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    Eu olhei para Aurelia e os outros por um longo tempo. 

    Naquele momento, lembranças do meu tempo com eles passaram diante dos meus olhos. 

    Eles podem não ter estado vivos. 

    Mas para mim, estavam. 

    “…..Você voltou.” 

    Foi uma voz familiar que me tirou das minhas memórias. Antes que eu percebesse, Leon estava ao meu lado, igualmente olhando para a cena com seu rosto normalmente estoico. 

    “Você demorou mais do que eu esperava.” 

    Ele me entregou algo. 

    Era uma pequena pérola. 

    “Ela pulsou não faz muito tempo. Por isso eu sabia que você finalmente tinha voltado.” 

    Eu peguei a pérola. 

    Era uma relíquia que pertencia à Casa Evenus. Seu propósito era detectar a localização geral daqueles em quem tinha se fixado. Neste caso, eu. Como Leon era meu cavaleiro, era algo que ele naturalmente tinha. 

    Se algo acontecesse comigo, ele poderia me encontrar a qualquer momento. 

    “…” 

    Eu a devolvi para ele. 

    “Você esperou até agora para me ‘salvar’?” 

    “Eu achei que você ficaria bem sem minha ajuda. Você também parecia alguém que não precisava de ajuda.” 

    “Você pensou errado.” 

    “…..Pensei?” 

    Leon olhou para a mesma paisagem que eu estava olhando. 

    Os cidadãos já tinham cercado os corpos mortos, com muitos deles abraçando os entes queridos que um dia conheceram. 

    Eu podia ouvir seus choros de onde eu estava. 

    Eles ecoavam alto em minha mente. Especialmente quando eu percebi as pessoas ao redor dos membros do primeiro esquadrão de subjugação. Havia alguns idosos e algumas crianças. 

    “….Esse é o vovô?” 

    “Vovó?” 

    “Por que eles parecem tão jovens?”

    “Tão bonita…” 

    Por alguma razão estranha, olhando para a cena, eu me lembrei de uma certa conversa que tive com Leon. Uma que não fazia muito tempo. 

    “Você está certo, eu acho.” 

    “…..?” 

    Eu senti o olhar de Leon ao meu lado. 

    “Sobre o quê?” 

    “O que você me disse antes. Quando estávamos sentados pelo rio.” 

    ‘Não parece que você quer mais morrer.’

    As palavras ecoaram em minha mente mais uma vez. 

    “…..Acho que você está certo.” 

    “Acha?” 

    “Sim. Acho.” 

    Eu não tinha entendido o que ele quis dizer naquela época, mas agora eu entendia. Olhando para Aurelia e os outros, ficou claro para mim. 

    Naquela época, a única razão pela qual eu me segurei foi por causa do meu irmão. 

    Mesmo agora, eu ainda me segurei por causa dele. Meu objetivo ainda não mudou. Eu ainda queria voltar para casa, para ele. 

    Mas… 

    “Morte…” 

    Talvez, houvesse mais na vida do que apenas meu irmão. 

    “…..É, eu não quero mais morrer.”

    Isso ficou claro para mim agora. 

    Pela primeira vez, eu senti que a vida valia a pena ser vivida. 

    As coisas progrediram rapidamente a partir daí. 

    Os cadáveres foram todos removidos, e a cidade ficou quieta novamente. Eu senti os olhos dos cadetes em mim enquanto caminhava.

    Eles estavam claramente curiosos sobre como eu tinha conseguido sobreviver, mas antes que qualquer um deles pudesse me questionar, eu fui arrastado para longe da cena. 

    “Me conte mais sobre a situação.” 

    Eu estava agora sentado em uma pequena sala com o homem desconhecido. 

    Ele se apresentou como Capitão Reijnder. Apesar da pressão que saía de seu corpo, eu não me senti intimidado. 

    Comparado a Aurelia e o Dragão de Pedra, era quase nada. 

    “…..Acompanhando um Lobo Infernal de rank Terror, há um Dragão de Pedra. Eu não tenho certeza absoluta sobre sua força, mas é definitivamente mais forte que o Lobo Infernal.”

    Enquanto o Dragão de Pedra provavelmente também era classificação Terror, ele era afinal um Dragão. 

    Eu não era muito familiarizado com o conceito de Dragões neste mundo, mas era seguro assumir que eles eram um nível acima dos monstros comuns. 

    “Ele está atualmente sob um feitiço forte. Porém, o feitiço não vai durar muito.” 

    Na verdade, já estava quase no limite de se quebrar. 

    “Não há muito tempo. Se os reforços não vierem, então…” 

    Eu não precisei terminar minha frase. 

