista de como sair daquela situação.
— Bom… descobri que… — hesitei, sentindo a confiança escorregar. — Descobri que… hum… a sala está em plena segurança, tudo no lugar, sem problemas… nada de anormal. — Minha voz saiu quase num sussurro ao final, sem qualquer traço de convicção enquanto Kadri me estudava com seu olhar de aço.
Ela soltou um suspiro de impaciência e avançou até ficar a poucos centímetros de mim. Cada instinto gritava para que eu recuasse, mas me mantive imóvel, sabendo que qualquer movimento poderia ser o último prego no meu caixão.
— Escute bem — disse ela, numa voz baixa que vibrava com ameaça. — Eu já te retirei do caso, lembra? E, francamente, a única razão pela qual você não está oficialmente suspenso neste momento é porque ainda acho que você pode ser útil… em algum nível.
“Útil em algum nível.” Tentei decifrar o que aquilo significava, mas a pressão só aumentava.
— Kadri, eu só queria… entender o caso a fundo, certo? Achei que, mesmo fora oficialmente, eu poderia encontrar algo importante, algo que você talvez não tivesse visto… para ajudar, sabe? — tentei soar convincente, lutando para esconder o nervosismo crescente.
Ela me observou em silêncio, como se decidisse se valia a pena me despedaçar verbalmente ou me dar uma chance. Seus olhos pareciam cintilar com uma faísca de compreensão, ou talvez fosse só meu desejo de acreditar que ela me daria um crédito.
— Vou fingir, por um segundo, que acredito nesse seu argumento — disse, esboçando um sorriso ameaçador. — Mas saiba que você agora me deve uma… e uma dívida dessas eu nunca deixo passar.
Um calafrio percorreu minha espinha. Saber que Kadri tinha agora um trunfo contra mim era muito mais aterrador do que qualquer suspensão formal.
Ela deu um passo atrás, ajeitando o casaco, e com um último olhar que misturava desprezo e diversão, virou-se para sair. Na porta, lançou uma última advertência:
— Ah, e da próxima vez que quiser desobedecer uma ordem, sugiro que seja em algo menos… perigoso.
— Eu sei que, aos seus olhos, pode parecer isso… mas não estou tentando ser o heroi. Estou tentando corrigir meu erro. Eu sei que posso ter arruinado minha reputação aqui, mas não quero reconhecimento, apenas redenção.
— Você se dá conta do que está me pedindo, não é? — Ela falou em tom seco, quase exasperado. — Ainda mais depois de desobedecer uma ordem direta.
Kadri estava diante de mim, o rosto endurecido numa expressão de desaprovação que, ao invés de dissuadir, parecia realçar sua beleza com uma intensidade feroz. Era uma figura impressionante, dessas que só se encontram em raros quadros, e que se faz notar não pela doçura, mas pela frieza altiva que quase a isolava do mundo comum.
Seus olhos, estreitos e inquisitivos, cravavam-se nos meus como lâminas, impiedosos e convictos, enquanto sua postura — firme, quase militar — não deixava dúvidas sobre o poder que exercia ali.
A sua beleza era fria, feita de gelo e aço, e era precisamente essa impenetrabilidade que a tornava arrebatadora.
— Muito bem. Eu vou permitir que você volte ao caso — disse ela, finalmente, com a voz fria e calculada. — Mas com uma condição: você está me devendo uma, e pode ter certeza de que vou cobrar.
Ela se virou, e quando já estava de costas, ouvi-a murmurar:
— O Anão estava certo, afinal. Vou ter que pagar aquelas 2 pilas.
Como podia ela ser tão terrivelmente linda em qualquer situação? É incompreensível, uma beleza que desafia a lógica! Que capricho cruel da memória, esse de eternizar cada gesto dela em minha mente.
…
Ao sair do departamento, dei de cara com Wian, que já aguardava do lado de fora, a expressão ansiosa denunciando a impaciência que sentia desde que Kadri apareceu no regimento. Sem perder tempo, começamos a colocar a conversa em dia.
Enquanto ele me contava as novidades, eu tentava resumir minha rápida — embora nada pacífica — conversa com nossa chefe, ainda sentindo a tensão reverberar no corpo como uma corda tensa.
Expliquei o que descobrira até ali, as implicações do caso com o tráfico de tecnologias mágicas, e, claro, a incômoda proximidade do diretor com os suspeitos. A cada revelação, os olhos de Wian se estreitavam mais, absorvendo o que eu lhe dizia, sua mente claramente traçando as linhas invisíveis entre os envolvidos.
Falamos de tudo que havia surgido até então, das pistas que surgiam como fragmentos confusos de um quebra-cabeça perigoso.
Wian olhou ao redor, como se se certificasse de que ninguém nos observava, e então se inclinou, a voz reduzida a um murmúrio conspiratório:
— Parece que prenderam alguém importante, recentemente — começou ele, com os olhos atentos aos arredores. — Um vice-líder de um culto de magos, dizem. Um tal de culto que prega a supremacia de seres mágicos. E, pelo que ouvi, eles são os principais suspeitos no contrabando de tecnologias mágicas. Pelo que você disse deve estar relacionado com o caso.
— Então, nosso próximo passo precisa ser ou o diretor da universidade de magia ou esse vice-líder do culto — murmurei, já traçando possíveis planos enquanto falava. — Se nada mais acontecer até lá, acho que devemos procurar Kadri pela manhã. Talvez, com um pouco de sorte, ela nos diga qual dos dois vamos poder investigar.
Wian assentiu, o olhar distante, mas atento, como quem já ponderava os riscos ocultos. Sabíamos que, fosse qual fosse o caminho escolhido, dar esse próximo passo significava mexer em um enigma, um enigma que gente poderosa e influente preferia manter nas sombras, um mistério que não queriam ver desvendado.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.