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    Evelyn ficou paralisada, sua respiração presa na garganta enquanto encarava a estátua diante dela. Seus olhos sem vida pareciam perfurar sua alma, seu olhar embaçado repleto de vazio.  

    Conforme se aproximava, as finas rachaduras ao longo de seu nariz se tornavam mais pronunciadas, e os filetes negros que escorriam por suas bochechas se infiltravam em seu rosto, destacando sua tristeza.  

    O ar ao seu redor ficou mais frio, e o silêncio parecia ensurdecedor.  

    Apesar da situação em que se encontrava, Evelyn conseguiu permanecer calma.  

    Enquanto a escuridão envolvia os dois, ela estendeu a mão, um círculo mágico roxo flutuando sobre sua palma enquanto começava a girar.  

    “Eu já conheci um Clérigo.”  

    No silêncio, ela começou a falar enquanto a estátua permanecia imóvel, encarando-a sem se mover.  

    Será que ela podia se mover?  

    “Havia uma ‘pessoa’ que eu conhecia que começou a se tornar diferente. Sua personalidade inteira deu uma reviravolta do nada. No início, me disseram que era algo que homens jovens passam. Puberdade, como dizem. Mas…”  

    O círculo girava com velocidade crescente, as runas em sua superfície se tornando borradas enquanto a cor se aprofundava em um tom mais escuro.  

    “…Será que um jovem na puberdade poderia mudar tanto? Quase como se fosse uma pessoa completamente diferente. E não só isso… mas tantas vezes assim?”  

    Evelyn riu com desdém.  

    “Eu podia ser jovem, mas não era burra. Havia algo fundamentalmente errado com ‘ele’. Pensei que ele estivesse doente, mas não estava.”  

    O círculo mágico girava ainda mais freneticamente, relâmpagos crepitando ao seu redor, com faíscas de eletricidade orbitando o círculo em rajadas erráticas.  

    Tal ação fez a escuridão ao redor tremer, a área em torno do círculo mágico flutuando levemente.  

    Apesar de tudo o que acontecia ao seu redor, a expressão de Evelyn permanecia neutra, tensionando-se enquanto seu maxilar se apertava.  

    “…Ele estava possuído.”  

    Ela cuspiu através dos dentes cerrados.  

    “Pelo menos, foi o que pensei. Ele voltava ao normal cada vez, retornando ao seu eu habitual. Isso é o que tornava difícil de perceber, e o que fazia os outros descartarem essa possibilidade. Mas eu ainda acreditava. E por isso, pedi ao Clérigo para me ensinar algo.”  

    Evelyn ainda se lembrava daquele dia.  

    Ela tinha apenas quinze anos. Foi mais ou menos na época em que foi autorizada a começar a praticar sua mana.  

    Vendo o Clérigo — um homem alto em vestes escuras marcadas com uma cruz vermelha no centro — saindo da residência dos Evenus enquanto balançava a cabeça e insistia que Julien não estava possuído, Evelyn implorou desesperadamente que ele a ensinasse algo.  

    Para ensiná-la, caso ele mudasse novamente.  

    No início, o Clérigo hesitou, dizendo coisas como: ‘Você é muito jovem’, ‘Ele não está possuído’, ‘Não adianta’, ‘Você está perdendo tempo’, e assim por diante. Mas ela persistiu e, no final, em nome da casa Verlice, ele a ensinou algo.  

    Era um único feitiço destinado à autodefesa, mas era o suficiente.  

    Faíscas irromperam do círculo mágico flutuando na mão de Evelyn, crepitando com energia instável. Enquanto sentia a energia drenando de seu corpo, ela direcionou sua mão trêmula em direção à estátua.  

    Mas, ao fazer isso, a estátua finalmente mostrou sinais de movimento.  

    Cr Crack!

    Um estalo agudo ecoou pelo ar enquanto uma linha fina se formava em torno de seu pescoço.  

    Evelyn congelou, sua respiração presa enquanto a estátua começava a tremer. Instintivamente, ela estendeu a mão para pressioná-la, mas antes que pudesse fazer contato, a cabeça da estátua se virou bruscamente, girando 180 graus com um rangido horrível.  

    Crack!  

    Onde o rosto antigo estava, um novo agora a encarava — um rosto que ela reconhecia muito bem.  

