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    A verdade caiu sobre Alex como o peso da Serra do Mar. A Técnica Dinheiro era ilimitada, mas o portador não era. Alex havia apostado tudo na leitura dos pensamentos e no ataque rápido, negligenciando a recarga de sua própria fundação. O pânico substituiu o triunfo!

    “Santos está perto daqui… Eu tenho que ir para Santos! A capital do petróleo! Lá tem mais valor! Com Santos em mãos, eu vou… Eu venço isso!” Alex pensou, e sua aura dourada, desesperada, disparou em direção ao sul.

    O Deus do Dinheiro não podia simplesmente perder assim… Alex estava em fuga. O Deus Material estava correndo da insolvência. Sam viu o movimento de desespero. Não havia mais bloqueios mentais ou físicos. O momento tático havia chegado, forjado pelo sacrifício de valor na cidade e pela inversão da própria técnica.

    O corpo de Sam, imóvel e móvel ao mesmo tempo, disparou em um salto que era a negação da distância, uma manifestação da Absorção da realidade. Alex ainda estava a metros de distância, acelerando, quando ouviu a voz de Sam, rouca, mas incrivelmente limpa, que soou como um sussurro final do som do universo se dobrando ao zero.

    “Pleno Nada!”

    Não houve brilho, nem som. A palavra não viajou pelo ar; ela se tornou uma condição. O cometa dourado de Alex, em pleno voo de fuga, simplesmente desapareceu. Alex abriu os olhos. Ou talvez os tivesse fechado. Era impossível saber, pois não havia luz.

    Ele estava em um lugar que era um ambiente infinito, sem chão, sem céu, sem parede. A cor era um preto absoluto, mais denso do que o vácuo do universo, pois o vácuo, pelo menos, continha estrelas e a promessa de gravidade. Ali, não havia nada. Não havia estrutura.

    O pânico o atingiu antes mesmo da consciência completa. Sua Energia Externa 100%, e a aura dourada, que era a sua roupa, o seu escudo e a sua glória, dissolveu-se instantaneamente, como um torrão de açúcar em água fervente.

    Tentar reativar a Energia Externa Alex tentou, em um ato de desespero primordial. Nada.

    Tentar Atração de Matéria! Ele estendeu a mão, buscando o valor da terra, do aço. Nada.

    Tentar Teletransporte Real! Nada.

    — Minha técnica… ela sumiu?

    Ele era um humano comum, vestindo a camisa de grife que havia roubado na cidade, agora suja e rasgada, no meio do nada. Ele tentou correr. Correu para frente, correu para trás, correu em círculos. A cada passo, a percepção de que a corrida era fútil aumentava a sua agonia. O pior era o silêncio da anulação. Era um silêncio tão absoluto que era possível ouvir o pulsar do próprio sangue nas veias, o bater do seu coração, e, o mais aterrorizante de tudo, o ruído estrondoso e caótico de seus próprios pensamentos.

    O Pleno Nada era uma habilidade avançada do Sam, com caráter de Segunda Classe, onde todas as formas de energia, incluindo magia, força vital, e até mesmo luz e som externo energético, eram completamente anuladas, sendo de técnica imaterial e material. No Pleno Nada, qualquer atividade ou habilidade era suprimida, criando um ambiente de completa neutralidade e total supremacia a Sam. 

    Alex parou de correr, ofegante. Ele passava as mãos nos olhos, tentando acordar, tentando encontrar a luz do Capital que era sua única realidade.

    — O que é isso? O que… — ele começou a sussurrar, a voz roubada de volta, mas trêmula.

    — Aqui é o único ponto morto para qualquer portador na Terra… Até mesmo o Zarek é vulnerável aqui. 

    Alex estacou o susto, o que o fez girar em seu próprio eixo. Sam estava parado atrás dele, a dois metros de distância. A aura cinzenta de Sam não estava presente. Ele também estava em seu estado mais básico, mas seus ferimentos, embora visíveis, não jorravam mais água corroída. Alex, o Deus Material, estava nu de poder, e o desespero o fez assumir a postura de um empresário acuado.

