Capítulo 82 - A Caminho da Negociação
Algumas horas depois do embate brutal na unidade municipal da Torre, que agora era como uma cicatriz aberta no concreto paulista, Koji, Nahome e Tovah encontraram-se na sede estadual da Torre em São José dos Campos. Amanda também estava lá, amparada no respaldo da organização, mas isolada, habitando um andar superior daquela estrutura fria e metálica.
Os três caminhavam juntos pelos corredores esparsos da sede. Os painéis de vidro e aço refletiam a luz fraca do final da tarde.
— Ele sabia pouco do que você buscava, Koji. Você fez o que era logicamente necessário para alguém que quer vingança. — Nahome ajeitava seu colete discreto, andando mais a frente de Koji e Tovah.
Koji, cabisbaixo, mexia as mãos no bolso, a inquietação o consumia — Mas nada me deu em troca. Eu achava que o Alex me daria um caminho, mas só me deu mais dúvidas. Quem são os “eles”? O que fizeram com meu pai? O que queriam tanto do meu pai além dos arquivos de Oxford? Nem consigo entender o por que somente isso os levaria a chantagear o meu pai e a minha mãe. — Koji falava mais para o chão do que para o agente.
— Você vai descobrir. Mas não vai ser somente matando como fizeram com Alex. Você precisa ter uma paciência que ainda não tem. — Tovah interveio, ainda levemente cansado pelo uso do Fluxo Alto. Ele apertou o ombro de Koji. — O que importa agora é o próximo alvo.
O elevador soltou um silvo suave, anunciando a chegada ao andar da praça de alimentação. O local, apesar de ser um ambiente de refeições, mantinha a esterilidade do resto do prédio. Eles desceram. O olhar de Koji varreu o espaço, mas parou bruscamente. Lá, sentada sozinha em uma mesa de canto, estava Amanda. Ela mastigava um sanduíche de forma mecânica, seus olhos estavam vazios. Ao erguer a cabeça, seu olhar cruzou o de Koji.
A reação de Amanda foi puramente de um animal, ou se melhor, de um humano primitivo. O medo impresso em sua retina transbordou em pânico. Ela soltou um grito agudo, idêntico ao que havia soltado no escritório ASHI, e tombou a cadeira para trás, levantando-se e gesticulando desesperadamente na direção de Koji.
— Ele! É ele! — Amanda guinchava com as mãos esbofeteando o ar na direção de Koji, e o terror que sentia dando forma à sua memória. — Ele e o outro! O outro que me bateu! Eles mataram o Alex!
O murmúrio da praça cessou. Tovah, mais próximo, avançou com a sua típica calma de um agente de contenção.
— Amanda, calma. Ele é um de nós. — Com a voz baixa, Tovah tentou injetar racionalidade no desespero dela. — Koji é um agente-portador da Torre, meu colega, assim como Nahome.
— Não! Eu vi! Eu vi o outro… o calmo… cortar a garganta do Alex! O sangue espirrou na parede! — Ela gritava, a confissão rasgava sua garganta. — Vocês estão com ele! Ele é um assassino!
Nahome aproximou-se lentamente dela, após tirar seu cigarro da boca e assoprar Fuuu!
— Ninguém nega o que viu, Amanda. Mas sabe o contexto… O Alex era suspeito de assassinatos. Rick Schulz, seu mentor na ASHI, que foi morto… Foi morto provavelmente a mando do Alex. E aquele motorista que te atacou, também era conhecido do Alex. O que o Koji fez… Foi acabar com um suspeito que nós teríamos que prender de qualquer forma. Você mesmo o queria preso.
Ela recordou do e-mail, das fotos do corpo de Rick Schulz, enviadas pelo próprio Alex…
— Ele… ele sabia… Fez algo com o Rick… De verdade?
— Isso. E muito mais. — Tovah concluiu, sua calma finalmente cedia um pouco de espaço na mente dela. — Koji não é nosso inimigo. Nós não somos.
O tempo se arrastou na praça de alimentação. Amanda cedeu lentamente, levada pela lógica fria da traição e da ameaça. Ela caiu de volta na cadeira, em meio a seu corpo tremendo e os gritos que cessaram.
— Eu… eu só estou nervosa e inquieta… É por causa dos meus pais.
Koji, que havia permanecido em silêncio opaco, aproximou-se — O que é que houve? — perguntou para Tovah.
Tovah respondeu antes de Amanda, contextualizando a urgência da situação — Eles foram sequestrados em São Paulo. Em algumas horas, ela, eu e Nahome iremos de encontro ao local do sequestro para negociar e buscar a soltura deles. Espero que até você também vá. É a nossa prioridade.
— Claro que vou. Se for para ajudar vocês…
Mais tarde, já de noite, Nahome andava, fumando seu típico cigarro pelo corredor de quartos da sede, nos andares ao meio do prédio estadual da Torre. A fumaça corrompia o ar esterilizado do corredor, e bom, já era quase meia-noite. Certamente, o único que de pé ainda se encontrava no prédio, visto a pontualidade normativa dos funcionários e demais agentes.
