Capítulo 183: A Página [1]  

“O quê…?”

Eu podia sentir a dúvida na voz de todos quando falei. Esfregando o rosto, olhei para o pós-líder da Guilda do Cão Negro. Seus olhos vermelhos me encaravam friamente enquanto ele permanecia imóvel no lugar.

Havia algo perturbador em seu olhar.

Eu não conseguia colocar em palavras.

No entanto, por algum motivo, senti meu peito ficar pesado.

‘Ele não parece nem um pouco preocupado.’

…..Era apenas um blefe, ou talvez eu tivesse adivinhado errado?

Em retrospecto, não estava totalmente confiante na minha hipótese. Havia pistas aqui e ali, e se ele realmente fosse o possuidor da página faltante, então havia uma chance dos monstros não o atacarem.

Por quê…?

‘Porque a árvore é quem controla os monstros.’

Ou pelo menos, era o que eu assumia ser o caso.

O timing era perfeito demais.

Da Sombra Carmesim aos ‘Devoradores do Silêncio’ que de repente invadiram a cidade. Nada disso fazia sentido a menos que tivesse sido planejado antes.

Essa era a única explicação possível que eu poderia pensar… E se o pós-líder do Cão Negro fosse realmente aquele que possuía a página, então havia uma grande chance dos Devoradores não o atacarem.

Ainda sentindo os mesmos olhos vermelhos em mim, virei-me para o pós-líder ao meu lado. Ao contrário de Karl, seus olhos eram brancos, e sua pele era negra.

‘Seu nome é Lennon, certo…?’

Apenas ficar a alguns metros dele já era opressivo.

“O que você está tentando dizer?”

Sua voz grave alcançou meus ouvidos.

Franzindo levemente os lábios, levantei ambas as mãos em sinal de rendição.

“Antes que você diga qualquer coisa, eu me rendo. Você pode fazer o que quiser comigo, mas…”

Virei minha cabeça para encontrar aqueles olhos vermelhos intensos.

Mais uma vez, senti meu peito ficar pesado ao vê-los.

Por quê…?

“…antes de me levarem, vocês não se importariam de testar se minhas palavras são verdadeiras ou não, certo? Não custará muito de qualquer maneira.”

“…..”

Lennon permaneceu em silêncio enquanto seus olhos brancos permaneciam fixos em mim. Eu tinha dificuldade em entender o que ele estava pensando.

Ele então virou a cabeça para olhar para os outros pós-líderes.

Havia três deles.

…..Eu conseguia reconhecer dois.

Com cabelos vermelhos até os ombros, uma pinta abaixo do queixo e olhos que combinavam com o tom de fogo de seus cabelos, estava Alyssa Karline, a pós-líder da Guilda da Fênix de Fogo.

Ao lado dela estava um homem mais alto e magro. Sua cabeça estava ficando careca, e seus olhos estavam estreitados em fendas.

Ele era o pós-líder da Guilda do Corvo Negro, Jack Whitlock.

Eles eram os únicos dois que eu consegui reconhecer devido às memórias que extraí.

Quanto ao último, eu realmente não sabia.

Mas isso não importava.

…..O conteúdo da conversa deles era o que mais me interessava.

“Devemos ouvi-lo?”

“Não custa nada. Não há nada a perder com isso. Ele parece saber de algo.”

Eles nem se preocuparam em baixar a voz enquanto falavam.

“Karl pode não gostar disso.”

“Por que ele não gostaria? Isso não é nada para ele. No final, ele só vai levar o cadete com ele.”

“Isso é verdade.”

“O que você acha, Karl?”

Os pós-líderes viraram-se para olhar para Karl, que permanecia imóvel no lugar, sua expressão difícil de ler. Eu o encarava de onde estava, tentando avaliar cuidadosamente sua expressão, mas quanto mais eu olhava, menos eu via.

…..Era extremamente assustador.

A ponto de eu sentir os pelos do meu braço se arrepiarem.

E o fato de ele nem se importar em respondê-los, apenas me encarando, aumentava esse sentimento.

