Índice de Capítulo

    Diante dos membros reunidos, vestido em trajes de índigo profundo, o Cardeal Hamsia ergueu um Cálice no ar.  

    “Em seu nome, buscamos não apenas o dom da imortalidade, mas a sabedoria para abraçar nossa jornada eterna.”  

    Sua voz ecoou pela sala mal iluminada.  

    Em uníssono, os cadetes e sacerdotes entoaram suavemente, suas vozes harmonizando.  

    “Mortum, concede-nos vida além da tumba,”

    “Nas sombras e na luz, nossas almas salvas.”

    “Através da teia sem fim do tempo, nós nos erguemos e nos curvamos,”

    “Com teu poder ilimitado, nossos espíritos transcendem.”

    Leon e Evelyn ficaram lado a lado enquanto recitavam os cantos que aprenderam desde a infância. Tendo memorizado toda a liturgia desde criança, eles sabiam cada linha de cor.  

    Esta não era a primeira missa que frequentavam.  

    …E o mesmo valia para a maioria dos cadetes envolvidos, pois nenhum deles teve dificuldade em recitar as palavras do Cardeal, que ergueu o Cálice ainda mais alto.  

    “Com cada oferenda, reafirmamos nosso laço com o eterno. Abracem o dom da imortalidade, não como um fardo, mas como uma jornada sagrada.”  

    “Mortum, guardião da porta invisível,”

    “Guia nossos passos nesta costa atemporal.”

    “Com cada respiro, buscamos teu abraço,”

    “Na dança do cosmos, encontramos nosso lugar.”  

    Evelyn e Leon entoaram novamente.  

    Foi então que o Cardeal baixou o Cálice e tomou um gole do líquido.  

    “Ofereço este primeiro gole ao próprio deus, Mortum. Que nos concedas o dom da saúde e da vida eterna.”  

    Após suas palavras, a sala se agitou enquanto os cadetes começaram a se mover, formando uma longa fila que levava ao Cardeal.  

    Agora era a vez deles de beber do cálice.  

    “Não sei quanto a isso…”  

    Evelyn murmurou baixinho, ficando à frente de Leon enquanto a fila diminuía. Leon piscou os olhos algumas vezes e inclinou a cabeça.  

    “O que foi?”  

    “…Não acho que isso seja muito higiênico.”  

    “Já fizemos isso muitas vezes antes.”  

    “Sim, mas quando éramos crianças. Agora que crescemos, não sei, parece estranho beber do mesmo copo que todo mundo.”  

    “Bem, quando você diz assim…”  

    Leon também franziu a testa.  

    No entanto, era tudo o que podia fazer. Não era como se pudesse simplesmente sair da fila e recusar o gole do Cálice. Era algo que acontecia em toda missa e representava um dos muitos símbolos de Mortum.  

    “Que o próximo avance.”  

    Antes que percebessem, sua vez chegara.  

    Embora Evelyn parecesse relutante, ela ainda tomou um gole do líquido e saiu.  

    Leon avançou logo depois.  

    Ele ficou cara a cara com o Cardeal, que sorriu gentilmente e estendeu o Cálice.  

    “Que sejas abençoado com a graça de Mortum.”  

    “…”  

    Leon acenou levemente e desviou o olhar para o Cálice. Ele não tinha prestado muita atenção nele antes, mas agora que estava mais perto, sua expressão mudou sutilmente.  

    ‘Isso não é…?’  

    Embora não fosse uma réplica exata, o Cálice… Era uma clara imitação do Cálice que ele possuía.  

    Isso…  

    Seus olhos tremeram enquanto erguia a cabeça para olhar o Cardeal.  

    “O que houve?”  

    O Cardeal piscou, inclinando a cabeça enquanto segurava o Cálice. Leon se recuperou rapidamente, abaixando a cabeça e tomando um gole do líquido.  

    Era apenas vinho comum.  

    E ainda assim…  

    “…!”  

    Algo dentro de seu peito se agitou no momento em que o líquido tocou seus lábios.  

