Índice de Capítulo

    ‘Me matem.’

    ‘…Dói. Me ajudem.’

    ‘Veio do céu. Tudo em mim dói.’

    As vozes invadiram minha mente como sussurros silenciosos, seu som reminiscente ao de uma serpente sibilando.

    Havia mais de uma, e elas falavam umas sobre as outras.

    ‘Queima…’

    Senti um arrepio percorrer minha pele ao ouvi-las.

    Felizmente, não me afetaram tanto.

    Depois de alguns segundos, consegui abafar as vozes em minha cabeça.

    Olhei para cima.

    O ar e o solo estavam secos, enquanto acima, um céu cinzento se impunha, pontuado por um distante orbe branco e brilhante.

    Estávamos perto de um amplo caminho rochoso, cercado por numerosos guardas. Ao longe, a silhueta de uma fortaleza surgia fracamente à vista.

    Provavelmente era o posto de abastecimento.

    ‘Faz tempo que não venho aqui.’

    A Dimensão Espelho.

    “Minha cabeça…!”

    O que me tirou dos meus pensamentos foi o grito repentino que veio de trás de mim.

    Quando me virei, fiquei pasmo com o que vi.

    “Akh!”

    “Ugh! O-o que está acontecendo?!”

    “…Dói!”

    Segurando a cabeça, alguns cadetes se ajoelharam no chão, enquanto outros tropeçaram para frente. Ao olhar, vi que até Leon, Kiera, Aoife, Evelyn e todos os cadetes mais bem classificados estavam enfrentando problemas semelhantes.

    ‘O que exatamente está acontecendo…?’

    Eu estava um tanto confuso.

    Embora as vozes fossem de fato irritantes, era só isso.

    Fechei os olhos por um momento e permiti que as vozes entrassem em minha mente novamente.

    ‘Me salvem…!’

    ‘Dói. Estou queimando.’

    No momento em que baixei minha guarda, as vozes rastejaram para minha mente como sussurros suaves de um estalo, ecoando alto dentro de mim. Tentei me concentrar no que as vozes diziam, mas não consegui entender muito.

    ‘Parece que estão com dor…?’

    Minhas sobrancelhas se franziram, e sutilmente, senti um leve desconforto.

    Mas era só isso.

    O desconforto era apenas isso.

    Um desconforto.

    Não era como com os outros cadetes, que pareciam estar em profunda agonia.

    “Bem-vindos à Dimensão Espelho.”

    Uma voz rouca ecoou. Girei e vi um homem corpulento, de bigode e cabelos negros, posicionado alguns metros à frente. Vestindo uma armadura leve, suas sobrancelhas franzidas e seu olhar marrom intenso estavam fixos em nós.

    “Este lugar aqui não tem nada a ver com a área que vocês encontraram antes. Agora estamos nas partes mais profundas da Dimensão Espelho. A Zona Amarela.”

    Ele fez uma pausa para que suas palavras fossem assimiladas.

    Os cadetes ainda estavam lutando, então muitos mal conseguiam entendê-lo.

    Mas eu entendi suas palavras.

    ‘A Zona Amarela, hein?’

    As zonas dentro da Dimensão Espelho variavam entre preta, amarela, laranja e vermelha, sendo a vermelha a mais perigosa.

    A Zona Amarela era a segunda mais fácil.

    Olhando ao redor, não havia muita diferença em comparação com a Zona Preta, além das vozes.

    Seria ainda mais diferente nas zonas superiores?

    “As vozes que vocês ouvem em suas cabeças. Nós as chamamos de Tons do Espelho. Em certas áreas, elas ficam mais altas e frequentes. Não causam dano físico, mas…”

    O homem corpulento olhou ao redor antes de apontar para a própria têmpora.

    “Elas podem foder com a sua mente.”

    Seus lábios se curvaram em um sorriso antes que ele começasse a rir.

    “Há duas maneiras de mitigar as vozes. Primeiro, você se acostuma com elas. Segundo…”

    Revirando o bolso, ele tirou um pequeno colar.

    “…Você usa isso.”

    Balangando-o diante de si, seu olhar varreu o ambiente antes de se fixar em mim. Sua expressão mudou levemente.