Sereno, seu olhar capturou uma porta levemente aberta com luz acesa dentro. Ao pouco que se aproximou, conseguiu ler “Amanda” na porta. Ele apagou o cigarro no pequeno cinzeiro metálico que segurava na mão esquerda, e entrou sem bater, anunciando a presença com o silêncio de sua calma perturbadora. Amanda estava de cabeça baixa, sentada na ponta da cama com os braços deitados nos joelhos, e olhando pro chão. Ela não se moveu. A solidão do quarto era tão palpável quanto a poeira no chão de um armazém abandonado.
— Não consegue dormir? — Nahome abriu a porta e escorou as costas nela.
Amanda sacudiu a cabeça, apenas — Eu não consigo esquecer… Meus pais… O que querem com eles?
Nahome então andou, cruzou o quarto, passando dela até parar na janela, observando a vista noturna da cidade.
— O que querem não importa tanto quanto o porquê você está aqui. — Nahome declarou, virando-se para ela. — Você é a testemunha de um crime que o Alex escondeu. E agora, você é a chave para um outro jogo. O sequestro dos seus pais provavelmente foi uma retaliação. Mas daqui há pouco, vamos lá salvá-los.
— Eu não sou chave nenhuma. Eu só quero meus pais de volta. — Os olhos dela estavam marejados, com uma única gota de suas lágrimas persistentes a tocar o chão do quarto.
— Claro que é. Sua cooperação será trocada pela vida deles. É simples assim. — Ele aproximou-se da cama, sentando-se na beirada ao lado dela. — Não minta para mim, Amanda. O medo de perder é grande. Quem nunca sentiu isso, só está mentindo.
— É terrível… Eu vi o que seu amigo é capaz de fazer… — Ela sussurrou, a referência a Koji era clara.
— O Koji agiu por necessidade. Nós agimos pela necessidade. Amanhã, próximo da noite, quando formos para São Paulo, você vai fazer o que precisa para que tudo dê certo.
— E se não der?
Nahome encarou o chão, inspirou profundamente, exalando a fumaça que não existia mais em seus pulmões. Ele colocou a mão no ombro dela — Vai dar certo. Nós não perdemos pessoas desnecessariamente. Volte a dormir. Você precisa estar alerta amanhã.
(…)
E o tempo havia passado. Boas horas passaram. Era início do final de tarde do dia seguinte. E de regata preta, uma calça frouxa e chinelo, totalmente jogado, vestido como um adolescente, Koji andava dentro de um supermercado, fazendo algumas compras. Ele segurava um pequeno cesto na mão direita e parou na seção de Equipamentos Táticos e Kits de Sobrevivência.
— Não… Como que isso está aqui dentro com tanta normalidade?… — Koji falando consigo mesmo, com o estranhamento visível em seu rosto ao ver facas de combate e kits de purificação de água ao lado de enlatados. — Faz tanto tempo que não venho ao supermercado. Será que agora é assim?
— Algum problema? — Um repositor parou no começo do corredor, sorrindo de canto.
— Ah, nada não. Só achei diferente enlatados nesse corredor. — Koji mostrou um enlatado de atum, levantando e sorrindo com um certo constrangimento.
— Isso foi o novato, com certeza. — O repositor se aproximou, e Koji se afastou do setor, sem graça e desconfiando do funcionário. — É… O novato, ah sim…
Enquanto andava mais e olhava as coisas, pensou: “Bem que posso gastar bastante. Esse cartão da Torre deve ter um limite suficiente para comprar esse supermercado inteiro…”, quando Koji enfim caminhava rumo aos caixas, lá fora, além do vidro, a buzina de um veículo chamava a atenção de todos. Era um veículo largo e preto, fumê escuro. Ele ouviu, assim como todo mundo, e sabia que era para ele.
Ele foi na entrada do supermercado, mas sem sair, gesticulou com a mão esquerda para abaixar o vidro. E abaixaram. Era Tovah na carona ao lado do motorista que era Nahome. No banco direito de trás, o vidro abaixou também e era Amanda. Ela o olhava com uma mistura de medo e urgência.
Koji suspirou frustrado, olhou para a mulher no caixa e gesticulou a cabeça tipo “Me desculpa, não vai dar…” e disse em voz alta.
— Depois eu pago, eu juro! — E então saiu correndo, desviando dos dois seguranças que por perto estavam e tentaram agarrá-lo.
Tovah se esticou e abriu a porta dos bancos de trás. Amanda se jogou para o lado esquerdo para dar espaço. E Koji saltou para dentro com a cesta de compras na mão, jogando-a no piso do carro.
— O que foi? Estamos indo para onde?
Nahome acelerou com uma suavidade agressiva com o carro arrancando do meio-fio — Está na hora, Koji. Os pais da Amanda. O momento da troca é agora.
Tovah virou o rosto para Koji — Estamos indo para o extremo sudeste de São Paulo. O local do sequestro. Vamos trazer os pais dela de volta.
Encolhida no canto, Amanda agarrava a alça de segurança e mantinha, nervosamente, seus olhos fixos na nuca de Nahome.
— Eu não ligo para a troca, Koji. Só quero que o que for feito seja rápido. — Ela suplicou, abusando da sua voz trêmula que estava esmagada pelo medo…

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