Índice de Capítulo

    A decisão de Sam, abrupta e revestida de uma fúria fria, ressoou mais como um decreto do que como uma admissão. Ele não estava mais discutindo tática com Vide, mas sim aceitando a sua própria natureza, aquela que a Alliance não apenas tolerava, mas incentivava: o vetor da destruição pragmática e dissuasiva.

    — Para que não reste nenhum pingo de valor que ajude Alex, ao mesmo tempo, buscarei ao máximo matá-lo… E caso necessário, também destruir tudo ao redor. Lembrei que sou quem não necessita de condições ou termos para fazer algo, eu sempre só faço… Ativar! Energia Externa 100%!… — As últimas palavras de Sam, rasgadas e sussurradas para o solo da lagoa seca, foram imediatamente engolidas por um bramido primal.

    Uma aura, de um cinza-escuro opaco, quase uma nuvem de fuligem compactada, irrompeu do corpo dilacerado de Sam. Não era a luz gloriosa e solar de Alex, era a cor da poeira da história, da ruína inevitável. A energia que havia sido dissipada em sua jornada de arremessos ininterruptos agora fervia, condensada em um invólucro de força que, paradoxalmente, parecia absorver a luz do ambiente em vez de refleti-la. A Energia Externa 100% de Sam não se aproximava da beleza, somente do peso, finalidade e o fim de todas as coisas. Sam não lançou um ataque contra Alex, que pairava a uma dúzia de metros acima, rindo de sua própria crueldade financeira. Em vez disso, o corpo de Sam se tornou uma bala humanóide. Um míssil de entropia. 

    FOOOOM! O deslocamento de ar foi brutal, transformando a cratera da lagoa e as árvores circundantes em um ciclone de detritos e névoa. Sam não subiu, tampouco mirou em seu algoz. Ele partiu, em uma linha reta e implacável, de volta para a cidade. Seu alvo, surpreendente, não era mais Alex. Agora, os alicerces, os símbolos e a própria ideia de valor concentrada em Bertioga haviam se tornado alvos endereçados. Em segundos, Sam era apenas um rastro cinzento e distorcido no horizonte, cruzando o Morro da Pedra Branca, o que causou um segundo buraco de perfuração na montanha, e emergia na zona costeira da cidade, onde a ordem urbana era o pilar da técnica de Alex.

    O primeiro alvo foi um conjunto de prédios comerciais recém-construídos, ainda imponentes e vazios, mas já avaliados e, portanto, imbuídos de alto valor monetário. O raio cinzento de Sam os atingiu com a precisão de um arpão, cortando-os ao meio, na horizontal, como se fossem bolos de argila. CRASH-THUD-BOOM! A estrutura foi desmembrada. O topo dos edifícios, com suas lajes e vidros espelhados, deslizou lateralmente e tombou no asfalto com um estrondo ensurdecedor. O rastro de Sam deixava o vazio, o custo zero, a anulação da avaliação e a destruição material que, em sua morte, resultava na morte de centenas de inocentes que nas ruas próximas ainda buscavam fugir.

    Lá do alto, Alex, que gargalhava um instante antes, estancou a risada na garganta como um pedaço de gelo. Sua aura dourada, impulsionada pela mesma Energia Externa 100%, cintilou em fúria. Ele era o Deus Material, O Deus do Dinheiro, o Capital feito carne, e o capital não podia admitir a insolvência em seu próprio domínio.

    “Maldito… Agora ele está levando a sério…” Alex vociferou para o ar, sua voz eletronicamente tornava-se amplificada pelo Dinheiro. Alex se moveu, não em teletransporte direto, mas em uma perseguição de pura velocidade de repulsão, tornando-se um cometa dourado logo atrás do cometa cinzento de Sam. A aura de Alex parecia mais rápida, mais eficiente, mas ele não podia se dar ao luxo de atacar Sam agora, pois Sam estava em movimento, espalhando a entropia. Sam avançou para uma área residencial. Casas de veraneio, sobrados, pequenos prédios de apartamentos. Esses não tinham o valor unitário de um banco, mas sua soma, a propriedade e a segurança que representavam, eram um valor social inestimável. O rastro de Sam, indiferente, passou por uma rua inteira. Uma dúzia de casas foram rasgadas. Uma família, ainda convalescendo do pânico da luta anterior, foi pega no meio da sala de jantar. Não houve gritos. Houve apenas a conversão instantânea de vida, matéria e valor em detritos indiferenciados, sangues e pedaços de corpos mortos jogados ao vento. A destruição era limpa, fria, e final.

    Como um helicóptero jornalístico, Alex acompanhava os ataques de Sam, e viu a cena. Logo, seu rosto contorceu-se não de horror pela perda de vidas, mas de raiva pela perda de valor.