    A mão de Evelyn pairou no ar, seu coração acelerado enquanto um frio a dominava.  

    “…!”  

    Antes que Evelyn pudesse reagir, outro estalo cortou o ar. A cabeça da estátua girou noventa graus, revelando outro rosto sob a superfície rachada.  

    Selado na pedra, encarando-a com expressão vazia, estava o rosto de Aoife. Os olhos sem vida e a expressão fria e rígida enviaram uma onda de horror sobre Evelyn, sua respiração parando.  

    Estala!

    A cabeça da estátua virou novamente.  

    Um novo rosto apareceu.  

    Josephine.  

    Estala!  

    Virou mais uma vez.  

    Cada vez, um novo rosto surgia.  

    Estala! Estala!

    Em rápida sucessão, a cabeça da estátua se contorcia e girava, seu pescoço se torcendo com velocidade aterrorizante.  

    Cada movimento revelava um novo rosto, cada vez mais familiar para Evelyn.  

    Evelyn ficou plantada no lugar, sua mente acelerada e seu corpo tenso enquanto a cena de pesadelo se desenrolava diante dela.  

    Quanto mais olhava, mais ela percebia algo.  

    “…Todos pertencem a pessoas do nosso Império e do Império Aurora.”  

    Ela mal conseguia ver alguém dos outros dois Impérios. Era uma coincidência? Um esquema orquestrado pelos outros Impérios…?  

    “Não, pode não ser isso.”  

    Os pensamentos de Evelyn dispararam. Então, logo ela entendeu.  

    “Certo, é isso…”  

    Havia apenas uma explicação possível para tudo isso, e ela a compreendeu rapidamente.  

    O Anjo…  

    Ele mirava naqueles que tinham as mentes mais fracas.  

    E, nesse caso, os que tinham as mentes mais fracas eram óbvios. Eram aqueles que voltaram do incidente estranho do culto há algum tempo. Seu Império e o Império Aurora.  

    Embora muitos não demonstrassem, e os Impérios tentassem ajudar todos os envolvidos, os danos duradouros do incidente ainda permaneciam frescos na mente de muitos.  

    Morrer múltiplas vezes não era algo que qualquer um poderia suportar.  

    …Isso os assombrava em segredo, e através disso, o Anjo conseguiu explorar sua fraqueza e entrar em suas mentes.  

    A realização atingiu Evelyn rapidamente.  

    Muitas coisas começaram a fazer sentido para ela naquele momento, enquanto seu ombro se contraía e ela empurrava a mão para frente.  

    Mas, ao fazer isso, o Anjo ganhou vida.  

    O pescoço da estátua parou em um rosto específico, seus traços agora travados em um pequeno sorriso. A escuridão ao seu redor parecia pulsar e se contorcer, engolindo a estátua inteira.  

    Crack!

    Com um estalo repentino e penetrante, a estátua desapareceu, dissolvendo-se nas sombras como se inúmeras mãos negras tivessem emergido para arrastá-la de volta à escuridão.  

    Foi então que a mão de Evelyn avançou.  

    Cracka!

    No mesmo instante, correntes feitas de relâmpagos desceram, acorrentando o espaço vazio diante dela.  

    “…!”  

    Sentindo seu ataque errar, Evelyn se virou e viu o Anjo aparecer, seus braços não mais unidos em um gesto de súplica, mas estendidos para agarrar seu pescoço.  

    Ele só parou no momento em que os olhos de Evelyn se fixaram nele.  

    Ela sentiu todo o seu corpo ficar tenso ao notar a figura do Anjo começando a desaparecer novamente, as mãos se estendendo para puxá-lo de volta à escuridão.  

    Quando ele desapareceu, Evelyn sentiu seu coração batendo na garganta enquanto a nuca formigava.  

    “…!”  

    Sua cabeça virou, e uma mão agarrou sua garganta.  

    “Uekh!”  

    As pupilas de Evelyn se contraíram.  

    Em um momento de crise, ela ergueu a mão e cerrou o punho. As correntes de relâmpago que se enrolavam atrás dela dispararam em direção ao Anjo.  

    As correntes se moveram rapidamente.  

    Antes que o Anjo pudesse desaparecer como antes, as correntes o agarraram, envolvendo seus braços e corpo, e selando seus movimentos.  