    — Sam… Por que você fez isso? Você tinha o mundo inteiro para governar com a Alliance. Por que vir atrás de mim com tanta… determinação pessoal? Eu não sou o seu inimigo. Nós dois buscamos o poder, apenas por meios diferentes. — Alex questionou, e sentia a voz recuperar a arrogância perdida.

    — Minhas ordens não são pessoais. Elas são pragmáticas. A Alliance é uma organização que busca a estabilização do poder não-humano no mundo. A sua técnica, Alex, o Dinheiro, é muito perigosa para a coexistência desse mundo. Ela não depende do seu esforço ou evolução pessoal, mas da quantidade de valor que você toca. Ela torna qualquer um em deus. Um portador dela não pode estar tão livre. — Sam não sorriu. Ele apenas observou Alex, desprovido de qualquer emoção de luta.

    — E daí? Eu sou o avanço! — Alex retrucou, batendo o pé em um chão inexistente e espremendo seus punhos, cheio de raiva.

    — Sua técnica tem uma progressão exponencial de repertório. Se você fosse para São Paulo, você se tornaria um Deus onisciente e onipotente. A chance de vencê-lo seria negativa, como Vide disse. E o pior, você usaria essa amplitude para encontrar mais Escrituras e se tornar mais poderoso ainda. A Alliance não quer um Deus incontestável na Terra. Não quer a hegemonia da Torre. A Alliance quer a igualdade de poder, o equilíbrio. Comigo não é diferente.

    Sam deu um passo à frente — Você matou inocentes por acidente ou por desleixo, Alex. Mas eu… Eu matei inocentes por designação. Eu destruí a cidade inteira para anular você, e eu sabia o preço. Eu não me importo com a culpa. Você é um monstro que foi pego em seu próprio jogo. Eu sou um monstro legitimado pela necessidade de estabilidade global.

    O rosto de Alex empalideceu. A crítica de Sam não era nenhum pouco moral, e sim somente a de um profissional para outro — Você está dizendo que nunca foi sobre o bem ou o mal? Mas por que está com o Koji? 

    — Nem eu e nem Koji fomos ordenados pela Torre. Koji está atuando por vingança própria contra você. Mas eu não… Assim como eu, a Alliance também trabalha nessa linha pragmática e estabilizadora, sem tomar lado. O meu lado é o da equalização. O seu colapso aqui, mesmo que não seja a sua morte, é a equalização que eu buscava.

    Alex olhou para Sam, horrorizado. Ele havia percebido algo — Norman Fuller… O pai de Koji… Ele sabia disso? O que ele pensaria ao saber que o filho foi cuidado por alguém como você por cinco anos?

    A menção de Norman causou a única mudança perceptível na postura de Sam. Um breve lampejo de algo parecido com dor em seus olhos.

    — Norman não sabia. Nós éramos amigos, e na época, eu não tinha essa visão realista e amoral do mundo. Eu era mais um idealista e soberbo ingênuo, como você é agora. A amizade era genuína, Alex. Mas o mundo mudou. 

    — E depois que Norman e Jenna Fuller partiram… — Sam continuou, protagonizando o endurecimento do seu olhar. — Tudo foi um caminho. Um plano para chegar ao dia atual. A equidade de poder é mais necessária do que qualquer orgulho individual. Sem portadores que pensam como eu, o mundo acabará em menos de cinco anos.

    Alex cambaleou para trás, atingido por uma revelação que era mais devastadora do que qualquer Repulsão. Ele olhou para Sam, o homem que ele havia ridicularizado e tentado destruir, e viu um cérebro frio e calculista que havia manipulado uma criança e uma amizade por cinco anos.

    — Você está dizendo… Que desde o dia em que você começou a cuidar de Koji quando ele tinha dez anos, após o suicídio de Norman e a morte de Jenna… Tudo isso foi planejado por você, Sam, somente para chegar em mim?

