Índice de Capítulo

    Parecia que eu estava à beira de um penhasco, meus pés a centímetros do abismo que estava atrás de mim.  

    Pronto para me engolir no momento em que eu me movesse.  

    Era assim que eu descreveria minha situação atual.  

    Uma que eu mesmo criei.  

    ‘Sim, é isso…’

    Eu olhei para minhas mãos. Elas estavam tremendo levemente.  

    Eu estava brincando com fogo.  

    Um incêndio mortal.  

    Mas o que eu poderia fazer? Não havia como voltar atrás para mim.  

    Eu já havia feito minha cama.  

    Quais eram as chances de eu sair por cima se alguém na minha frente me desafiasse?  

    Falando realisticamente, próximas de zero.  

    Eu mal conseguia evocar ou controlar minha magia, e meu conhecimento dos fundamentos era próximo de zero.  

    Ainda assim, apesar de tudo isso, eu fiz o que fiz.  

    Parecia quase emocionante.  

    “Hah…”  

    Loucura… Isso é loucura… Acho que enlouqueci.  

    Mas, é claro, não foi como se eu tivesse feito isso por impulso.  

    Eu sabia que o instituto não permitiria que os calouros se desafiassem ainda. Era algo que eu aprendi através de Leon e minha pesquisa.  

    Ainda assim, meu tempo era limitado.  

    Não demoraria muito para todos virem atrás de mim.  

    Minhas costas estavam contra o penhasco.  

    Eu só poderia seguir em frente a partir deste momento. Dar um passo para trás significaria o fim para mim.  

    O desespero estava lentamente se aproximando de mim.  

    Eu podia senti-lo.  

    Não havia plano B.  

    Mas,  

    ‘Tem que ser assim…..’

    Eu busquei o desespero.  

    O desespero empurra as pessoas ao limite.  

    A pontos onde elas normalmente não iriam.  

    Eu estava agora em tal lugar.  

    “…Você causou uma grande comoção.”  

    Leon apareceu. Ele caminhou em minha direção com um ar de casualidade. O discurso acabou causando um rebuliço, forçando-me a sair mais cedo.  

    Ele provavelmente estava saindo disso.  

    “Você foi quem fez o discurso. Por que parece estar surpreso?”  

    “Eu não pensei que você iria até o fim com isso.”  

    “…E por que isso?”  

    Então, ele estava esperando que eu dissesse algo diferente…?  

    “Não…”  

    Ele franziu os lábios e balançou a cabeça.  

    “Não é nada.”  

    “Hm?”  

    O que havia com esse cara?  

    Olhando atentamente para ele, sua expressão parecia incomumente rígida. Como se estivesse se segurando.  

    “Você está bem?”  

    Ele realmente não parecia muito bem.  

    Eu me aproximei para olhar melhor, mas…  

    “…”  

    Ele deu um passo para trás.  

    “Vamos manter as coisas cordiais.”  

    Cordiais? O que esse cara está falando?  

    “Não, não…”  

    Eu balancei a cabeça e me aproximei. Algo parecia errado… Eu não conseguia explicar.  

    Foi então que finalmente percebi.  

    Esse filho da puta.

    Eu pressionei minha mão em seu ombro para impedi-lo de se mover e inclinei a cabeça para olhar melhor para seu rosto. Ele estava olhando para longe de mim.  

    Por que isso…?  

    “Você está tentando não rir, não está?”  

    “…”  

    “Não é possível?”  

    Esse filho da mãe.  

    “Você acha a situação engraçada?”  

    “…Não.”  

    “Hah. Então, por que está olhando para longe?”  

    “…”  

    Eu levantei a sobrancelha. Seus ombros estavam tremendo levemente.  

    “…Kh”  

    Que?  

    “Você…”  

    “Julien.”  

    Eu parei e virei a cabeça. O tremor em minha mão parou, e minha expressão ficou rígida.  

    “Você mudou muito.”  

    Uma voz alcançou meus ouvidos.  

    Ela parou alguns metros à minha frente.  

    Sua aparência estava entre as melhores que eu já vi. Cabelos longos e roxos fluindo e olhos azuis cristalinos. Uma imagem se sobrepôs à dela.  

    Uma que estava cheia de nada além de ódio por mim.  

    “…Faz um tempo.”  

    Evelyn J. Verlice. A amiga de infância deste corpo e alguém que conhecia Julien extremamente bem.  

    Eu não havia passado a semana passada fazendo nada além de praticar magia.  

    Para garantir que tudo corresse bem, eu pedi a Leon que me fornecesse detalhes sobre todos os personagens importantes relacionados a Julien e seu relacionamento com ele.  

    Foi por isso que eu sabia quem ela era.  

    “Vejo que você se tornou a Estrela Negra.”  

    Um elogio vazio. Seu tom era frio e carecia de qualquer forma de elogio. Ela também não estava olhando para mim.  