    — Ele tá destruindo tudo que de valor tem aqui. Eu ainda estava acreditando que ele não seria tão frio de fazer isso! — Alex mais em autocrítica do que em acusação moral. A morte dos inocentes era apenas um efeito colateral da anulação de seu poder. O Deus Material se importava com o patrimônio.

    A figura que ignorava o horror em sua esteira, Sam sentiu a presença de Vide, espectral, no canto de sua mente, mas a Sombra não precisava falar para expressar sua satisfação amoral. A raiva de Alex era um indicador tático de sucesso. A corrida de Sam, calculada e metódica, mirava agora a orla, onde os edifícios mais luxuosos e, portanto, mais valiosos, ainda se erguiam. Ele seria o martelo demolidor da ordem. E bom, Alex não podia permitir que Sam alcançasse a orla. Se Sam destruísse aquela linha de frente de valor, o repertório de Alex cairia drasticamente. Portanto, em um ato de vontade amplificada pelo Capital, Alex usou o Teletransporte Real — a habilidade de mover-se instantaneamente para qualquer ponto cujo valor ele pudesse calcular e pagar o custo energético. Ele reapareceu, não atrás ou ao lado de Sam, e sim precisamente na frente da rota de colisão do míssil cinzento, a apenas dez metros de distância. A aura dourada irradiava em uma barreira de pura Repulsão.

    — Fim da linha, seu lixo da Alliance! Você não vai transformar nada disso em um cemitério de valor! — Alex gritou em meio a distorção visual que sua aura dourada causava em quem via do chão.

    Sam parou. E nunca que era um ato de rendição, somente de ajuste tático. A colisão direta não valeria a pena contra a Repulsão de Alex naquele ângulo. O rastro cinzento desapareceu, e o corpo ensanguentado e ainda corroído de Sam reapareceu, caindo em pé na areia da praia.

    — Não precisa gritar, Alex! Eu sei o que você está lendo! — Sam respondeu com a voz rouca, e com o pouco que mostrava seus dentes, especificamente quando buscava limpá-los, era possível ver o sangue dentro da boca. E de forma mais nítida, o sangue que escorria de sua testa como mancha de guerra.

    O silêncio mental de Sam era ensurdecedor. Ele pensava em quase nada. Ele estava na mesma situação de um ator de teatro de improviso, agindo sem script, deixando que apenas o instinto e a pura reação preenchessem o vazio de sua mente. Por outro lado, Alex encontrava-se irritado, mas logo pensou antes de atacar: “Essa luta está ficando estreita… Não parece tão simples. Acredito que estamos em um momento na qual a genialidade acompanha verdadeiramente um vencedor nos momentos de esforço… E é nesse momento em que estamos agora. Se externamente as coisas demorem para resolver… Terei que usar do próprio material daqui… Não sei se tem ideia mais perfeita que essa…”

    Em seguida, a areia sob os pés de Sam, as pedras soltas, os seixos, e até mesmo a água salgada que cobria a praia, foram instantaneamente imbuídos de um valor de peso extremo e puxados violentamente em direção ao centro de Alex. Era uma armadilha, uma prisão gravitacional imposta pelo Capital. Sam seria esmagado pela própria materialidade do ambiente. Essa era a tática perfeita e genial de Alex.

    Consequentemente, Sam reagiu com a sutileza do domínio ambiental, ao chamar o “Ambiente Vivo!”, que com a efetuação, a areia da praia, que antes era inerte, ganhou uma consciência defensiva instantânea, vinculada a Sam. E para a surpresa imediata, em vez de ser puxada para Alex, ela se solidificou em um escudo temporário, uma parede rugosa e instável de grãos compactados.

    “Hã?!” Alex cambaleou, e genuinamente se viu surpreso. Ele não podia ler a ativação de uma técnica que não passava pela mente consciente de Sam, mas sim pela reação instintiva do ambiente a uma ameaça. O segundo de hesitação foi o único convite que Sam precisava. Seu corpo, agora liberado da atração gravitacional, disparou para frente em um movimento que era o oposto da Repulsão de Alex, ou seja, era pura Absorção da distância. Sam atingiu Alex com um soco lateral no torso que foi o resumo da entropia condensada. Tornando-se a anulação da estabilidade.

    Aqui, Sam foi mais brilhante que Alex!

    O golpe reverberou como um sino rachado. A aura dourada de Alex estalou. O corpo do Deus Material foi arremessado com uma força que transcendia a física normal, atingindo em cheio a fachada de um dos poucos arranha-céus que ainda resistiam na orla. O impacto foi tão devastador que o edifício, de trinta  andares, explodiu. A torre de aço e concreto foi pulverizada, subindo aos céus em uma coluna de fumaça cinzenta e detritos. E por um breve instante, Sam viu a silhueta dourada de Alex se desintegrar em meio ao pó. Certamente, Sam sabia que tinha de ser rápido, pois o Capital não perecia com um único golpe.