    Meu significado era claro. 

    “…” 

    O silêncio que acompanhou minha declaração também serviu para indicar que o Capitão entendia a gravidade da situação. 

    “Há mais alguma coisa que eu preciso saber?” 

    “A área está saturada com o elemento [Maldição]. É melhor se você trouxer alguém competente com magia de [Maldição]. Será mais benéfico ao lidar com o Dragão de Pedra.” 

    Uma das razões pelas quais meu feitiço conseguiu ajudar Aurelia a selar o Dragão de Pedra foi por causa da densidade do elemento [Maldição] ao redor. 

    Se não fosse por isso, isso nunca teria sido possível. 

    “Certo, eu já estou ciente disso.” 

    Capitão Reijnder se levantou de sua cadeira. 

    “…Vou pedir ao Império para trazer mais alguns especialistas em maldição. Vai tornar as coisas menos problemáticas.” 

    Pressionando sua mão contra a mesa, ele me olhou profundamente. 

    “Você fez bem.” 

    Ele disse que eu fiz bem…

    “Se o que você disse é verdade, você potencialmente me salvou, e meu esquadrão.” 

    “…” 

    Eu fiquei quieto sem dizer uma palavra. 

    “O mesmo vale para todos dentro da cidade. Você salvou todos.” 

    “…” 

    “Descanse. Você merece.” 

    O Capitão sorriu antes de se virar e ir para a porta. Antes de sair, seus passos pausaram e ele olhou para mim. 

    “…..É uma pena que você não seja um cavaleiro.” 

    E então ele saiu. 

    “…..” 

    Eu fiquei sentado em silêncio sem saber o que fazer. 

    “Eu salvei todos…?” 

    Murmurando para mim mesmo, eu ri. 

    Embora verdade, eu não tinha feito o que fiz com a intenção de salvar todos. 

    O único que eu queria salvar era eu mesmo. 

    Mas acabou assim. 

    “É engraçado.” 

    O mal-entendido. 

    Era um mal-entendido engraçado. 

    “Haa…” 

    Esfregando minha testa, eu me levantei e saí da sala. O frio mais uma vez perfurou minha pele. Isso não me incomodou muito. 

    Na verdade, eu estava começando a me acostumar. 

    “…..Você terminou?” 

    Saindo do prédio, alguém me cumprimentou na entrada. 

    “Professor Hollowe?” 

    Leon também estava ao lado dele. 

    “O que você está fazendo aqui?” 

    “Nada, só queria ver como você estava.” 

    “É mesmo?” 

    Que gentil da parte dele. 

    Eu abri meus braços e mostrei meu corpo. 

    “Como você pode ver, estou um pouco machucado, mas estou bem.” 

    “Entendo, isso é bom.” 

    Ele parecia aliviado. 

    Era estranho, mas eu podia mais ou menos entender por que ele estava agindo assim. 

    “Você tomou a decisão certa.” 

    “…Sim?” 

    Ele inclinou a cabeça em confusão. 

    “Em não me salvar. Foi a decisão certa.” 

    “….!” 

    Eu teria feito o mesmo se estivesse em sua posição. 

    Ao mesmo tempo, também era minha culpa. Naquela época, eu tinha apostado com minha própria vida. Os cidadãos podem não ter percebido, já que queriam impedir os zumbis de entrar na cidade, mas olhando através das memórias de cada cidadão, eu percebi algo. 

    Os zumbis. 

    Eles nunca atacaram ninguém. 

    Eles apenas tentaram forçar seu caminho para dentro da cidade. Mesmo se os cidadãos tivessem percebido, o que mais eles poderiam ter feito além de impedi-los? 

    Foi por isso que eu não reagi naquela época e permiti que me engolissem. 

    Foi uma aposta que no final valeu a pena. 

    Ainda assim, foi minha decisão e se eu tivesse morrido, a culpa teria sido toda minha. 

    “Você teve que priorizar as vidas dos outros cadetes. Eu entendo.” 

    “Não, é que—” 

    “Tem uma coisa que eu estou curioso, porém.” 

    Eu o interrompi antes que ele pudesse continuar. 

    Ele parou para me olhar. 

    “…Se eu tivesse morrido, você teria levado meu corpo de volta?” 

    “…..” 

    Ele ficou em silêncio antes de balançar a cabeça. 

    “Sim. Isso eu teria feito por você.” 

    “Entendo.” 

    Era bom saber. 

    Pensando na última cena da jornada, eu meio que entendi por que Aurelia teimosamente continuou trazendo os zumbis de volta para a cidade. 

    Embora fosse verdade que todos estavam mortos, o fechamento só veio depois que os corpos voltaram. 