    “Hm? Você parece estar indo bem.”

    “…É um pouco irritante, mas sim.”

    “Huh…”

    Acenando levemente, seus olhos se estreitaram.

    “Se você consegue resistir tanto, deve ter uma resiliência mental forte.”

    Ele parecia impressionado.

    “…Espere, agora que estou olhando melhor, você me parece familiar.”

    Aproximando-se, ele apertou o queixo antes que seus olhos se alargassem em reconhecimento.

    “Ah, eu sei quem você é.”

    Um sorriso gradual surgiu em seu rosto.

    Ele então me jogou o colar.

    “Você pode achar isso interessante, Estrela Negra.”

    Agarrei o colar e o examinei.

    O que esse cara estava falando?

    Olhando para baixo, o colar não parecia nada especial. Feito de metal, tinha uma gema preta no meio com bordas simples. Só isso.

    Nenhum entalhe extravagante ou algo do tipo.

    Não havia nada impressionante nisso.

    Também não pesava muito. Parecia bem leve em minha mão.

    “Isso é…?”

    “Uma relíquia que usamos para lidar com as vozes.”

    O homem respondeu enquanto acariciava o bigode.

    “Oh.”

    Olhando para a expressão dele, dava para adivinhar que havia mais por trás disso.

    “…Também é o melhor contraponto para—”

    “Magos Emotivos.”

    Completei a frase por ele.

    Seu rosto imediatamente se contorceu. Ele parecia constipado. Provavelmente esperava que eu ficasse surpreso e tal.

    Não era tanto que sua expressão entregasse, mas era fácil deduzir.

    “Como você disse antes que isso lida com as vozes, que estão correlacionadas com estabilidade mental, é seguro assumir que funciona para neutralizar Magia Emotiva, certo?”

    Ele realmente parecia constipado agora.

    “……”

    Ignorando-o, coloquei o colar e, no momento em que o fiz, senti uma onda de alívio lavar meu corpo.

    As vozes que persistiam no fundo da minha mente desapareceram assim.

    ‘Nada mal.’

    …Mas também não era bom.

    De certa forma, o colar sugeria que havia dispositivos que podiam ser usados para neutralizar Magia Emotiva. Eu precisava tomar cuidado com eles.

    ‘Quão eficazes eles são?’

    Provavelmente funcionavam até certo ponto.

    No entanto, considerando que as pessoas ainda temiam Magos Emotivos, era seguro dizer que não conseguiam impedir totalmente a influência sobre suas emoções.

    “Tsk.”

    O homem estalou a língua antes de se afastar.

    Parecia ter perdido todo o interesse em mim. Ele então olhou ao redor e começou a ajudar os outros cadetes, distribuindo os colares.

    “Usem isso. Se colocarem, as vozes vão parar.”

    Alguns dos cadetes mais fortes conseguiram se aproximar para receber o colar, enquanto outros lutaram para fazê-lo.

    No final, levou mais de dez minutos para que todos colocassem os colares.

    Quando tudo terminou, estávamos alinhados diante do homem.

    “Bom, parece que todos estão bem.”

    Esfregando as mãos, seu olhar pousou sobre nós.

    “Deixe-me me apresentar. Sou Micheal Morland. Supervisor do Posto de Abastecimento A876. Estou aqui para dar um breve resumo da situação antes de enviá-los ao posto de abastecimento, onde encontrarão os clãs responsáveis por cuidar de vocês.”

    Ele continuou a divagar por cerca de uma hora.

    …Ele falou tanto que, na metade do discurso, eu já estava entediado.

    Em geral, suas palavras podiam ser resumidas em:

    “Não saiam do posto de abastecimento. Monstros de nível Terror vagam do lado de fora das muralhas.”

    Isso parecia óbvio.

    “Os colares precisam ser trocados todos os dias.”

    Interessante.

    Então havia desvantagens.

    “Há lojas dentro do posto de abastecimento. Quando houver tempo, podemos visitá-las. E isso se tivermos permissão dos Grêmios aos quais pertencemos.”

    Que se dane, eu sou pobre.

