Índice de Capítulo

    O interior do bunker era espaçoso.  

    Apesar de haver centenas de pessoas, não parecia lotado. Claramente, foi projetado para abrigar alguns milhares. Olhando ao redor, consegui avistar os outros cadetes e os delegados das Guildas. Eles estavam fazendo uma contagem.  

    No fundo do bunker, janelas alinhadas nas paredes permitiam ver o mundo exterior e os contornos dos prédios ainda envoltos pela Sombra Carmesim.  

    Parei e olhei para Aoife.  

    Sentindo meu olhar, ela se virou e eu falei:  

    “Consegue encontrar…?”  

    “Encontrar? Está falando da informação que me pediu?”  

    “Sim.”  

    “Eu teria conseguido antes, mas…”  

    Ela olhou ao redor.  

    “….Acho que não será tão simples agora. Pode haver uma biblioteca aqui, mas duvido que seja melhor que a da Guilda.”  

    Franzindo a testa, refleti por um momento.  

    Não podíamos desperdiçar tempo. Cada segundo parecia meu último, e apesar da calmaria momentânea, ainda não me sentia seguro.  

    Na verdade, isso só aumentava a tensão.  

    Era como se um véu perigoso estivesse sobre mim, me encurralando aos poucos.  

    ‘Não, está tudo bem. Eu resolvo isso.’  

    Apertando os dentes, respirei fundo e perguntei:  

    “Pode perguntar a alguém?”  

    “….Tipo?”  

    “Algum membro importante das Guildas? Consegue fazer com que conversem?”  

    “…..”  

    Aoife ficou parada por um instante, observando meu rosto. Por fim, vendo minha seriedade, acenou levemente.  

    “Posso.”  

    “Faça isso.”  

    A informação era vital.  

    “Eu também vou tentar.”  

    Leon acrescentou ao lado. Olhei para ele e concordei.  

    “….Não importa se o que encontrarem for inútil. Tentem procurar qualquer coisa relacionada. É muito importante.”  

    “Entendido.”  

    “Ótimo.”  

    Respirando fundo, olhei para a área da ‘Ordem dos Serafins de Prata’, facilmente reconhecível pela bandeira no centro. Vendo meu grupo à distância, fechei os olhos por um momento e tomei uma decisão.  

    “Vamos nos separar por agora.”  

    Já imaginava a bronca que levaria, mas sabia que seria pior se pensassem que eu ainda estava desaparecido.  

    O mesmo valia para os outros dois.  

    Especialmente Aoife, que tinha um status importante.  

    “Se encontrarem algo, me avisem.”  

    Olhei ao redor.  

    “…..Não temos mais nada para fazer aqui mesmo.”  

    Nos separamos dali.  

    Observando suas costas por um instante, acelerei finalmente o passo em direção à área da Guilda.  

    “Há vários membros desaparecidos!”  

    “….Algum resultado?”  

    “Não. Também faltam alguns cadetes.”  

    “O quê? Como? Eles deveriam ter acabado de voltar do treino. Será que saíram escondidos?”  

    Ouvindo as conversas à frente, tentei manter a compostura antes de entrar.  

    Imediatamente, vários olhares se voltaram para mim.  

    “Você.”  

    Fui parado por um deles.  

    Ele não era alto. Na verdade, era bem baixo. Com cabelo castanho claro e olhos verdes, me encarou com a testa franzida.  

    “Quem é você? Identifique-se.”  

    “…..Sou um dos cadetes desaparecidos.”  

    “Uh?”  

    Surpreso, o homem piscou várias vezes. Antes que pudesse falar mais, uma mão tocou seu ombro, e um rosto familiar apareceu.  

    Com um sorriso suave, seus olhos azuis pousaram em mim.  

    “Estava te procurando por toda parte. Onde você estava?”  

    “Na biblioteca.”  

    Respondi com a verdade. Não via motivo para mentir. Só me deixaria mais suspeito.  

    “Biblioteca?”  

    “Sim. Queria aprender mais sobre os monstros. Como não tinha acesso à biblioteca da Guilda, tive que sair escondido para ler.”  