    Não conseguia explicar o que era, mas era quente. Leon reprimiu a sensação e voltou para o fundo da sala, onde Evelyn estava.  

    O calor que percorria seu corpo se intensificou a cada segundo, e suor começou a escorrer de seu rosto. Embora não demonstrasse externamente, Leon estava em pânico por dentro.  

    ‘Preciso sair daqui. Algo está er—’  

    Craaack—  

    Um som alto de algo rachando reverberou pela sala.  

    Todas as cabeças se viraram para a fonte do som…  

    O Cálice.  

    “Ah!”  

    “Olhem!”  

    Um dos cadetes apontou para o Cálice. Foi então que todos notaram as grandes rachaduras que haviam aparecido por toda a peça.  

    “Como isso é possível?!”  

    A expressão do Cardeal mudou drasticamente ao ver as rachaduras. Sua calma exterior desapareceu, substituída por um olhar perturbado enquanto afastava o Cálice e o colocava em uma mesa próxima.  

    Craaack—  

    Mais rachaduras surgiram a cada segundo.  

    Todos assistiram horrorizados enquanto o Cardeal tentava consertar a situação. No entanto, apesar de seus esforços, as rachaduras só aumentavam.  

    Virando-se rapidamente para um dos sacerdotes, o Cardeal gritou:  

    “Alguém traga o—”  

    Mas era tarde demais.  

    Estrondo!

    O Cálice estilhaçou-se em centenas de pedaços, derramando o vinho por todo o chão.  

    “Não, não…!”  

    Pálido, o Cardeal olhou para os restos do Cálice com horror, tentando recolher os cacos desesperadamente.  

    “Como isso pôde acontecer?! Este é um artefato passado por gerações… Como pode simplesmente quebrar assim? Como é possível?!”  

    Sua voz desesperada ecoou pelo local.  

    Os sacerdotes ao seu lado também mostravam expressões de choque.  

    Só eles sabiam o quão importante o Cálice era.  

    Leon observou tudo com um olhar perdido. A sensação quente em seu peito estava mais forte do que nunca, mas mesmo assim, ele não conseguia entender o que havia acontecido.  

    No entanto, se havia uma coisa que ele sabia, era que…  

    ‘Eu sou a causa disso.’  

    Ele…  

    Era a origem do caos que se instalara no local.  

    “Ukh.”  

    Uma pontada repentina no peito tirou Leon de seus pensamentos. Ele rapidamente levou a mão à boca e se curvou levemente. Seu rosto ficou mais pálido e seu corpo, mais fraco.  

    “Leon?”  

    Evelyn, que estava mais perto, notou imediatamente sua condição e ficou preocupada.  

    Leon ergueu a mão para impedi-la de se aproximar.  

    “Kh… Estou bem.”  

    Não estava, mas precisava parecer estar.  

    Não podia mostrar nenhum comportamento suspeito.  

    Quem sabia o que aconteceria se descobrissem que ele era a causa daquilo tudo?  

    “Devemos ir?”  

    A sugestão de Evelyn o ajudou a se acalmar.  

    Ele olhou em volta e viu que vários cadetes já estavam indo embora. Com os sacerdotes ocupados demais com o Cálice e os professores presentes também saindo, Leon acenou levemente.  

    Precisava sair dali.  

    “Vamos.”  

    E assim o fizeram.  

    “Urkh.”  

    “Tem certeza que está bem?”  

    Mesmo enquanto se afastavam do local da missa, a dor no peito de Leon persistia, intensificando até seu rosto ficar ainda mais pálido.  

    Evelyn forçou Leon a parar e olhou seu rosto mais de perto.  

    “Você está suando muito.”  

    Ela colocou a mão em sua testa.  

    “Nossa! Está quente!”  

    Evelyn se afastou, sua expressão ficando tensa.  

    “Está com febre! Por que você—”  

    “…Encontrei vocês.”  

    Uma voz calma interrompeu Evelyn. Quando ela se virou, viu Julien se aproximando à distância.  

