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    Creeek—

    Por fim, consegui abrir a porta do armário. O que encontrei foi um quarto destruído. Lençóis, brinquedos, pedaços de móveis e estilhaços de um espelho quebrado… o chão estava coberto de objetos dos mais variados tipos.

    Parecia que um furacão havia varrido o cômodo.

    ‘…O que aconteceu?’

    Um som de esmagamento ecoou quando dei um passo à frente.

    Levei um momento para assimilar completamente o ambiente ao meu redor. Examinei todas as pistas espalhadas pelo quarto, desde as fotos até os ursinhos de pelúcia rasgados, e as peças começaram a se encaixar.

    ‘Este é o quarto da Kiera.’

    No momento, estava uma bagunça completa e eu era o único presente.

    Por algum motivo, eu ainda estava preso no reino da terceira folha. Pensando na terceira folha, minha cabeça latejou.

    “Pela segunda vez.”

    Esta era a segunda vez que algo incompreensível acontecia.

    A primeira vez com Delilah e seus chocolates, e a segunda com Kiera e os… cigarros.

    “…Isso é realmente viagem no tempo?”

    Mas como isso seria possível…? Se fosse realmente viagem no tempo, então fui eu quem influenciei tanto Delilah quanto Kiera? Isso fazia algum sentido?

    “Pode ser algum tipo de paradoxo onde eu apenas sigo o que já aconteceu.”

    Nesse sentido, se eu realmente fui quem influenciou as duas, a linha do tempo do mundo já se ajustou para levar em conta minhas ações futuras.

    Isso…

    Francamente, foi difícil assimilar esse pensamento.

    O que aconteceria se eu simplesmente as matasse? …Ou poderia haver restrições? Como a parede invisível que me impedia de me aproximar de Kiera?

    ‘Pode ser isso…’

    Mas eu estava mais inclinado a acreditar que estava apenas revivendo uma versão alterada de seus traumas mais profundos. No caso de Delilah, quem lhe dera os chocolates foi outra pessoa, e quem acendia os cigarros no armário era a própria Kiera.

    “…”

    Pensando no tempo que passei no armário, virei-me para olhá-lo.

    Assim como o resto dos móveis, estava bastante desgastado, cheio de arranhões e amassados por fora.

    A tranca estava quebrada, e quando a examinei, percebi algo.

    ‘Eu deveria ter conseguido abrir a porta sem problemas.’

    Creeeek—!

    Como esperado, no momento em que toquei a porta, ela rangeu e se abriu facilmente ao meu toque. Foi então que percebi que a única presa naquele armário era eu.

    Kiera… ela não estava presa.

    Ela estava apenas se escondendo ali.

    “Ah.”

    Também compreendi outra coisa.

    “Então é isso…”

    A razão pela qual eu estava preso, sufocado e com fome… Era porque a terceira folha estava me fazendo experimentar tudo o que Keira sentiu naquela época.

    Desde como ela se sentia presa no escuro, até o medo e o sentimento de desamparo que a consumiam.

    Eu fui feito para sentir tudo.

    “…”

    Fechando os olhos, lembrei silenciosamente de todas as sensações e as gravei em minha mente antes de abrir os olhos novamente.

    No momento em que meus olhos se abriram, me vi de pé no beco familiar.

    Kiera estava deitada diante de mim e eu podia ouvir a voz de sua tia ao lado.

    Então eu entendi…

    ‘Estou de volta.’

    A visão havia terminado. Pensei que entenderia mais sobre a situação, mas isso só levou a mais perguntas.

    No entanto, juntando tudo, eu tinha uma ideia do que havia acontecido.

    “Você não está me ouvindo?”

    “…Estou.”

    Erguendo a cabeça, olhei para a tia de Kiera. Seus olhos estavam estreitados, e eu podia perceber que ela estava irritada comigo.

    Mas, por algum motivo, ela se conteve.

    Eu tinha uma ideia do porquê, e usei isso a meu favor.

    “Há quantos anos você está encarregada de encontrar o espelho?”

    “…”

    No momento em que minha voz ecoou, sua boca se fechou. Ela apenas me olhou sem dizer uma palavra. Era uma pena, considerando que eu estava fazendo isso para obter informações dela, mas eu era uma pessoa paciente.

    Continuei tentando derrubar suas barreiras,

    “Você ficou desesperada ao longo dos anos.”

    Olhei levemente na direção de Kiera.

    “Em seu acesso de raiva, você quase a matou. Sua preciosa sobrinha. Mas, no final, você ainda não obteve nenhuma pista sobre onde está o espelho.”

    “…”

    “É patético.”