“Como esperado, você precisa ser removido.”

Sua voz era fria e baixa, com camadas sutis. Imediatamente, todos se viraram para olhar para ele. A forma como ele estava agindo… claramente os chocou.

Ba… Baque!

Meu coração pulou.

Uma sensação estranha apertou meu peito.

Fechei os olhos então.

“….”

Baixei a cabeça para olhar minha mão.

Ela estava tremendo novamente.

Não de nervosismo, mas de uma certa realização.

Uma realização que me fez estremecer.

“Uff.”

Respirei fundo.

“Karl, você está bem? O que está acontecendo…?”

Os outros pós-líderes estavam olhando para Karl com cautela. Olhando para eles, Karl não respondeu e continuou a fixar seu olhar em mim.

“Estava certo.”

Por ‘isso’, ele provavelmente estava se referindo à árvore.

“…..Eles não são o problema, você é.”

“Karl?”

“O que você está dizendo…?”

Permaneci em silêncio enquanto encarava aqueles olhos vermelhos.

Sufoca. Sufoca.

Raízes familiares começaram a aparecer sob o solo, enrolando-se em meus pés e subindo pelo meu corpo até alcançar meus olhos e boca, onde começaram a separá-los.

Minha visão piscou.

…..E o mundo ficou em silêncio.

Eu não ouvia nada, nem mesmo um sussurro de vento.

Ba… Baque! Ba… Baque!

A única coisa que eu conseguia ouvir era o som fraco do meu próprio batimento cardíaco.

Ele estava ficando mais fraco a cada segundo.

“Hmm! Hmmmm!”

“Umm!”

Esse silêncio foi quebrado por sons fracos de gemidos vindos de longe.

Eles foram suficientes para me fazer abrir os olhos de susto.

“H-Haaa…”

Meu peito apertou diante da visão que se apresentava diante de meus olhos.

E o ar foi sugado dos meus pulmões.

‘…..Então é assim.’

Folhas vermelho-sangue se espalharam pela minha visão, cobrindo a cidade que se escondia abaixo.

“Hmmm…! Hmm!”

Mãos se estenderam da casca negra da árvore enquanto gemidos ecoavam por todos os lados.

Sufoca. Sufoca.

Um som familiar cócegas meus ouvidos.

Minhas entranhas se reviraram com o som enquanto raízes subiam pelos cantos das minhas bochechas, arrastando lentamente meus olhos e orelhas para trás.

“…..”

Eu estava paralisado.

Preso dentro da árvore enquanto meu coração ficava entorpecido.

“Hmmm…!”

Eu falei, mas nenhuma palavra saiu.

Eu me debati, mas meu corpo se recusou a se mover.

Sufoca. Sufoca.

Logo desisti e fechei os olhos.

“…..”

Tudo ao meu redor ficou em silêncio.

Era apenas eu e meus pensamentos.

‘Quando…?’

Minha mente estava em branco.

Desde quando… a árvore me possuía?

“H-haa.”

O peso sobre meu peito aumentou.

…..Eu tinha considerado a possibilidade. Eu queria refutá-la, e ainda assim acabou se tornando realidade.

Tudo isso.

‘Desde o início…’

Tudo havia sido uma ilusão.

“Haa.. Haa…”

Como se uma pedra estivesse repousando sobre meu peito, eu lutava para respirar.

As pistas estavam lá.

O timing da Sombra Carmesim e dos monstros. O fato de todas as informações sobre a árvore estarem faltando.

…..E as raízes estranhas que continuavam aparecendo aqui e ali.

A árvore… Ela já tinha me dominado e estava apenas me deixando, e todos os outros que absorveu, viverem dentro de uma ilusão que criou para poder absorver a força vital daqueles dentro.

Nenhum de nós sabia.

A ilusão era perfeita.

…..Quase perfeita.

Mas, ao mesmo tempo, as pistas estavam escondidas à vista.

Minhas memórias do tempo antes de ser absorvido pela árvore haviam sumido, mas quando eu pensava nisso, no primeiro momento em que entrei na estação, lembrei de sentir algo.