    Era um ato sem sentido, e ainda assim… 

    Tinha tanta importância para aqueles que foram afetados. 

    Embora eu não tivesse certeza de quem sentiria isso por mim, talvez, os pais do Julien anterior teriam se sentido melhor vendo seu corpo voltar para eles. 

    Eram apenas alguns pensamentos aleatórios que eu tive. 

    Pensamentos sem sentido. 

    “Embora não aconteça com frequência, cadetes morrem ocasionalmente. É inevitável dado o mundo em que vivemos.” 

    “…..” 

    “Se seu corpo não estivesse em boas condições, nós o teríamos cremado antes de enviá-lo de volta para seus pais.” 

    Cremado? 

    Meu dedo se contraiu de repente. 

    Como se sentisse minha reação, Professor Hollowe inclinou a cabeça. 

    “O que foi?” 

    “Nada, não é nada.”

    Eu virei minha cabeça para olhar para longe.

    Foi estúpido pra caramba. 

    “Entendo. Eu não vou forçar você a—” 

    “Pra virar pó de café?.” 

    Eu murmurei baixinho. 

    “…..Hã?” 

    Apertando meus lábios, eu balancei a cabeça e olhei para longe. Mas assim que o Professor estava prestes a falar novamente, eu me vi interrompendo ele. 

    “A cremação. Era pra eu virar pó mesmo?1” 

    “…..!” 

    Como se tivesse percebido o que tinha acontecido, os olhos do Professor se arregalaram. 

    Dando um passo para trás, ele apontou para mim. 

    Sua expressão parecia dizer, ‘Não acredito que você disse isso’. 

    Olhando para ele, eu cobri minha boca. Meus ombros estavam tremendo, mas eu não conseguia evitar. Era só… estava lá. 

    As chances eram boas demais para eu deixar passar. 

    Ou pelo menos foi o que eu pensei até que a expressão do Professor ficou extremamente séria. 

    “Ah.” 

    Por um momento, eu comecei a me arrepender de minhas ações. 

    “Você…” 

    A expressão de desaprovação do Professor Hollowe era clara. 

    “….Você deveria ter vergonha de si mesmo.” 

    “….!” 

    Foi minha vez de dar um passo para trás. 

    Ele também deu um passo para trás. 

    Ele não… 

    “Você é bom.” 

    “…..Você ainda é muito jovem para lidar com alguém como eu.” 

    “Parece que sim…” 

    Apesar da minha aparência, eu tecnicamente tinha vinte e quatro anos. Eu tinha orgulho das minhas piadas. Mas ficou claro para mim que havia montanhas atrás de colinas. 

    Eu odiava admitir, mas ele me pegou. 

    “Droga.” 

    Isso me irritou. 

    Eu estava prestes a dizer algo mais quando parei.

    Senti minha expressão mudar. 

    Que diabos… 

    “….Hm?” 

    Como se tivesse notado minha reação estranha, Professor Hollowe virou a cabeça. Seus olhos eventualmente se fixaram na mesma coisa que eu estava olhando, e sua expressão mudou. 

    “…..!” 

    Ele não conseguiu evitar. 

    Encostado na parede externa de um prédio, Leon olhava para o céu com uma expressão vazia. Ele não parecia diferente dos zumbis de antes. 

    Seu rosto estava pálido, e por um momento, eu pensei ter visto sua alma deixar seu corpo. 

    “Ei! Ei! Você está bem…!?” 

    Professor Hollowe sacudiu seu corpo, mas não adiantou. 

    Leon estava completamente sem reação. 

    “O que está acontecendo—” 

    “Ele está bem.” 

    “Bem? Como assim bem? Você não vê os olhos dele!? Eles estão tão—” 

    “Hollowe?” 

    “…..!” 

    Os olhos do Professor Hollowe se arregalaram quando ele soltou Leon. 

    Desta vez, foi a vez dele de parecer derrotado. 

    Eu estava prestes a continuar quando um som de gotejamento chamou minha atenção. 

    Pinga. Pinga…! 

    Quando eu olhei para a fonte, meus olhos se arregalaram. Os do Professor também, enquanto ele rapidamente pegou os ombros de Leon e limpou o canto de sua boca com seu lenço, manchando-o de vermelho. 

    “Droga…! Espera!” 

    Hmm, ok. 

    Talvez fosse sério.

    1. Esse corno salafrário fez um trocadilho de duplo sentido em inglês, pela sonoridade do urn e da expressão earn it (merecer, ganhar algo), invés de ser “Eu mereci isso?” se tornaria “Eu ganhei uma urna?”, mas devido a ser mais estranho ainda, deixei dessa maneira…[]

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