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    Havia um segredo que quase ninguém sabia sobre Evelyn.

    Nem mesmo seus amigos mais próximos sabiam disso.

    E esse segredo era…

    “Falta sabor, precisa de mais tempero e poderia ficar mais alguns minutos no forno. Classificaria como medíocre, mal atingindo a marca. Serve para encher o estômago, mas há opções muito melhores por aí.”

    Ela era a famosa e misteriosa crítica gastronômica conhecida como “Língua de Ferro”, que julgava os restaurantes e barracas de comida mais famosos do Império.

    Todo mês, nas novas edições de “The Empire Daily”, uma das revistas mais renomadas do Império, um segmento era dedicado apenas às suas críticas.

    Há vários anos fazendo isso, ela tinha um grupo de seguidores fiéis que acompanhavam religiosamente cada uma de suas avaliações. Muitos restaurantes e barracas foram afetados por suas resenhas, com alguns fechando as portas e outros tendo um aumento explosivo nos negócios.

    De qualquer forma, com o festival em andamento, Evelyn decidiu se preparar e começar a trabalhar.

    Embora não fosse muito, ela recebia um pequeno salário todo mês por suas críticas.

    “Próximo…”

    Lambendo os lábios, Evelyn terminou a comida que segurava e pegou seu bloco de notas.

    Lá, ela tinha uma pequena lista de restaurantes e barracas que precisava avaliar durante o festival.

    [Churrasco do Moss]

    Evelyn circulou o nome com sua caneta.

    “Vou lá agora.”

    Com a decisão tomada, ela se levantou do banco e se dirigiu para onde a barraca estava localizada.

    A distância não era grande. Cerca de cinco minutos de caminhada.

    “Hm.”

    Quando chegou, ficou surpresa ao ver uma figura familiar esperando no final da fila.

    ‘Kiera?’

    Evelyn quase entrou em pânico e abaixou seu chapéu. Era importante que sua identidade permanecesse em segredo.

    Se sua identidade fosse descoberta, muito de sua credibilidade se despedaçaria. Ela não podia permitir que isso acontecesse.

    Mesmo assim, enquanto abaixava o chapéu, não pôde evitar dar uma segunda olhada em Kiera.

    A luz deslumbrante do sol brilhava sobre seus cabelos platinados, fazendo-os reluzir como uma gema bem polida.

    Com seu foco em sua carteira, Kiera contava suas notas, sua expressão se contorcendo levemente enquanto olhava para o quadro de preços e murmurava: ‘Que tipo de preço ridículo é esse? É melhor me roubarem logo.’

    Palavras à parte, seu rosto — seus olhos e nariz — tinha uma beleza tão singular que os espectadores não podiam deixar de se perguntar se veriam algo assim novamente.

    Era uma cena com a qual Evelyn estava muito familiarizada.

    O mesmo valia para ela, mas com seu disfarce, não precisava se preocupar com tal situação.

    Ou pelo menos era o que ela pensava.

    “O que você está fazendo?”

    “….!”

    Levantando a cabeça, ela viu Kiera olhando para ela com uma expressão estranha.

    Ela engoliu em seco.

    É, ela provavelmente só acha minha roupa esquisita…

    “Evelyn?”

    “….!”

    Estremeceu levemente e fingiu tossir. Mas isso não adiantou, pois a voz de Kiera soou novamente.

    “Que diabos você está fazendo?”

    “Ah, isso…”

    Vendo que sua identidade havia sido descoberta, Evelyn suspirou e tirou o chapéu.

    “Sim…”

    Ela quase parecia resignada.

    Não, ela estava resignada.

    “Uh, que porra…? Eu sabia que era você, mas ver pessoalmente assim me dá arrepios.”

    Kiera esfregou os braços.

    “Por que você está vestida dessa maneira?”

    “Uh? Eu, não é nada. É só que…”

    Com um tremor nos lábios, Evelyn olhou ao redor e explicou:

    “É que os olhares me incomodam, então uso esse disfarce.”

    “Isso?”

    Kiera olhou para ela de cima a baixo. Então, como se desistindo, voltou a encarar a fila.

    “…..Não vou julgar.”

    “Suas ações não combinam com suas palavras.”

    “Tá, eu julgo. Você parece ridícula.”

    “….”

    Evelyn manteve a boca fechada e apenas esperou atrás dela. Ela já tinha se acostumado com a língua afiada de Kiera nos últimos meses. Algo assim não a abalaria.

    Além disso, ela tinha um trabalho a fazer.