    Seus olhos… Pareciam grudados em minha mão.  

    A que estava segurando o ombro de Leon.  

    Ela sussurrou suavemente:  

    “Talvez você não tenha mudado, afinal.”  

    Seu tom estava carregado de decepção.  

    “…”  

    Só que eu não tinha ideia do que ela estava falando.  

    Eu apenas fingi entendê-la, e sua expressão parecia dolorida.  

    “Quando você vai parar…?”  

    Ela não conseguia me olhar nos olhos.  

    A decepção parecia ser demais para ela suportar.  

    Em uma situação como essa, a única maneira que eu poderia responder era:  

    “Parar o quê?”  

    “…É, claro.”  

    Ela sorriu fracamente.  

    Era como se ela esperasse tal resposta de mim.  

    “Eu esperei por você. Eu realmente esperei. Mesmo quando você mudou, eu esperei. Eu pensei que você voltaria a ser como era antes, mas…”  

    Parando a si mesma, ela balançou a cabeça.  

    Suavemente, ela murmurou em uma voz que eu mal podia ouvir: ‘Não vale a pena. Não há sentido.’  

    “…”  

    Eu pensei que ela desistiria a partir daquele ponto, mas, mais uma vez, seus olhos caíram sobre minha mão.  

    E então em direção a Leon.  

    “Por que você deixa ele te tratar assim?”  

    “…”  

    Leon ficou em silêncio. Ele parecia estar mastigando suas palavras, pensando aparentemente em como responder.  

    Ela falou antes que ele pudesse:  

    “Eu sei que você é leal à família, mas por que se deixar ser tratado assim? Você é melhor do que iss—”  

    “Não é nada disso.”  

    Leon a interrompeu no meio da frase.  

    Sua expressão congelou.  

    “Ele não estava fazendo nada comigo.”  

    “Ah.”  

    Ela deu um passo para trás e fez uma expressão incrédula. Ela parecia ainda mais decepcionada.  

    “…Você me acha algum tipo de idiota? Eu vi tudo.”  

    Vi tudo?  

    Não pude deixar de falar.  

    “O que você viu?”  

    Eu lutava para entender o que ela estava tentando dizer.  

    “Sério…?”  

    Sua expressão parecia desdenhosa.  

    “Era óbvio o que você estava tentando fazer. Quantas vezes você acha que eu já vi a mesma cena no passado? Você estava usando ele como seu boneco de teste, como sempre.”  

    Boneco de teste?  

    Olhei para Leon, que olhou de volta para mim. Sua expressão não dizia muito, mas seu leve aceno me disse tudo o que eu precisava saber.  

    Ah.  

    Então é assim.  

    Eu estava prestes a falar, quando, de repente, Leon falou.  

    “…..Não é o caso desta vez.”  

    Seus olhos se arregalaram.  

    “Você ainda está defendendo ele? Mesmo depois—”  

    “Ele me contou uma piada.”  

    Uh?  

    Tanto eu quanto Evelyn ficamos surpresos.  

    Uma piada?  

    Eu olhei para Leon, que olhou de volta para mim. O que esse cara está falando?  

    Embora sua expressão parecesse indiferente, seus olhos pareciam dizer: ‘Acompanhe.’

    Acompanhe…?  

    “…Uma piada?”  

    Senti o olhar de Evelyn em mim. Ela estava me encarando com uma expressão de total decepção.  

    Eu não entendia por que ela estava me olhando assim, mas senti que precisava entrar na brincadeira.  

    Então,  

    “Sim, eu contei.”  

    Eu entrei na onda.  

    “…”  

    Tudo o que isso trouxe foi silêncio dela. Um que ela quebrou pouco depois.  

    “…..Eu pareço tão fácil assim para você?”  

    Eu senti minha pele arrepiar de repente. Se antes ela olhava para mim com decepção, agora ela estava me olhando com desdém.  

    “Estou falando sério. Você me acha uma piada?”  

    “…..Não.”  

    “Hah.”  

    Sua expressão foi tomada por angústia.  

    Eu não sei por que, mas senti que precisava fazer algo.  

    Então eu fiz,  

    “Por que eles não jogam pôquer na selva?”  

    Evelyn parecia estar prestes a dizer algo quando sua boca se fechou.  

    “….”  

    Eu usei a chance para dizer:  

    “Porque tem muitas cheetas1.”  

    O arrependimento veio rapidamente.  

    “…”  

    Meu rosto queimava, mas eu mantive minha expressão inalterada. Por fora, parecia que eu havia dito algo trivial.  

    Mas.  

    Evelyn não parecia pensar da mesma forma. Após um breve momento de silêncio, ela conseguiu forçar um sorriso fraco.  

    “…..Acho que você realmente me acha uma piada.”  

    Virando-se para olhar para Leon, ela inclinou a cabeça. Então, sem olhar para trás, ela foi embora.  

