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    “….Ugh.”  

    Kiera gemeu enquanto encarava o papel à sua frente. Quanto tempo havia passado desde que começara? Olhando para o relógio, sua expressão se contorceu.  

    Três horas…  

    Kiera ergueu o olhar com uma expressão esperançosa.  

    “Posso fazer uma pausa?”  

    “Não.”  

    “…..Vou morrer.”  

    Kiera se esparramou sobre a mesa e gemeu. Sentia-se tonta e seu corpo parecia mole. Não tinha vontade de fazer nada.  

    Argh. Quantos problemas já resolvi…?  

    Muitos. Foram muitos.  

    Não, mas esse não era o problema. Franzindo a testa, Kiera ergueu a cabeça e encarou Julien.  

    “Ei, pelo menos me ensina alguma coisa! Passei o tempo todo resolvendo essas malditas questões. Você ainda não me ensinou nada!”  

    Kiera estava começando a ficar irritada. Durante as três horas inteiras que passara ali, ele não lhe ensinara nada. Tudo o que ela fez foi resolver as questões à sua frente.  

    ….Ele não fizera nada para ajudá-la o tempo todo.  

    “Pelo menos me diz como resolver essa questão. Estou travada nela há trinta minutos.”  

    Kiera empurrou o papel na direção de Julien.  

    O tempo todo, ele estivera absorto na leitura de seu livro. Finalmente, tirando os olhos do livro que segurava, ele olhou para ela. Seus olhos se encontraram, e ele fechou o livro.  

    Julien, que estivera focado em seus próprios estudos, voltou sua atenção para a folha de questões.  

    “Estudo de runas?”  

    “…..Sim. Não sei como fazer.”  

    “Entendo.”  

    Julien acenou brevemente antes de voltar sua atenção para os livros espalhados sobre a mesa. Examinando-os cuidadosamente, pegou um livro e o entregou a ela.  

    “A resposta está aqui.”  

    Em seguida, voltou sua atenção para o livro.  

    “….Uh?”  

    Atordoada, Kiera alternou o olhar entre o livro e ele. Que tipo de absurdo era aquele?  

    “Que porra é essa? Você não devia me ensinar? Não estou pagando tanto dinheiro para você me dizer para olhar num livro. Eu posso simplesmente—”  

    “Não é isso.”  

    Vira—  

    Julien virou a página do livro que lia. Sem tirar os olhos dele, continuou explicando.  

    “Eu não estou aqui para te ensinar como resolver um problema.”  

    “O qu—”  

    “Estou aqui para te ensinar como estudar.”  

    “….?”  

    Erguendo o olhar, seus olhos se encontraram.  

    “Eu não estou aqui para te mimar.”  

    Seu tom baixou. Tanto que Kiera de repente se viu sentando ereta sem perceber. Espera, que porra?  

    “…..Posso te ensinar. Não tenho problema com isso. Ensinar os outros é um dos melhores métodos para aprender.”  

    “Então…?”  

    “E você? O que vai fazer quando eu não quiser mais te ensinar ou quando você ficar sem dinheiro?”  

    “Eu…”  

    Kiera franziu a testa. Ela realmente não sabia como responder. O que faria? Será que contrataria outro tutor ou voltaria aos seus velhos hábitos?  

    “Eu não estou aqui para te ensinar matérias. Esse é o trabalho do Professor. Estou aqui para te ensinar a se virar sozinha no futuro.”  

    Julien pressionou a mão contra o livro e o empurrou de volta.  

    “…..Eu não estarei sempre aqui para te ensinar. Você precisa aprender a ser autossuficiente. Se quer melhorar suas notas, deve primeiro aprender a fazer isso sem depender dos outros. As pessoas só te ajudarão até certo ponto. A única pessoa que nunca vai te decepcionar é você mesma. Conte consigo mesma.”  

    Kiera baixou o olhar para o livro à sua frente. Fazendo isso, suas sobrancelhas se franziram. Ela estava prestes a dizer algo quando notou o olhar dele.  

    “…..”  

    As palavras que ia dizer nunca saíram de sua boca. Por fim, ela pegou o livro e o abriu.  

    “…..O que devo fazer agora?”  

    “Você procura a resposta.”  

    “Só isso? Posso fazer isso sozi—”  

    “Disciplina primeiro. Você precisa aprender a ser disciplinada. Se eu te der a resposta, você vai acabar esquecendo. O mesmo não acontece se você descobrir sozinha. Você precisa se disciplinar para encontrar a resposta sem perguntar. Não procure um caminho preguiçoso.”  

    “Ugh.”  

    Gemendo, Kiera começou a procurar a resposta.  

    ‘Maluco do caralho. Só diga que não quer me ensinar… Não precisa inventar um jeito tão indireto de dizer.’  