    [Churrasco do Moss] — Uma cadeia única de barracas de churrasco. Com fama crescente, era um dos principais alvos de avaliação de Evelyn.

    Havia vários critérios que ela usava para julgar uma barraca. Um deles era a velocidade com que a comida era servida e a eficiência do atendimento.

    Até então, a fila estava andando rápido.

    Em alguns minutos, ela já estava quase na frente.

    ‘Velocidade, dou oito de dez.’

    Por seus padrões, era uma ótima nota.

    “Uh? Mas o que…”

    Foi então que ela ouviu a voz surpresa de Kiera. Levantando a cabeça, seus olhos se arregalaram.

    “….Ah?”

    Assim como Kiera, ela não conseguia acreditar no que via.

    “Próximo.”

    Ouvindo aquela voz seca e monótona que conhecia tão bem, Evelyn piscou várias vezes para ter certeza de que não estava enxergando coisas. Quando teve certeza de que não estava, seu queixo caiu.

    “….Mas o quê?”

    De todas as pessoas que ela esperava que a servissem, Julien era a última em que pensaria.

    Vestindo um avental e luvas, ele servia a comida com a mesma expressão estoica de sempre.

    ‘Como alguém tão orgulhoso como ele pode estar fazendo algo assim?’

    Este não era o Julien que ela conhecia.

    Que tipo de…

    “Próximo.”

    “Uh, ah? Kiera?”

    Sentindo seu olhar, Evelyn se virou e ficou chocada ao ver que era a próxima da fila. Não, claramente Kiera deveria estar na frente dela, mas onde ela…

    “Você não vai pedir nada?”

    “Oh, não. Vou.”

    Vendo que não conseguia encontrar Kiera em lugar nenhum, Evelyn olhou para o cardápio. Havia muitas perguntas que queria fazer, como ‘O que você está fazendo aqui? Por que está trabalhando aqui?’ e assim por diante. No entanto, se conteve e apenas pediu.

    “Vou querer um clássico, por favor. Com molho extra.”

    “Só isso?”

    “….Sim.”

    “Ok.”

    Respirando fundo, Evelyn esperou enquanto seu pedido era preparado. Ela observou enquanto Julien pegava a carne com cuidado e colocava sobre o pão. Seus movimentos eram fluidos e pareciam bastante elegantes.

    Era estranho, mas, por algum motivo, a comida parecia ainda mais apetitosa.

    ‘Não, não se deixe enganar.’

    Evelyn rapidamente saiu desse estado.

    Era uma crítica profissional. Não deixaria que isso afetasse seu julgamento. Com um leve ‘Fuu’, Evelyn deu um tapa em suas próprias bochechas e assumiu uma expressão séria.

    Julien voltou pouco depois com seu pedido.

    “Serão quinze Rend.”

    “Aqui.”

    Entregando o dinheiro, ela recebeu seu pedido e saiu. Olhando ao redor, enquanto segurava a comida fumegante, ela se dirigiu a um banco mais isolado e sentou.

    Olhando em volta, pegou seu bloco de notas e começou a escrever.

    “O aroma é convidativo, e a apresentação geral é bastante agradável. Embora eu recomende um pouco mais de molho, o Churrasco do Moss certamente manteve sua reputação até agora…”

    Por algum motivo, ela adorava narrar para si mesma enquanto escrevia, mas isso já havia se tornado um hábito, e era muito trabalhoso mudar.

    “Certo, hora de provar.”

    Cheirando a comida e sentindo seu aroma poderoso, sua boca começou a salivar.

    Que cheiro maravilhoso.

    Lambendo os lábios, ela aproximou o pão de sua boca e…

    Deu uma mordida.

    “….Hmm.”

    Seus olhos imediatamente se estreitaram de prazer enquanto os sucos explodiam em sua boca e um sabor intenso se espalhava por sua língua.

    Quanto mais mastigava, mais o sabor se intensificava.

    Mais forte, e mais forte, e…

    “….!”

    Espera aí.

    A mastigação de Evelyn desacelerou.

    Algo não estava…

    “Umm.”

    De repente, seus lábios se torceram.

    “….Nn?!”

    E…

    “Pfttt!”

    A comida voou para fora de sua boca momentos depois.

    “Akh…!”

    Segurando sua garganta, seus olhos ficaram injetados de sangue enquanto ela a apertava com ambas as mãos.

    “S-sal! S… Socorro!”

    No mesmo dia, a “Língua de Ferro” deixou uma crítica devastadora no “Empire Times”.