    “….Não podia ter ido com um grupo?”  

    “Um grupo?”  

    Olhei para ele.  

    “….Algum grupo que quisesse ir à biblioteca?”  

    “Acho que você tem razão.”  

    Com uma risada, o instrutor deu um tapinha no ombro do homem baixo.  

    “Andrea, pode deixá-lo passar. Ele está comigo.”  

    “Tudo bem, se você diz.”  

    “Obrigado.”  

    Com um toque no meu ombro, o instrutor me levou até onde os outros cadetes estavam.  

    Seguindo-o, ele começou a falar:  

    “Que bom que voltou. Eu estaria em apuros se você não aparecesse na próxima hora.”  

    “….Peço desculpas.”  

    A culpa era minha, de fato.  

    Mas havia motivos importantes para minhas ações.  

    Na verdade…  

    “Posso fazer uma pergunta?”  

    O instrutor olhou para trás enquanto caminhava.  

    “Claro.”  

    “Você sabe algo sobre a Árvore de Ebonthorn?”  

    “Árvore de Ebonthorn?”  

    Ele parou e refletiu. Depois de um breve tremor na cabeça, a balançou.  

    “Não, não me soa familiar.”  

    “….Tem alguém que possa saber?”  

    “Hmm. É algum tipo de monstro?”  

    “Acredito que sim.”  

    “Então, talvez queira perguntar ao Líder do Posto. Ele pode saber.”  

    O Líder do Posto?  

    ‘Certo, como se eu pudesse encontrá-lo.’  

    Pelo que sabia, ele era o representante mais forte da Guilda na estação. Seu poder variava entre Tier 6 e Tier 7. Não tinha certeza, mas sabia que eram muito fortes.  

    Apesar de ser a Estrela Negra, não poderia me encontrar com ele só por isso.  

    Especialmente nessas circunstâncias.  

    Teria que deixar isso para depois.  

    ‘…..Ainda vou tentar se o encontrar.’  

    Não custava tentar.  

    Ou, se possível, pedir a Aoife para isso.  

    “Sente-se onde quiser.”  

    Antes que percebesse, chegamos à área dos cadetes, e todos os olhares se voltaram para mim. Sentados em círculo, todos tinham expressões sombrias.  

    Dava para ver que estavam nervosos.  

    Olhando ao redor, encontrei um lugar e me sentei.  

    “Onde você foi?”  

    Pensei que seria deixado em paz, mas, para minha surpresa, uma voz baixa chegou aos meus ouvidos. Quando me virei, vi Evelyn me encarando.  

    Fiquei surpreso por um segundo.  

    “É segredo?”  

    “…..Na biblioteca.”  

    Mas me recompus rápido.  

    “Estava pesquisando.”  

    “Pesquisando?”  

    “Em geral. Já ouviu falar da Árvore de Ebonthorn?”  

    “Árvore do quê?”  

    Isso me disse tudo que precisava saber.  

    Ainda assim, fiquei mais surpreso por Evelyn ter puxado conversa. Normalmente, ela me evitava, mas ali estava, tentando falar comigo. Fiquei um pouco chocado.  

    “É importante?”  

    Importante?  

    “Muito.”  

    “…..”  

    Franzindo a testa, Evelyn pareceu mergulhar em pensamentos. Por fim, soltou um suspiro longo e olhou nos meus olhos.  

    “Quer que eu ajude?”  

    ***  

    ‘Consegui. Perguntei a ele. Tanto faz. Não podem dizer que não estou tentando. Já que ele mudou, eu também devia, certo? Ou talvez não? Quem sabe. Talvez eu esteja curiosa. Tanto faz.’  

    Vários pensamentos passaram pela mente de Evelyn enquanto mantinha o olhar fixo em Julien, que a encarava de volta.  

    Seus olhos âmbar profundos pareciam intensos, e Evelyn engoliu seco.  

    ‘Ele vai me rejeitar, não vai?’  

    Ela sempre foi de pensar demais. Não era a primeira vez que se questionava assim.  

    Mas, no fundo, queria ajudar.  