    Sam assentiu, a confirmação mais brutal que Alex poderia ter recebido.

    — Na maior parte, sim. Houve alguns deslizes na investigação, momentos em que a emoção tentou intervir, mas o objetivo central sempre foi você, Alex. A sua técnica era a ameaça mais perigosa ao equilíbrio. Reencontrar Koji em Dynami foi apenas a melhor forma de cortar caminhos… Fazê-lo se desenvolver mais como um portador, até que eu mesmo o instigasse a saber mais dos pais dele. Para que enfim, por meio da vingança dele, eu chegasse até aqui, até você.

    Sam deu um último passo, ficando a meio metro de Alex. E no Pleno Nada, Sam era a única autoridade — Koji virá até mim. Ele provavelmente virá junto dos agentes da Torre, Nahome e Tovah. E quando ele vier, eu não irei conter esforços para deixá-lo por dentro da verdade de sua própria história. Ele vai saber quem você é, e quem eu sou. E ele terá que tomar a decisão, visto que a vingança dele nunca esteve realmente palpável.

    Sam não disse mais nada, somente ouviu…

    — Você não pode me matar, Sam. Eu sou um portador de Primeira Classe! O meu fluxo interno, a minha fundação, é indestrutível. Nenhum portador tem a capacidade de anular outro permanentemente. Não é um poder concedido.

    — Matar você? Isso seria ineficiente. E, sim, você está correto. Eu não tenho essa capacidade. Mas o Pleno Nada é a negação de tudo, inclusive do valor que você tanto precisa. E você só existe, Alex, onde o valor existe. Você é a soma total da crença econômica no mundo.

    Sam fez um gesto lento com a mão, e o escuro e nada absoluto pareceu se condensar, aterrorizando Alex — Você não será um mártir. Será apenas um balanço negativo no livro de contas da realidade. Seu poder foi zerado e sua conexão com o Capital foi suspensa. Você ficará aqui, longe do mercado, distante do mundo e da sua própria soberba, até que eu decida que é hora de retirá-lo. Eu não tenho pressa alguma em fechar esta conta.

    O Pleno Nada começou a se dissolver. A escuridão absoluta encolheu, implodindo ao redor de Alex com a velocidade de um sonho se desfazendo, forçando-o a ficar na sua bolha infinita de anulação. O último que Alex viu foi o olhar vazio de Sam antes que a dimensão escura se fechasse. Alex estava cativo na sua própria inexistência.

    No mesmo instante, o corpo de Sam reapareceu no mundo real. Ele estava a cerca de cinquenta metros do chão, no que antes era o centro de Bertioga. O estado macro de seu corpo, a aura cinzenta que havia se manifestado para o combate, lentamente se desfez, voltando ao seu fluxo normal de Energia Interna. Os ferimentos causados pela luta foram amortecidos, embora a exaustão fosse palpável. Sam flutuava, imóvel de cabeça baixa, inerte, observando a cidade abaixo. O ar estava pesado, não apenas com a poeira e a fumaça, mas com o peso da entropia.

    Bertioga era uma cena de devastação completa. A Serra do Mar ao longe parecia um espectro. No horizonte, o mar estava calmo, indiferente. Em toda a cidade, edifícios haviam desabado, carros pegavam fogo e nuvens densas de poeira subiam para o céu noturno. Centenas de civis, mortos e feridos, jaziam em meio aos escombros e nas ruas da cidade, o preço da anulação. Sam passou a visão por toda a cena, lenta e friamente, processando o cálculo. A vida perdida. O valor destruído. A equação fechada.

    Ele era um monstro legitimado pela necessidade de estabilidade global, e este era o custo de sua legitimidade. Ele não sentiu arrependimento, apenas a inércia do cumprimento do dever.

    Sam respirou fundo… Ele olhou para o nada. Literalmente, o cataclisma havia tornado toda a cidade de Bertioga em nada.

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