Capítulo 208: A Vontade Indomável [3]
Tok—
Atlas bateu na porta que levava ao escritório de Delilah.
Não houve resposta, mas ele não se importou e simplesmente sorriu, segurando a maçaneta e abrindo a porta.
“Isso não é um pouco rude da sua parte?”
“…”
Mais uma vez, Delilah não respondeu, concentrando sua atenção na papelada à sua frente.
Atlas achou a cena um tanto engraçada e se sentou na cadeira em frente à sua mesa.
Ele ficou sentado por alguns momentos enquanto olhava ao redor. Vendo todos os papéis e embalagens espalhados, ele balançou a cabeça.
Ela continuava a mesma.
“Entreguei a recompensa ao Julien.”
Só quando ele disse essas palavras, Delilah finalmente mostrou alguma reação, erguendo a cabeça para encarar seu olhar.
Atlas coçou o lado do rosto com certo divertimento.
“Também lhe dei algumas outras ervas para ajudá-lo. Ele deve conseguir absorver o osso ainda hoje. Me pergunto que tipo de habilidade ele aprenderá.”
Ele não estava falando apenas por falar.
Estava realmente curioso sobre o tipo de habilidade que Julien receberia.
Afinal, o osso pertencia a uma criatura do tipo Dragão.
O ápice do ápice.
Julien tinha sorte de poder transferir tal osso para seu corpo.
Até o próprio Atlas sentiu um pouco de inveja.
Mas, pensando bem, ele já tinha cinco ossos em seu corpo. Não poderia absorver outro, então a inveja era passageira.
“Faz quanto tempo desde que você deu o osso a ele?”
Pela primeira vez, Delilah falou.
Atlas olhou para ela antes de tirar seu relógio de bolso para verificar a hora.
“Deve ter sido há algumas horas. Ele deve terminar ainda hoje. Se não, amanhã.”
O processo de absorção de um osso geralmente era rápido. Era um pouco doloroso, mas também dependia da força da vontade deixada para trás.
Havia um pequeno risco associado a isso também.
Se a vontade fosse mais poderosa que a resiliência mental do usuário, isso levaria a muitos problemas, com vários casos de pessoas ficando idiotas e a vontade assumindo seus corpos.
Foi por isso que Atlas hesitou em dar o osso a ele no início.
Até que ele se lembrou da resiliência mental de Julien e não se preocupou mais.
Com uma pontuação mental tão alta, não precisava se preocupar com ele sucumbir à vontade.
Afinal, era impossível verificar o poder da vontade deixada no osso antes.
Por isso, havia uma regra geral para absorver ossos na faixa do rank Terror.
A regra era que eles deveriam ter pelo menos uma pontuação mental ligeiramente superior ou próxima do pico para sequer tentar.
Caso contrário, seria perigoso demais.
“A Cúpula dos Quatro Impérios é em cinco meses, então devemos nos preparar para ajudá-lo quando ele terminar.”
“Entendo.”
Delilah acenou casualmente com a cabeça e fechou os olhos. O mana no ar pulsou, e Atlas sorriu.
“Você diz que entende, e ainda assim verifica por conta própria se tudo está indo bem. Você cer—”
Os olhos de Delilah se abriram bruscamente, e um rastro raro de algo brilhou em seus olhos antes que ela desaparecesse.
Sua ação surpreendeu Atlas, que levou um momento para processar o que aconteceu e espalhar sua mana.
Ele mostrou uma reação similar ao dela pouco depois, quando sua figura ficou desfocada e ele desapareceu.
Tak—
No momento em que reapareceu, estava dentro de um apartamento razoavelmente decorado.
Seu pé pressionou o piso de madeira, que rangeu sob seu passo.
“Isso…”
Um raro traço de solenidade se espalhou por suas feições enquanto seus olhos se fixavam na figura sentada no meio da sala.
Uma caixa de madeira aberta repousava à sua frente, e raízes estranhas enrolavam seus tornozelos a partir do chão.
Delilah apareceu a alguns centímetros dele, sua mão pressionada contra sua cabeça enquanto mantinha os olhos fechados.
Após alguns segundos, seus olhos se abriram, e ela olhou para ele com uma expressão extremamente grave.
Atlas pôde perceber de relance que a situação não era boa.
“Qual é a situação?”
“…Ele está preso dentro de sua própria mente. A vontade é muito mais poderosa do que pensávamos.”
Seu olho baixou brevemente, focando nas raízes negras estranhas que enrolavam seus tornozelos.
“Tem algo lá dentro que está protegendo ele, mas mesmo assim, é uma luta.”
“…”
A expressão de Atlas não mudou muito com a notícia.
Ele não precisava fazer perguntas. Já sabia mais ou menos o que estava acontecendo.
Em casos assim, havia uma grande chance de a pessoa não sobreviver.
Na verdade, era mais provável que a vontade assumisse o controle. Se isso acontecesse, as coisas certamente ficariam problemáticas para eles.
…Não que fosse impossível sobreviver, mas aqueles que sobreviviam não voltavam exatamente os mesmos depois.
A situação…
Era o pior cenário possível.
Atlas apertou o meio das sobrancelhas. Logo, ele chegou a uma decisão.