    “Ah, achei!”  

    Levou alguns minutos, mas ela encontrou finalmente a resposta. Seus olhos brilharam, e ela começou rapidamente a preencher a folha de respostas.  

    Kiera sentiu uma estranha satisfação ao responder à questão.  

    Era difícil descrever, e seus lábios se curvaram inconscientemente. Tentando mantê-los neutros, ela passou para a próxima questão.  

    Novamente, era uma questão complicada, e ela olhou para Julien.  

    “E essa aqui? Como eu—Ah.”  

    No meio da frase, percebeu seu erro e cobriu a boca.  

    “Porra, isso…”  

    Apertando os lábios, ela olhou em volta e encontrou o livro certo, [Estudos Corporais], antes de procurar a resposta correta. Houve vezes em que ela não tinha certeza da resposta, mesmo com o livro, e acabou escrevendo o que conseguia deduzir com as informações.  

    De qualquer forma, Julien simplesmente ignorava todas as tentativas dela de falar com ele.  

    Em algum momento, ela parou de olhar para ele e focou na tarefa em mãos.  

    “Ah, então é assim.”  

    “Ugh, porra… Minha cabeça dói. Quero uma pausa.”  

    “Merda.”  

    “Quero morrer.”  

    “Estou morta.”  

    “…Oh, então é assim.”  

    Durante as horas de estudo, Kiera soltava ocasionais reclamações. No entanto, apesar disso, sempre se recuperava depois de xingar por um minuto.  

    O tempo passou e, antes que percebessem, mais algumas horas se foram.  

    “…Uh?”  

    Abrindo os olhos, Kiera olhou em volta.  

    “Que diabos?”  

    Olhando ao redor, percebeu que estava escuro lá fora. Limpando a saliva do pulso, piscou várias vezes.  

    “Que horas são?”  

    Sem perceber, ela havia adormecido.  

    “….Ah!”  

    Seus olhos se arregalaram ao ver o relógio.  

    Eram 22 horas.  

    Subitamente, Kiera se levantou e ergueu a cabeça.  

    “Ei, babaca! Por que não me acordou—Uh?”  

    Kiera parou e olhou para a cadeira vazia à sua frente. Aos poucos, entendeu e se afundou na cadeira.  

    “Ah, porra. Ele foi embora, não foi?”  

    Arrepiando o cabelo, Kiera encarou o teto com expressão vazia.  

    “….”  

    Sentia-se tonta e exausta. Preferiria o treinamento infernal dele a isso. Mesmo assim…  

    “….Acho que fui bem.”  

    Kiera sentiu uma certa satisfação por ter feito tanto. Normalmente, ela não teria feito mais que dez minutos de trabalho. Isso a faria se sentir um lixo o dia inteiro.  

    Agora era diferente.  

    “Poderia me acostumar com isso.”  

    Não era tão ruim.  

    Mas…  

    “….Aquele filho da puta realmente foi embora sem me acordar.”  

    Isso a irritou um pouco.  

    “Se aquele desgraçado me cobrar um Rend extra—Hm?”  

    Parando, seu olhar caiu sobre os papéis à sua frente. Não havia notado antes porque estava escuro, mas acenando a mão, um rastro de chamas surgiu no ar, iluminando o ambiente.  

    “Isso…”  

    Os olhos de Kiera se arregalaram.  

    Olhando mais de perto, pausou nas inúmeras anotações ao redor. Havia também uma marca escrita acima de cada papel.  

    <39/100>  

    [Você foi melhor aqui. No entanto, há muitas áreas para melhorar. Por exemplo, nesta questão, a resposta era a ‘Runa Alfa’, não a ‘Runa Delta’. Comparada à ‘Runa Delta’, que acelera a coleta de mana, a ‘Runa Alfa’ a desacelera para que o fluxo seja mais suave. Para o feitiço [Véu de Fogo], a ‘Runa Alfa’ é mais apropriada, pois o feitiço se quebraria se criado muito rápido…]  

    Para cada questão que Kiera errava, havia uma longa explicação detalhada do erro e da resposta correta.  

    “Mas o que…”  

    Largando o primeiro papel, Kiera olhou os outros.  

    Vira. Vira. Vira—  

    Kiera folheou rapidamente os vários papéis. Sua expressão mudava a cada papel que via.  

    Ela não conseguia acreditar no que estava vendo.  

    Todos os papéis. Eram iguais. Cheios das mesmas anotações e correções.  

    Kiera havia feito muitas questões naquele dia. Havia pelo menos algumas centenas.  

    Contando todas que errou…  

    “Pooooorra.”  

    Kiera soltou um palavrão lento.  

    Não era à toa que ele não a acordara. Quanto tempo ele levou para fazer tudo aquilo?  

    “Esse cara é maluco.”  