    Suas costas pareciam bastante frágeis quando eu as olhei.  

    ***  

    No início, eles eram lentos.  

    Tak, tak.

    O som de seus passos enquanto seus saltos batiam no chão de mármore.  

    Tak, tak, tak.

    Mas logo se apressaram.  

    Sua cabeça estava abaixada o tempo todo. Ela podia ver sua expressão refletida no chão polido do salão do campus.  

    “Hah…”  

    A queimação em seu peito não parecia diminuir, não importa o quanto ela caminhasse. Sua visão ficou embaçada, e seus lábios doíam.  

    “B-bastardo.”  

    Seus pés eventualmente pararam.  

    Uma pessoa estava à sua frente.  

    “…Você está bem?”  

    Era sua cavaleira, Natasha. De pé, alta, seus cabelos platinados e olhos cristalinos a faziam se destacar dos demais. Nobres tinham um privilégio ao ingressar no instituto. Eles podiam trazer um acompanhante pessoal.  

    No caso de Evelyn, ela conseguiu trazer Natasha com ela. Era uma precaução que as casas nobres tomavam, considerando a importância política que cada filho tinha dentro de suas famílias.  

    A família Verlice era uma das cinco famílias viscondais do Império. Naturalmente, eles conseguiram fornecer a ela uma cavaleira poderosa como sua escolta.  

    “Foi ele?”  

    E, como sua cavaleira, ela naturalmente estava ciente de suas circunstâncias.  

    “…”  

    O silêncio de Evelyn disse muitas coisas.  

    O aperto de Natasha em sua espada se intensificou.  

    “Então foi ele…”  

    Julien Dacre Evenus.  

    Um nome que formigou na ponta de sua língua.  

    O relacionamento dele com Evelyn era difícil de descrever. Em um momento, os dois eram próximos. Quase inseparáveis.  

    Mas as coisas mudaram após um certo ponto.  

    Sua personalidade mudou, e sua sede de poder começou a se manifestar. Ele mudou, e sua espiral começou a afetar Evelyn, que não podia fazer nada além de assistir.  

    Isso acabou com ela cortando laços com ele.  

    Isso foi há cinco anos.  

    “…Sabe, eu pensei que ele poderia ter mudado.”  

    Evelyn soltou uma risada forçada.  

    “Eu fui ingênua, não fui…? No final, é sempre assim… H-hah.”  

    Seu peito tremia.  

    Assim como seus lábios.  

    “Decepção atrás de decepção.”  

    Seus lábios estavam pressionados sob seus dentes.  

    “…No final, eu fui ridicularizada por ele.”  

    Ela olhou para Natasha. Diferente de antes, seus olhos pareciam um pouco mais claros, mas ainda estavam um pouco embaçados.  

    O aperto de Natasha em sua espada se intensificou.  

    Aquele bastardo…  

    “Você sabe o que ele me disse?”  

    Natasha balançou a cabeça.  

    “….Por que eles não jogam pôquer na selva?”  

    “Sim?”  

    Natasha piscou, incapaz de entender o que estava acontecendo. Pôquer? Selva…?  

    Mas Evelyn continuou.  

    “Porque tem muitos cheetas.”  

    “…”  

    Os ombros de Evelyn tremeram enquanto ela abaixava a cabeça. A expressão de Natasha mudou de repente.  

    “Jovem senhorita…?”  

    Temendo o pior, ela se aproximou dela.  

    “Você está—”  

    Mas parou no meio do caminho.  

    Isso porque,  

    “Uht.”  

    Uth…?  

    “Jovem senhorita…?”  

    Segurando sua boca, um som forçado escapou dos lábios de Evelyn. Natasha ficou surpresa. O que está acontecendo…? E, antes que ela pudesse fazer algo, os ombros de Evelyn tremeram ainda mais.  

    “Jovem…?”  

    “….Kaht.”  

    Khat…?  

    Outro som saiu de sua boca.  

    Natasha sentiu seu estômago embrulhar.  

    “O que—”  

    Sua mão se estendeu para ela, quando…  

    “Puchi…!”  

    As bochechas de Evelyn se esvaziaram, e uma risada escapou de seus lábios.  

    “Hehe-he”  

    Até sua risada parecia forçada. Ela olhou para Natasha, lágrimas rolando de seus olhos.  

    “Eu nem sei o que está acontecendo comigo…”  

    Uma dor aguda perfurou seu peito enquanto ela continuava a rir.  

    Sua mão alcançou sua camisa e a apertou.  

    “P-por que eu estou assim…? Hehe… A piada é ruim, então por que…”  

    Ela olhou desamparada para Natasha. As lágrimas continuaram a rolar de seus olhos, e a dor em seu peito se intensificou.  

    “Ele… Hehe, por que eu não consigo parar de rir…?”

    1. Confesso que não peguei zé[]

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (2 votos)

    Nota