Uma coceira estranha nas bochechas e tornozelos.

‘Certo, deve ser isso.’

…..Esse foi o ponto de partida onde minhas memórias foram sobrescritas.

Então…?

A visão que tive da missão… na verdade era a segunda vez que a via. Só que, o que quer que tenha acontecido antes, eu havia falhado.

“Haa… Haa…”

Senti meu corpo ficar frio com a realização.

‘Horripilante.’

Essa árvore…

Era horripilante.

“H-ha.”

E agora…?

Engoli minha saliva.

A cada segundo que passava, sentia minha mente ficando mais e mais entorpecida. A árvore estava lentamente me consumindo.

…..Eu sabia que não tinha muito tempo.

E ainda assim, a sensação de impotência que sentia parecia aumentar.

Ainda havia muitas perguntas que eu não sabia a resposta.

A árvore estava me mirando porque eu era o único procurando pistas sobre ela, ou havia algum outro motivo…?

Pensei nas palavras de Karl.

‘Estava certo.’

‘…..Eles não são o problema, você é.’

Senti minha boca ficar seca.

‘O que eu devo—’

Meus pensamentos foram interrompidos.

Antes que eu percebesse, a escuridão ao meu redor havia desaparecido.

O mundo ao meu redor era um familiar tom de vermelho.

“…”

Karl estava na extremidade oposta, seu olhar totalmente focado em mim, seus olhos vermelhos complementando o cenário do mundo.

Eu estremeci sob seu olhar.

Era como se ele soubesse que eu sabia.

“Haa… Haa…”

E minha respiração acelerou.

Suor começou a escorrer pelo lado do meu rosto.

“Isso…”

E então,

Estrondo—

“Hieeeeek—”

A parede distante explodiu, e um uivo alto ecoou por toda a estação. Uma mão enorme separou os pedaços quebrados, revelando uma figura alta e magra, lembrando os ‘Devoradores do Silêncio’, mas muito mais alto e grotesco.

Sua carne parecia estar descendo de seu rosto, e seu sorriso era ainda mais espesso.

Estrondo! Estrondo!

O mundo começou a tremer então.

Baque!

Quando a criatura pisou no chão, seus grandes olhos escanearam os arredores antes de se fixarem em nossa direção geral.

“Hieeeeeeeek—”

Foi quando ele soltou um grito alto e a barreira defensiva que nos cercava tremeu.

“Ukh….!”

“Que diabos é aquilo!?”

Os pós-líderes naturalmente ficaram abalados com a situação.

Olhando para o monstro, me senti entorpecido.

Mal conseguia pensar.

‘O que eu faço…?’

….Eu estava começando a perder de vista minha racionalidade.

‘Não, preciso me acalmar.’

Embora dissesse isso, tive dificuldade em fazê-lo.

Parcialmente por causa do efeito da árvore em minha mente, e parcialmente por causa do medo que me dominou.

Baque! Baque!

Batidas distantes ecoaram.

A cada batida, o chão tremia.

Estava ficando cada vez mais perto de nós.

No entanto, eu não tinha tempo para prestar atenção nisso. Meus pensamentos estavam nublados pela situação.

‘O que eu faço? O que eu faço? O que eu….’

Parei em um certo ponto e olhei para cima.

Dois olhos vermelhos me encaravam.

“Ah.”

E foi então que percebi.

“Certo…”

O tempo todo, a árvore estava escondendo informações sobre si mesma. Sempre que eu tentava algo, ela mudava a ilusão para dificultar minha descoberta. Era quase como se estivesse ganhando tempo para me ‘digerir’ completamente.

Então…

‘Devem haver regras que ela tem que seguir.’

E,

‘….Ela também deve ter uma fraqueza.’

Olhei diretamente na direção de Karl.

Essa fraqueza não era difícil de adivinhar.

“A página…”

Abri a boca para falar, finalmente me acalmando um pouco.

“….Eu preciso dela.”

Essa era sua fraqueza.