    Completamente maluco.  

    Vira—  

    Folheando outra tarefa, notou um bilhete escorregando.  

    “….Uh?”  

    Pegando-o, Kiera viu que havia algo escrito.  

    Curiosa, leu o que estava escrito.  

    [Você me deve 700 Rend. Não vou contar o tempo que você dormiu. Certifique-se de pagar. Venha no mesmo horário amanhã.]  

    O bilhete terminava ali.  

    Era curto, mas a mensagem era clara.  

    “….”  

    Encarando-o com expressão vazia, Kiera apertou os lábios. Então, olhando para os documentos e vendo todas as anotações, amassou o bilhete na mão.  

    “…..Isso não é bom para mim.”  

    *  

    A partir daquele dia, Kiera aparecia toda manhã no mesmo horário. Havia uma diferença notável em sua atitude comparada à primeira vez.  

    Embora ainda resmungasse ocasionalmente, era bem menos que antes.  

    Na verdade, na maioria do tempo, ela ficava em silêncio resolvendo os problemas ao lado de Julien. Era uma visão estranha.  

    Os dois estudando juntos.  

    “Não estou vendo coisas, estou?”  

    “Isso é real?”  

    “Me belisca rápido para eu—Akh!”  

    Dada a diferença de personalidades, ninguém esperava tal desenvolvimento.  

    De qualquer forma, ninguém ousou perguntar nada. Julien e Kiera não eram exatamente as pessoas mais fáceis de conversar.  

    “…..”  

    “…..”  

    Apesar do que parecia um clima tenso entre os dois, a realidade era que era estranhamente pacífico.  

    Pelo menos para Kiera, que só focava nas questões.  

    “Ah, então é assim…”  

    Era um sentimento estranho para ela. Não sabia explicar por que era assim. Mas tinha uma ideia.  

    Erguendo levemente o olhar, seus olhos pousaram na figura à sua frente.  

    Pela primeira vez, olhou para ele direito. Do cabelo arrumado e terno aos movimentos cuidadosos ao virar as páginas.  

    Ele parecia impecável em tudo que fazia, mas…  

    ‘Os olhos dele.’  

    Bem de leve, Kiera via olheiras sob seus olhos.  

    Apertou os lábios ao ver aquilo e baixou a cabeça para a folha de questões.  

    A razão das olheiras era clara para ela. Não precisava ser gênio para entender. Era por sua causa…  

    Se ela não…  

    ‘Não, porra.’  

    Kiera se sacudiu.  

    ‘Certo, preciso focar.’  

    Não era hora de se sentir culpada. Precisava focar nos estudos. Desviando o olhar de Julien, ela se concentrou novamente e começou a responder às questões.  

    A cada dia, o número de erros diminuía.  

    [51/100]  

    [67/100]  

    [73/100]  

    [81/100]  

    Vendo a melhora em suas notas, Kiera sentiu uma sensação estranha. Era difícil descrever, mas enchia seu peito de uma agradável satisfação.  

    Era viciante, e ela passou lentamente a esperar pelas aulas. Era estranho, mas isso estava se tornando sua realidade.  

    Até que…  

    “Todos, o exame começará em breve. Já sabem as regras, então não as repetirei.”  

    O dia do exame finalmente chegou.  

    Respirando fundo, Kiera encarou o papel à sua frente. Por algum motivo, estava tremendo.  

    Segurando o braço, amaldiçoou a si mesma.  

    ‘Q-que diabos há com você, sua estúpida? Não é hora de ficar nervosa.’  

    Não, em primeiro lugar, por que estava nervosa? Preparara-se tanto. Realisticamente, estava pronta.  

    Então…  

    Por quê?  

    Por que estava tão nervosa…?  

    Aos poucos, virou a cabeça e seus olhos encontraram uma certa pessoa. Uma ideia lhe ocorreu, e sua expressão se contorceu.  

    ‘Não, impossível.’  

    Apertando os dentes, desviou o olhar dele.  

    Que se dane…  

    Era uma ideia ridícula.  

    ‘Não é isso.’  

    Kiera se agarrou teimosamente à recusa. Em meio à luta, a voz do Professor ecoou.  

    “Podem começar! Boa sorte!”  

    Vira—  

    A sala se encheu do som simultâneo de páginas sendo viradas enquanto os cadetes folheavam seus livros. Kiera se juntou a eles e, ao virar uma página, sua expressão congelou.  

    “Ha.”  

    Uma risada suave escapou de seus lábios ao ver a questão.  

    Não sabia como reagir.  

    A questão…  

    ‘Eu sei.’  

    Já a fizera antes.  

    Pela primeira vez em muito tempo, Kiera sorriu.  

    Era um sorriso genuíno.  

    E seu lápis tocou o papel. 

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