“Mova o corpo dele para as celas e tenha alguém observando-o continuamente. Continue alimentando-o com pílulas de mana para que ele não se esgote e morra por causa disso.”
As celas, como o nome sugeria, eram a prisão da Academia, reservada para aqueles que tentavam infiltrar a instituição.
…Era um julgamento frio da parte dele, mas também necessário.
Se a vontade assumisse o controle, traria muitos problemas.
Era também pela segurança de Julien.
Mantê-lo nas celas garantiria que ninguém o perturbasse enquanto lutava contra a vontade.
Apesar da gravidade da situação, Atlas não parecia muito preocupado. O mesmo parecia valer para Delilah.
Ouvindo suas palavras, ela acabou concordando com um aceno de cabeça.
“Está bem.”
Pressionando sua mão contra a cabeça de Julien, os dois desapareceram do local, deixando Atlas sozinho na sala.
“…”
No silêncio que tomou o lugar, Atlas olhou ao redor antes de pegar a caixa de madeira do chão.
“…Quem diria que a situação acabaria assim?”
Talvez…
Ele lambeu os lábios, mas balançou a cabeça.
Melhor não.
Atlas podia ser um membro do conselho, mas não era nada aos olhos “dele”.
***
No dia seguinte.
A sala de aula começava a se encher conforme os cadetes entravam pelos dois lados. Leon, que gostava de ser pontual, chegou dez minutos antes. Era meio que seu costume ultimamente.
‘Estranho.’
Mas ao entrar na sala, sua expressão mudou um pouco.
Fazia parte de sua rotina bater na porta de Julien e ir para a aula com ele. No início, era porque era seu cavaleiro, mas ultimamente era algo que ele fazia sem pensar nisso.
‘Vício, eu acho…’
Dizem que se você faz algo por sessenta e seis dias, vira um hábito.
Acho que ele tinha chegado a esse ponto.
‘Ele não está aqui.’
Naquela manhã, Julien não atendeu à porta. Não era raro isso acontecer, pois às vezes ele acordava extremamente cedo para treinar.
A essa altura, todos sabiam que ele era fanático por treinamento.
E não um fanático comum.
Mas um fanático completamente maluco.
‘Talvez ele ainda não tenha terminado o treino ou tenha algo para fazer.’
Não seria estranho se fosse o caso. Ele também poderia estar cansado da cerimônia de premiação, mas ele a viu. Ele parecia meio estranho durante a parte de aceitação.
…Nervoso, de certa forma, o que era raro.
Desde quando aquele cara ficava nervoso?
Apesar da confusão, Leon deixou para lá e parou de pensar no assunto. Pegando seus livros e lápis, se preparou para a aula.
A aula de hoje era [Aplicação Moderna da Magia].
Era uma aula bastante popular.
Mas no fim das contas, ainda era uma aula teórica e, portanto, não tão popular quanto outras.
Com o passar do tempo, o barulho na sala começou a aumentar conforme mais cadetes entravam.
Quando a aula estava para começar, todos estavam presentes.
…Quase todos.
“Onde ele está…?”
Só faltava uma pessoa.
Ninguém menos que Julien.
Ele ainda não tinha aparecido, e Leon não foi o único a notar. Virando-se, ele viu que vários outros também perceberam.
Não era a primeira vez que Julien faltava à aula. Houve algumas vezes em que ele faltou, e nessas ocasiões foi porque estava machucado.
‘Ele se machucou…?’
Leon estava confuso, mas não pôde pensar muito no assunto, pois o professor entrou na sala.
“Vejo que todos estão presentes.”
O professor não era exatamente alto, mas também não era baixo. Com um bigode grisalho bem aparado e cabelo bem cuidado, ele tinha uma aura acessível.
Andando até o pódio, o professor pegou alguns documentos que havia preparado para distribuir, mas parou.
“Ah, certo.”
Como se tivesse lembrado de algo, ele colocou os papéis de volta e limpou a garganta.
“Antes de a aula começar, tenho um anúncio a fazer.”
A atenção de todos se voltou para ele, e Leon começou a ter um mau pressentimento.
Não podia ser que…
“Seu colega, Julien, não estará frequentando as aulas por um período indefinido.”
As palavras do professor foram como raios para alguns, que olharam para ele com os olhos arregalados.
Antes que alguém pudesse dizer algo, ele continuou:
“Ocorreu uma situação, e embora eu não saiba os detalhes, parece que isso o impedirá de participar das aulas por um tempo. Fui informado de que ele está bem e que vocês não devem se preocupar. Então, tratem isso como um anúncio leve.”
Foi só após a segunda parte do anúncio que sussurros começaram a se espalhar, e os cadetes começaram a conversar entre si.
“O que aconteceu, você sabe?”
“Acha que ele se meteu em encrenca?”
“…Acho que não, mas não é impossível. Apesar da aparência, ele é bem rígido com as regras. Não acho que causou problemas.”
“Uma lesão, talvez?”
O barulho chegou aos ouvidos de Leon, que ouviu com uma pequena carranca.
“Ele está bem, e anúncio leve?”
Leon franziu a testa por um momento antes de respirar fundo. Se era esse o caso, não havia motivo para se preocupar.
Mas esses pensamentos não duraram muito.
Mesmo com o passar dos meses, Julien… ele nunca mais voltou.
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