    “A missão de resgate começará em dois dias.”

    Isso era tudo, eu acho.

    Havia um pouco mais, mas nada importante. Algo sobre os banheiros e tal.

    “Chega de mim, então.”

    Micheal acenou com a cabeça, satisfeito. Então, dando uma última olhada em nós, virou-se e nos guiou para dentro do posto de abastecimento.

    “Sigam-me.”

    Estava prestes a seguir quando alguém puxou minhas roupas.

    Virando-me, dois olhos rubis apareceram a alguns centímetros do meu rosto. Atrás dela, havia algumas figuras que reconheci. Nomeadamente, Josephine, Luxon e Anders.

    Meu grupo anterior.

    Olhei para eles por um momento antes de voltar minha atenção para Kiera, que me chamou.

    “Ei, você.”

    “…Eu tenho um nome.”

    “Eu sei.”

    “……”

    “O quê? Por que você está com essa cara de irritado? Ah, não, esquece. É assim que você sempre parece.”

    “Uh? Do que você está falando?”

    Josephine interrompeu de repente.

    Todos os olhos se voltaram para ela.

    “…O que você quer dizer com ‘do que estou falando’? Do que você está falando?”

    “Uh? Faça sentido por uma vez.”

    “Ah…?”

    Josephine olhou para Anders e Luxon antes de apontar para o meu rosto.

    “Vocês dois, me digam uma coisa. Esse rosto parece o de alguém irritado?”

    “Não.”

    “…Não.”

    Os dois balançaram a cabeça, confusos.

    Com isso, Josephine virou-se para Kiera.

    “Viu?”

    “…Viu o quê?”

    Kiera franziu a testa.

    Então, virando-se para mim, inclinou a cabeça.

    “É óbvio que ele está irritado. Quando ele está irritado, a sobrancelha esquerda dele treme, e o nariz se enruga. É óbvio.”

    “Eh?”

    “…O quê? Vocês não perceberam?”

    “Não, por que raios—”

    “Quando ele está feliz, também é óbvio. Primeiro, ele não é tão direto como normalmente é. Segundo, suas sobrancelhas ficam um pouco mais levantadas que o normal.”

    “O quê…?”

    “Vocês realmente não notaram isso?”

    Kiera perguntou, olhando para os outros como se fossem estúpidos.

    O único problema era:

    ‘Eu faço isso…?’

    Nem mesmo eu sabia.

    ‘…E eu pensava que estava fazendo um bom trabalho em não mostrar expressões.’

    Claramente, não estava indo tão bem quanto pensava.

    “Enfim.”

    Kiera voltou sua atenção para mim.

    “Você não ouviu o cara?”

    Saí do meu devaneio.

    “…Sobre o quê?”

    “Depois que terminarmos o briefing dos nossos Grêmios, ele disse que, se quisermos explorar o posto de abastecimento, precisamos fazer isso em grupos de pelo menos quatro. Como eu não…”

    O lábio de Kiera tremeu. Ela parecia estar lutando para terminar a própria frase.

    “Então, tipo… Heeh.”

    Eu podia mais ou menos adivinhar o que ela estava tentando dizer.

    “Eu não… hum, eu não—”

    “Tem nenhum amigo?”

    “Uhk!”

    A expressão de Kiera desmoronou.

    “Acho que já entend—”

    “Tá bom.”

    Cortei-a antes que ela pudesse começar um discurso.

    Talvez surpresa com minha concordância, Kiera não soube como reagir. Olhei para os outros antes de sentir os cantos dos meus lábios se curvarem.

    “Não me importo de passar um tempo com meus ajudantes.”

    “……”

    “……”

    As expressões de todos os presentes mudaram.

    “H-ho.”

    Especialmente Kiera, que respirou fundo e sorriu para mim.

    Um sorriso doce.

    “…Você é engraçado.”

    Foi o que ela disse.

    Mas, por algum motivo, seus olhos pareciam fixos no meu pescoço.

    Inconscientemente, levei a mão até ele para massageá-lo.

    O olhar dela…

    Era desconfortável.

    Acenei antes de me virar.

    “Obrigado.”

    Por algum motivo, não me senti seguro.

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