    Certifiquei-me de enfatizar as últimas palavras.

    …Enquanto falava, pensei em injetar um pouco de magia emotiva em minha voz, mas me contive. Embora as chances não fossem altas, havia uma pequena possibilidade de ela detectar algo.

    Por esse motivo, abandonei essa ideia.

    Eu simplesmente não achava que precisaria dela.

    “Matá-la só vai piorar nossa situação. A Chanceler está na cidade. No momento em que Kiera morrer ou desaparecer, você não escapará de seu olhar. Bremmer pode estar sob ‘nosso’ controle, mas há um limite. Se aquele monstro realmente tentar, nenhum de nós… e quero dizer, nenhum de nós será capaz de escapar dela.”

    Se Deliah estivesse determinada a caçar a pessoa responsável por matar Kiera, então ninguém seria capaz de detê-la.

    Nem Atlas, nem o Imperador, e nem ela.

    Não havia como fugir de Delilah, e a tia de Kiera começou a entender isso enquanto sua expressão se relaxava.

    No momento em que percebi isso, não me acalmei.

    Pelo contrário, fiquei mais tenso e parei de falar.

    “…”

    “…”

    Ela também não disse uma palavra e apenas me encarou em silêncio.

    Para não ficar atrás, eu também a encarei. Naqueles olhos rubis familiares, até que, por fim, seus lábios se curvaram em um leve sorriso.

    “Você tem sorte.”

    Foram apenas duas palavras, mas foram suficientes para eu entender sua decisão.

    “…Estou muito tentada a simplesmente te matar, mas como você disse, não vai acabar bem para mim se eu fizer isso.”

    Ela encolheu os ombros.

    “Que pena. Pensei que estava perto de descobrir o paradeiro do espelho, mas ela realmente é dura de matar.”

    Abaixando a cabeça, o olhar de Rose pousou sobre Kiera.

    “Realmente… que pena.”

    Rose se virou.

    Ela vestia um terno cinza que se ajustava perfeitamente ao seu corpo. Um blazer branco pendurado sobre seus ombros, esvoaçando atrás dela enquanto se virava.

    Sem olhar para trás, ela saiu do beco com as mãos nos bolsos.

    “…Voltarei em breve. Deixo ela em suas mãos.”

    À medida que os suaves cliques de seus saltos ficavam cada vez mais distantes, meus olhos se encontraram com os do Professor. Ele não disse nada, mas entendi suas intenções. Acenando levemente com a cabeça, ele acenou de volta e se virou, seguindo Rose.

    “…”

    Pouco depois que eles saíram, fiquei em silêncio, encarando Kiera deitada no chão com os cabelos espalhados pelo rosto.

    Memórias do tempo em que estive preso no espaço escuro ressurgiram em minha mente.

    Não tenho certeza por quanto tempo fiquei parado, mas, eventualmente, me abaixei e a peguei no colo.

    Uma névoa começou a se espalhar do meu corpo, envolvendo-nos completamente. Então dei o primeiro passo para fora do beco e voltei para a residência.

    ‘Só desta vez.’

    ***

    Kiera sentiu-se entrando e saindo da consciência.

    Um rosto aparecia continuamente em sua mente, fazendo seu coração bater em agitação.

    Escorregando entre a consciência e a inconsciência, ela via a escuridão familiar, e seu coração estremecia. O escuro… ela o odiava.

    Não, temia.

    …Quanto mais era exposta a ele, mais sua ansiedade crescia.

    Era por isso que ela nunca dormia com a luz apagada. Lembrava-a demais daquela época.

    Ela fez de tudo para esquecer aquela época.

    Desde arrumar seu quarto e ser organizada para não se lembrar do estado em que estava quando saiu, até garantir que nunca ficaria sozinha no escuro.

    Kiera fez o seu melhor para esquecer.

    E ainda assim…

    O rosto brilhou em sua mente novamente, e seus olhos se abriram violentamente.

    Aquela vadia!

    “….!”

    Arfando para trás, a expressão de Kiera se distorceu ao sentir-se segurada por algo.

    “Vadia—!”

    Suas palavras pararam no momento em que percebeu algo estranho.

    “Uh?”

    Olhando ao redor, Kiera ficou atônita ao ver-se apoiada nas costas de alguém. Eram costas largas, e quando seu olhar pousou sobre a pessoa que a carregava, percebeu que ele parecia familiar.

    “…Você acordou.”

    Até sua voz era familiar.

    Quem seria…

    “Estamos quase lá.”

    Quando sua cabeça se virou, Kiera finalmente pôde ver seu rosto.