    — Agora, Vide… O Pleno Na— O vento o rejeitou mais uma vez.

    E no exato “Teletransporte Real!” Alex estava de volta. Ele materializou-se no ar, a um metro de Sam. Seu ombro direito estava deslocado, pendurado de forma grotesca. Sangue escorria em filetes densos de sua boca e de um corte profundo próximo do olho esquerdo. Mas o sorriso selvagem e a aura dourada intacta atestavam sua resiliência.

    — Não vai falar! — Alex sibilou, mas sua voz não era a dele. Era a voz rouca e gutural de Sam, que ele havia acabado de absorver com a técnica Dinheiro, silenciando-o. Sam, agora mudo, apenas tossiu, engasgando-se com o ar roubado.

    — Você não fala mais, Sam!

    E portanto, antes que Sam reagisse, Alex transformou seu antebraço direito. O membro deslocado foi ignorado. O esquerdo foi envolto em uma luz dourada, e a mão e parte do antebraço se metamorfosearam em uma lâmina afiada de ouro maciço e brilhante. O Deus Material investiu em uma ofensiva horizontal, um corte visando o pescoço de Sam. Contudo, mesmo silenciado e ferido, Sam recuou em um movimento de Reconfiguração Instintiva, fazendo com que o solo se elevasse levemente para impulsioná-lo para trás e para longe da lâmina de Alex.

    — Está tentando me enganar com a surdez tática, Sam? Não vai funcionar! Eu leio a intenção do valor! 

    Sem voz e com o corpo em frangalhos, Sam sabia que a invocação do Pleno Nada exigia concentração e a vocalização limpa. Alex não apenas lia seu pensamento, ele podia absorver os meios de sua manifestação. Mas no ato de matar o tempo de reação do adversário, Alex atacou novamente.

    Absorção Imediata: Repulsão do Ar!” E a aura dourada de Alex se expandiu em um flash de 360 graus. Ele absorveu a energia natural do ar circundante e a repeliu em todas as direções. Sam, no centro da explosão, seria esmagado por ondas de choque invisíveis vindas de todos os ângulos.

    Sam não tinha tempo para criar um escudo ou desviar. A única resposta era a reversão. “Ecos do Vazio!” Ele pensou, e o ambiente reagiu. A aura cinzenta de Sam se espalhou, mas desta vez como uma membrana perfeita. O ar repulsivo de Alex, que corria para Sam em alta velocidade, não o atingiu. Em vez disso, a membrana de Ecos do Vazio agiu como um espelho espiritual. A energia cinética do ar, o próprio ataque de Alex, foi refletida de volta à sua origem, com a mesma força e velocidade.

    O próprio Alex foi atingido por sua ofensiva revertida. O ar que ele havia energizado com sua técnica, agora o próprio cortava. Pequenos rasgos se abriram em sua pele e na sua aura dourada. Ele cambaleou para trás, com sangue fresco escorrendo em seu antebraço.

    — Impossível! Sua técnica é entropia, não reflexão! — Alex estava furioso e nervoso. 

    Aproveitando a breve abertura, Sam tentou mover os lábios, forçando o ar a passar pela garganta roubada. “Pleno…”

    POW! Alex estava na frente dele, com o ombro deslocado chacoalhando e a lâmina de ouro novamente em riste. Ele não conseguiu atacar Sam fisicamente. Mas a lâmina atravessou o ar, e a intenção do corte foi moldada, o que forçou Sam a lidar em recuar mais do que em invocar o que tanto queria. “Silêncio Financeiro!” Alex gritou, e o som de sua voz roubada de Sam atingiu os ouvidos do alvo.

    O ataque não era físico, era conceitual. Sam sentiu uma mordaça invisível em seu processo cognitivo. E isso não era uma simples leitura do pensamento, era a anulação da manifestação da técnica.

    O Pleno Nada dependia da vocalização limpa e da intenção. Alex estava destruindo a ponte entre a ideia e a realidade. Novamente, Alex havia demonstrado o quão inteligente era.

    Por consequência, Sam recuou mais uma vez. Ele estava preso em um ciclo vicioso entre atacar para ganhar tempo para invocar o Pleno Nada, e lidar defensivamente com Alex, que interceptava a invocação antes que ela fosse completa. 

    Curiosamente, ainda não se podia comprovar o que seria crucial para a vitória dessa batalha; a paciência, a genialidade ou a velocidade?

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