    [Churrasco do Moss] — Nunca fui ao mar, mas agora sei qual é o gosto dele. Nunca mais!

    A barraca fechou pouco depois.1

    ***

    Os dois dias seguintes do Festival passaram num piscar de olhos.

    Antes que eu percebesse, era o dia da peça. Encarando o script diante de mim, fechei os olhos e tentei mergulhar no personagem.

    Senti meu rosto se contorcer e uma série de emoções inundou minha mente. Do medo, à raiva, à tristeza… Passei por todas as emoções, mas mesmo tentando encontrar a combinação certa, nunca ficava satisfeito.

    “….Não está funcionando.”

    Abrindo os olhos, encarei meu reflexo no espelho posicionado à minha frente.

    Estava vestido com roupas comuns. Uma calça marrom e uma camisa branca por baixo.

    Parecia uma pessoa normal.

    Pelo menos neste mundo.

    Toc—

    Ouvi uma batida na porta do camarim e me virei na direção do som.

    “Entre.”

    “Ah, olá.”

    Quem entrou foi a roteirista. Ela tinha uma expressão nervosa no rosto.

    “….Como você está?”

    Eu sabia porque ela estava preocupada.

    “Estou bem.”

    “Então…”

    “Deve ficar tudo bem.”

    Só então seu rosto se iluminou.

    “Sério?”

    “….Sim.”

    “Ah, que alívio.”

    Colocando a mão no peito, ela soltou um suspiro visível.

    “Não é que eu duvide de você. Todos viram suas habilidades, mas… O jeito que você saiu abruptamente na leitura e como não apareceu nos ensaios deixou os outros um pouco preocupados. Mas eu sei que é porque você está tentando praticar o ‘método de atuação’. Por isso, deixamos você fazer o que quisesse, mas ainda estava bem nervosa.”

    “….”

    Apenas ouvi em silêncio, sem dizer nada.

    Que método de atuação. Eu simplesmente não conseguia fazer.

    Deixei o mal-entendido continuar. Não como se pudesse dizer a ela que não dava conta. Pelo menos não tão perto da peça.

    “Ok então, a peça vai começar logo. Vou deixar você se preparar.”

    Com essas palavras, ela saiu do camarim e fechou a porta atrás de si.

    Clank—!

    “….”

    Um silêncio estranho tomou conta do ambiente enquanto eu ficava parado, encarando o espelho.

    Colocando as pontas dos dedos nas extremidades da boca, levantei-os levemente em um sorriso.

    “…..Loucura.”

    ***

    30 minutos antes da peça.

    Aoife ficou em seu camarim e se olhou no espelho.

    “Oi~”

    Em um momento, sua expressão era calma e alegre. Um contraste gritante com seu eu habitual. Seu sorriso também era extremamente penetrante.

    Mas no momento seguinte…

    “H-ha… P-por que você está fazendo isso comigo?”

    Seu rosto estava pálido, e suas pupilas tremiam. Uma mudança completa que levou menos de alguns segundos.

    Encarnando o espelho, tudo que Aoife via era uma mulher assustada.

    O medo havia tomado conta dela completamente enquanto seu corpo inteiro tremia. Dos pequenos detalhes de sua expressão à palidez de seu rosto.

    Estava perfeito.

    Ela estava perfeita.

    “…..”

    Aos poucos, seu rosto voltou ao normal.

    Seus esforços haviam finalmente valido a pena. Embora seu papel fosse pequeno, ela estava confiante de que não seria engolida pela atuação dele como antes.

    Que, pelo menos, conseguiria acompanhá-lo.

    “Fuu.”

    Apesar de pensar assim, não conseguia evitar o nervosismo. Aoife não tentou afastá-lo.

    Em vez disso, tentou abraçá-lo.

    O nervosismo vinha do medo de não conseguir se sair bem.

    Sua performance era uma representação do medo. Por isso, usou as emoções que sentia no momento para alimentar ainda mais sua imersão.

    “Eu consigo.”

    Ela tinha que conseguir.

    “….”

    Aoife pegou um pouco de maquiagem e passou levemente sob os olhos, escondendo as olheiras visíveis.

    Fazia tempo que não dormia direito, mas, para ela, valia a pena.

    Mesmo que seu papel fosse pequeno…

    “…..Vou dominar o palco.”

    Se essa fosse a última coisa que fizesse.

    Porque.

    Ela era Aoife K. Megrail.

    A Princesa do Império, e sua própria crítica mais severa.

    1. Julien acabou com o trampo dos caras KKKKKKKKKK[]

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