    Essa relação deles. Sabia que não voltaria a ser como antes, mas, vendo que ele mudara, talvez fosse hora de levar as palavras de Leon a sério.  

    Por isso, queria ajudar.  

    De certa forma, era por ela também.  

    “Você está disposta a ajudar?”  

    Por fim, Julien falou, e Evelyn apertou os lábios.  

    “Se você deixar.”  

    Evelyn não sabia por que ele queria essa informação, mas vira o quão sério ele ficara ao perguntar.  

    E não era como se tivesse mais o que fazer.  

    “….Ok.”  

    No final, Julien acenou.  

    Seu olhar mudou um pouco. Sutilmente, seu rosto ficou mais suave. Uma mudança que Evelyn notou, mordendo os lábios.  

    “Obrigado.”  

    Ele realmente…  

    ***  

    “Fiu! Fiu! Fiu!”  

    Recostada no chão duro do bunker, Kiera assoprou a franja para longe do rosto.  

    “Fiu! Fiu…!”  

    E continuou assim por vários minutos.  

    “Fiu!”  

    Seu tédio havia atingido o limite. Para piorar, não tinha cigarros. Não que fumasse muito ultimamente, mas ajudaria certamente a aliviar o tédio.  

    “….Estou entediada.”  

    Até dizer que estava entediada era entediante.  

    Tudo era entediante.  

    “Haa…”  

    Virando para o lado, continuou a assoprar o cabelo.  

    “Fiu. Fiu…!”  

    Enquanto fazia isso, lembrou de alguém e a ponta dos lábios se curvou levemente.  

    “Ele ficaria irritado se eu fizesse isso, não ficaria?”  

    Imaginando sua expressão, Kiera soltou uma risadinha.  

    “Kakaka.”  

    Sua risada estranha atraiu olhares ao redor. Ela ignorou e continuou a assoprar o cabelo.  

    “Estou entediada~”  

    Agora estava cantando.  

    Fora de tom, e as pessoas próximas a olharam ainda mais estranho.  

    Não que isso a incomodasse.  

    “Hyooo~”  

    Na verdade, só a fez cantar mais.  

    “O mundo é vermelho~”  

    Para ela, soava bem, mas para os outros, cada nota parecia vidro sendo esmagado. Muitos se afastaram, alguns até olhando feio.  

    Isso só a fez cantar mais.  

    “Tudo é vermelho~”  

    Sua música era original.  

    ‘Porra, sou boa.’  

    Se sentiu menos entediada vendo suas caras.  

    “Árvore de fumaça—”  

    “Hiaaaaaaaaaaaaaaaak—!”  

    Sua música foi interrompida por um grito repentino. Imediatamente, Kiera se sentou reta.  

    “O quê? Para de exagerar. Meu canto não é tão ru—”  

    Kiera parou no meio da frase.  

    Seu olhar caiu sobre Johanna, uma cadete que só conhecia porque estiveram no mesmo grupo de orientação.  

    Com cabelo preto curto e estatura pequena, era difícil não lembrar dela.  

    Agora, ela segurava a cabeça enquanto olhava para o teto.  

    “Hiaaaaaaaaaaaaaaaak—!”  

    Seu grito ecoou pelo bunker, abafando todo o resto.  

    Era um grito que parecia vir da alma, e Kiera sentiu um formigamento nas mãos.  

    Os gritos continuaram.  

    Ressoaando pelo bunker.  

    “Ah! Haaaaaaaa!”  

    Como se tivesse pulmões de aço. Mas não era isso que chamou a atenção de Kiera. Seu olhar estava fixo nos olhos de Johanna.  

    Estavam completamente brancos.  

    Suas pupilas haviam sumido.  

    “Ha.”  

    Kiera recuou.  

    Naquele momento, seu corpo inteiro estremeceu.  

    Calafrios percorreram sua espinha enquanto o grito de Johanna continuava. Durou mais alguns segundos até que,  

    Baque!  

    Ela caiu de cara no chão.  

    Um silêncio terrível tomou conta do ambiente.  

    Um silêncio sufocante.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (7 votos)

    Nota