A cidade acordava, mas era um despertar inquieto, daqueles que deixam uma insônia leve na alma, um desconforto que sussurrava no ouvido de todos: algo estava fora do lugar. As ruas, geralmente vibrantes com o barulho dos comerciantes e a algazarra das crianças, estavam silenciosas, povoadas por olhares furtivos e agrupamentos de pessoas cochichando o medo em murmúrios baixos. Eu caminhava entre elas, sentindo aqueles olhares nervosos me queimar as costas. Sabia que não era respeito, mas a esperança – ou a ilusão – que minha farda representava em tempos de incerteza.

    E então, os sussurros sobre o ataque. O nome, Dragonesa Negra, era pronunciado como uma maldição, entre dentes cerrados, mas com um fascínio horrorizado. Todos conheciam as histórias. Eu, nunca a vira, e talvez essa fosse a minha única consolação. A Dragonesa Negra era um poder que pertencia ao domínio de divindades menores. Um peso imenso.

    Cheguei ao QG da DIVIIP, onde o Anão me esperava. Wian me seguia em silêncio, espelhando as dúvidas que me assombravam. Ele também sentia o peso da cidade, o murmúrio coletivo de uma população que, em seu medo, depositava sua fé na polícia. Coitados. O que poderiam esperar além de um pouco mais de caos bem-intencionado?

    No caminho para o castelo, as ruas pareciam se estreitar, como se a própria cidade nos empurrasse em direção àquela criatura. Me perguntava o que encontraríamos. Se ela estivesse ferida… não, uma criatura como a Dragonesa Negra não era facilmente ferida. E mesmo que fosse, nunca nos mostraria suas cicatrizes. Uma parte de mim sabia que estávamos diante de um problema além de nossas capacidades, algo que desafiaria nossa noção de dever. Mas estávamos presos a uma marcha irreversível.

    O Anão, imponente mesmo em seu silêncio habitual, aguardava no QG. Seu rosto, esculpido pela idade e pela dureza da profissão, era impenetrável, mas seus olhos cinzentos, como pedra polida, refletiam a mesma inquietação que me assolava. Wian, ao meu lado, apertava o punho, os nós dos dedos brancos sob a pele escura. O peso da cidade, a responsabilidade por uma população aterrorizada, era palpável, sufocante. Sentíamos o peso não apenas de nossas armas, mas do medo de todos aqueles que depositavam em nós uma fé cega, ingênua.

    O castelo se erguia imponente, uma fortaleza de pedra contra o céu cinzento e ameaçador. A aproximação era lenta, agonizante. Cada passo ecoava no silêncio pesado das ruas, amplificado pela angústia que emanava das poucas janelas iluminadas. Parecia que até os prédios respiravam com dificuldade, oprimidos pelo mesmo medo que nos envolvia.

    Dentro do castelo, o ar era denso, impregnado com o cheiro metálico de sangue e algo mais… algo antigo, primordial. O silêncio era ainda mais opressivo, quebrado apenas pelo eco distante de nossos passos. O Anão liderava, a mão descansando quase inconscientemente na empunhadura de sua machadinha, revelando sua crescente apreensão.

    Encontramos o Capitão Alaric na sala do trono, um espaço vasto e frio, normalmente suntuoso, agora despojado, fúnebre. Seu rosto, normalmente marcado por um sorriso cínico, estava pálido, os olhos fundos e escuros. Ele gesticulou para um amontoado de rochas, fragmentos de algo que outrora fora inteiro.

    — Esses restos são dos invasores — disse Alaric, com a voz rouca. — Eram treze ao todo. Nenhum deles chegou perto de ferir a Dragonesa. O problema é que ninguém sabe de onde vieram ou como conseguiram entrar. Mesmo cercada por soldados e usando o chamado “olhar verdadeiro”, ela deveria tê-los detectado à distância.

    —  Ela deseja falar com vocês pessoalmente. Capturamos um refém, mas ele não tem sido muito cooperativo. Por aqui, por favor. — o guarda completou antes de nos mostrar o caminho.

    O castelo era como uma estrutura antiga e imponente, porém não era a imagem caricata de um covil sombrio e aterrador. Ao contrário, havia um cuidado meticuloso em cada pedra assentada, um senso estético que refletia um gosto refinado e uma sensibilidade artística incomuns a alguém cuja fama estava tão envolta em terror e morte.

     As paredes de pedra escura, quase negras, eram polidas, e as velas que ardiam nas tochas de ferro forjado projetavam luzes suaves e tremulantes, criando um jogo de sombras delicado, quase íntimo. 

    Os corredores eram amplos, o chão ornado com padrões geométricos de lajotas de ardósia e mármore pálido, e as tapeçarias que pendiam aqui e ali mostravam cenas enigmáticas, não necessariamente bélicas, mas repletas de simbolismos sutis — pássaros alçando voo, árvores retorcidas pelo vento, e silhuetas dançando ao luar.

    Aqui e acolá, pequenos nichos exibiam esculturas de figuras humanas esguias, feitas em materiais escuros e brilhantes, revelando um apreço pela forma e pelo detalhe. Não havia crânios empilhados pelos cantos nem contorções grotescas, mas sim uma atmosfera contida, como se o próprio ar estivesse impregnado de um respeitoso silêncio. 

    As janelas, raras e estreitas, filtravam a luz externa, que chegava difusa e suave, suavizando o peso da arquitetura sólida.

    No interior de uma das grandes salas, cujo teto abobadado era sustentado por colunas delicadamente esculpidas, encontrava-se um pedestal de madeira escura, lustrosa, erguido sobre um estrado de pedra clara. 

    Sobre o pedestal, um suporte dourado — trabalhado com filigranas e pequenos arabescos que lembravam a espiral de um galho seco — sustentava uma pena. Não era uma pena comum. Seu comprimento era ligeiramente maior que o habitual, e a haste negra tinha um brilho sutil, quase iridescente. 

    As barbas da pena eram impecáveis, perfeitamente alinhadas, como se um cuidadoso artesão a tivesse criado no mais minucioso dos labores. A luz das velas dançava sobre ela, arrancando lampejos sutis de um tom azulado, quase imperceptível a um olhar desatento.

    “Eu resistiria à ganância sem muitas dificuldades… pelo menos se não fosse ele”

    — Você poderia roubar essa pena para mim? — Dizia uma voz suave, quase como uma sombra num dia quente — Eu prometo que vou te pagar à altura.

    Que susto porra, não aparece assim do nada Breu!

    “E como você deve imaginar, eu fiz o óbvio, assenti sem hesitar”

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