    A escuridão que abraçava seu corpo começou a desaparecer, revelando toda a estrutura da estátua enquanto ela a encarava, suas lágrimas escorrendo por suas bochechas.  

    “Cough!”  

    Os pulmões de Evelyn queimavam enquanto ela tossia uma vez e a luz retornou a seus olhos.  

    Quando recobrou a consciência, percebeu que estava deitada em uma cama desconhecida. Olhou ao redor e viu que era a enfermaria.  

    “…Estou livre.”  

    Apesar de livre, ainda estava tensa.  

    Olhando em volta, pegou seu dispositivo de comunicação e se preparou para enviar uma mensagem a Leon sobre a situação quando parou.  

    “Não, essa não é a decisão certa.”  

    Embora o Anjo estivesse atualmente selado dentro dela, não havia garantia de que ele não poderia ver suas ações. O Anjo tinha olhos e ouvidos em todos os lugares.  

    …Não só isso, mas ele provavelmente a miraria.  

    “Uekh.”  

    Segurando o peito, saiu da cama e vestiu suas roupas.  

    Ao mesmo tempo, guardou o dispositivo de comunicação.  

    Como as coisas estavam, ela precisava encontrar uma maneira diferente de transmitir as informações que descobriu. Uma maneira que não deixasse o Anjo ciente de quem estava envolvido.1  

    Só assim eles poderiam resolver a situação.  

    ***  

    Após a derrota de Evelyn, Aoife voltou à Praça, agindo como sempre. À primeira vista, ela não parecia diferente, mas quanto mais Leon a observava, mais ele sentia que algo estava errado.  

    Aoife… Ela estava anormalmente calma.  

    Calma demais.  

    Em uma situação como essa, ela normalmente teria mostrado um pouco de arrependimento.  

    “Parabéns pela vitória.”  

    Como se notasse seu olhar, Aoife foi cumprimentá-lo. Leon rapidamente saiu do transe e respondeu com um sorriso.  

    “Obrigado. Você também foi ótima.”  

    “…Obrigada.”  

    Ele não podia mostrar que sentia algo estranho nela.  

    Por isso, após alguns segundos, ele sorriu amargamente enquanto coçava a nuca.  

    “…Mas me sinto um pouco mal pela Evelyn.”  

    “Ah.”  

    Aoife mostrou uma expressão de compreensão antes de baixar a cabeça.  

    “Desculpe, mas você sabe que eu tinha que fazer isso.”  

    “Sim, vocês duas tiveram uma ótima luta. Você ficou muito mais forte que antes.”  

    “Eu treinei muito.”  

    “…Dá para perceber.”  

    O nariz de Leon se contraiu enquanto falava com ela. Quanto mais interagia, mais seu peito ficava pesado. Sinais de alerta continuavam a soar em sua mente, dizendo que algo estava errado, e ele só podia reprimir seus impulsos mostrando uma expressão falsa e contida.  

    Foi só depois de conversarem por mais alguns minutos que Aoife se despediu e sentou sozinha, pegando o tablet para assistir às outras lutas.  

    Leon desviou o olhar dela, com medo de levantar suspeitas, e virou-se para Julien.  

    Estava prestes a falar quando parou.  

    “Isso…”  

    Sentado com a cabeça erguida para as plataformas acima, os olhos de Julien cintilavam com cores estranhas enquanto ele parecia distante.  

    Ele parecia fora de si.  

    Quase como se estivesse em transe.  

    “…É como antes.”  

    Ele havia notado isso antes durante sua luta contra o Vice-Chanceler, mas desta vez as cores que mudavam em seus olhos eram mais proeminentes. Ele podia vê-las vividamente e sentiu um certo frio ao encará-las.  

    Quase parecia que estava sendo sugado para dentro delas.  

    Quando Leon se recuperou, os olhos de Julien voltaram ao normal enquanto sua cabeça se virava para encontrar os olhos dele.  

    Eles se encararam por um breve momento antes que os lábios de Julien se abrissem.  

    “…Do jeito que você está me olhando, eu estaria mais preocupado com você do que com Caius.”

    1. Posso estar sendo meio cético como tradutor, mas não era só avisar a Delilah?[]

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