    Leon também ergueu a cabeça e olhou para Julien, que franziu a testa ao vê-lo.  

    “O que há de errado com você?”  

    “Ele está com febre.”  

    Evelyn respondeu por Leon.  

    “…Parece que sim.”  

    Julien não duvidou das palavras de Evelyn. A palidez de Leon dizia tudo.  

    Evelyn olhou para Leon novamente, preocupada, antes de se dirigir a Julien.  

    “Pode levá-lo à enfermaria? Eu vou—”  

    “Na verdade, há algo que quero falar com você primeiro.”  

    “Eh?”  

    Evelyn piscou os olhos, claramente surpresa.  

    “Quer falar comigo sobre algo?”  

    “Sim.”  

    Julien respondeu em um tom muito sério. Suficiente para que Evelyn entendesse que ele não estava brincando.  

    No entanto, ao olhar para Leon e ver seu estado, ela balançou a cabeça.  

    “O que for, podemos falar depois. É melhor levarmos Leon para a—”  

    “Não, vá.”  

    Leon interrompeu Evelyn.  

    “Mas—”  

    “Vá conversar com o Julien. Eu fico aqui.”  

    “Mas—”  

    “Vou ficar bem. Se for só febre, posso tomar uns remédios e melhorar.”  

    Na verdade, Julien apareceu na hora certa. Leon não podia ir à enfermaria. Ele sabia melhor do que ninguém que aquilo não era algo que o médico saberia lidar.  

    Ele não estava doente nem morrendo.  

    …Seu corpo só estava reagindo de forma estranha depois de beber do Cálice.  

    A chance do médico saber o que havia de errado era quase zero. Além disso, poderia complicar ainda mais as coisas.  

    Leon não podia deixar que isso acontecesse.  

    Por isso, a aparição de Julien foi uma dádiva.  

    ‘Leve ela e vá.’  

    Leon implorou com o olhar.  

    “…”  

    Julien não respondeu, mas puxou Evelyn pela manga.  

    “Ei, espera!”  

    “Vamos. Leon não quer ir para a enfermaria.”  

    “Mas ele está doente!”  

    “E daí? O pior que pode acontecer é ele morrer…”  

    “…!”  

    “…”  

    Leon fez uma careta ao ouvir as palavras de Julien. Sério… Era tão difícil ser gentil com ele?  

    Não, esquece isso…  

    “Ukh.”  

    Leon segurou a cabeça com as duas mãos.  

    Precisava resolver isso primeiro.  

    ***  

    “Ei! Para onde estamos indo? Não vamos muito longe do Leon! Se nos afastarmos e algo acontecer com ele, a culpa é sua. Ele claramente está doente e—”  

    “Eu sei, eu sei.”  

    Meus ouvidos estavam prestes a sangrar enquanto puxava Evelyn comigo.  

    ‘Metralhadora… Ela é uma verdadeira metralhadora…’  

    Eu realmente, realmente, realmente, realmente sentia falta da Evelyn evasiva de antes. Essa Evelyn simplesmente não parava de falar.  

    “Você não viu como o rosto dele estava pálido? E o suor! Meu Deus, o suor. A parte de trás da camisa dele estava encharcada, e se você prestasse atenção, dava para ver o corpo dele tremendo em alguns mome—”  

    “Esse lugar já está bom.”  

    Olhei em volta antes de finalmente soltar Evelyn. Ela parou de falar e também olhou ao redor.  

    Estávamos em uma parte mais isolada da Academia, atrás de um dos prédios.  

    Só quando me certifiquei de que não havia ninguém por perto é que falei:  

    “Preciso da sua ajuda.”  

    “…?”  

    Evelyn pareceu confusa. Sua expressão dizia: ‘Minha ajuda? Para quê…?’  

    Apertei os lábios e respirei fundo. Antes que ela pudesse dizer algo, eu disse:  

    “…Preciso que você entre na minha mente.”  

    Os olhos de Evelyn se arregalaram quando a compreensão a atingiu.  

    “Há alguém com quem preciso lidar…”

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