    Com cabelos negros e macios e olhos castanhos profundos que carregavam uma certa dignidade difícil de esconder, não era outro senão Julien.

    E foi só quando o viu que ela finalmente registrou o que havia acontecido, relaxando. Mas não por muito tempo, pois sua cabeça virou para verificar os arredores, apenas para ficar chocada ao ver que estavam cercados por uma névoa.

    “O que—”

    “Uma habilidade minha.”

    “…”

    “A situação exigia.”

    “Oh.”

    Kiera olhou para baixo e entendeu. Realmente, se ele andasse por aí assim, seria bem estranho.

    “Pode me soltar.”

    “Claro.”

    Julien parou, e Kiera pulou de suas costas. Ela olhou para a névoa por um breve segundo antes de voltar sua atenção para Julien.

    Havia muitas perguntas que ela queria fazer.

    “O que aconteceu? Por que você estava me carregando?”

    “…Sei lá.”

    Julien encolheu os ombros.

    “Encontrei você desmaiada no meio de um beco. Sou eu quem está mais curioso sobre sua situação.”

    “Oh.”

    Os olhos de Kiera se estreitaram.

    Por algum motivo, ela não acreditou nele.

    Ele definitivamente sabia de algo. Ainda assim, ela deixou para lá. Como ele não queria falar, ela não pressionou.

    “Certo…”

    Kiera limpou a garganta e encarou Julien diretamente.

    “Minha tia veio.”

    “…”

    “Ela é a razão pela qual estou nesse estado.”

    Ela não escondeu nada, contando-lhe tudo. Enquanto fazia isso, seu olhar estava fixo nele. Ela queria ver que reação ele teria. Encontrar alguma abertura que pudesse explorar, mas…

    “…”

    Essa abertura nunca veio.

    O tempo todo, sua expressão permaneceu estoica.

    Isso irritou Kiera, mas o que ela poderia fazer? Não era como se pudesse forçar a informação dele. Justamente quando Kiera estava prestes a se resignar à situação, Julien finalmente falou.

    “Sua tia sobreviveu, como você se sente com isso?”

    “…Como eu me sinto com isso?”

    Kiera zombou, olhando para Julien com um olhar de escárnio.

    A resposta não era óbvia?

    Ela se sentia um lixo. Um completo lixo, e justamente quando estava prestes a dizer isso a ele, percebeu algo.

    Sua boca… Se recusava a deixar essas palavras saírem.

    ‘Uh?’

    Não importava o quanto tentasse, as palavras simplesmente se recusavam a sair.

    Atônita, Kiera olhou para Julien, que a encarava com o mesmo olhar indiferente de sempre. Kiera encarou aqueles olhos por um tempo desconfortável antes de, eventualmente, morder os lábios e baixar a cabeça.

    “Feliz.”

    “…Por quê?”

    Em vez de surpreso, o tom de Julien permaneceu passivo.

    Kiera ficou em silêncio por um breve momento antes de erguer a cabeça novamente.

    “Porque eu queria matá-la eu mesma.”

    Isso mesmo, Kiera queria ser quem mataria sua tia. Não Julien, não qualquer outra pessoa, mas ela mesma.

    “…”

    Julien ficou em silêncio por um breve momento, absorvendo suas palavras antes de abrir a boca novamente,

    “E se eu te dissesse que fui eu quem a ajudou a escapar?”

    Kiera congelou por um segundo, incapaz de assimilar completamente suas palavras enquanto o olhava com expressão estúpida. Sua expressão era indiferente, encarando-a e esperando sua resposta.

    Kiera não sabia como reagir enquanto suas sobrancelhas se franziam.

    Ele estava falando sério ou estava brincando? Kiera pensou naquela época na prisão e relembrou suas ações.

    Mas quanto mais pensava, mais improvável parecia que ele tivesse qualquer participação na fuga de sua tia.

    ‘Ele provavelmente acha que a ajudou a escapar com seu ataque.’

    Ou alguma besteira assim.

    Foi então que ela pensou direito na pergunta, e logo seus lábios se torceram em um sorriso malicioso enquanto ela caminhava para dentro da névoa.

    “Eu te agradeceria por isso.”

    Kiera riu.

    “…Mas também te mataria por isso.”

    Sua figura eventualmente se fundiu completamente com a névoa, fazendo-a desaparecer por completo e deixando Julien sozinho.

    Erguendo a mão, ele olhou para sua palma.

    “Me mataria por isso?”

    O canto de seus lábios se ergueu levemente enquanto sua mão se fechava.

    “…Acho que era de se esperar.”


    Kiera Mylne : Adormecida
    : Progresso – 13% ——> 19%

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