Capítulo 48 - Que Mal Tem?
Os seres humanoides finalmente saíram das paredes, cercando Saik e a L por todos os lados. Os bichos se moviam desajeitados e tortos e chamaram a atenção de Saik, que observou com desdém.
— Eles parecem ser tão idiotas quanto os zumbis — se aproximando, quase com indiferença, de três das várias criaturas que cambaleavam em sua direção.
Sem pressa, ele esticou o dedo indicador da mão direita e tocou o peito do ser mais próximo. Ao fazer isso, sua expressão mudou com o que sentiu — Hã? Eu senti o fogo? — ele murmurou.
— Percebeu? — falou a L, cortando as criaturas com golpes fatais e precisos, decepando as cabeças e os braços dos seres com suas espadas.
— Por que o fogo me machucou? Só o fogo de um portador pode ferir outro portador — disse ele num tom incisivo.
— Não percebeu? Tem um portador por trás disso. Ele deve ter lançado um feitiço para permitir que essas coisas possam nos ferir — explicou ela, enquanto desfigurava os seres.
— Feitiço?
— Não é qualquer um que pode lançar feitiços, e é raro presenciar a eficácia de um — ela continuou, guardando uma de suas duas espadas Tanto num suporte nas costas e limpando o sangue dos punhos — Eu também sinto o fogo me queimar quando os ataco. O segredo é ignorar a dor, ignorá-la a ponto de fazer o fogo parecer inexistente quando sua pele entra em contato com ele. É assim que se lida com certos feitiços.
Saik ouviu com atenção, ao mesmo tempo que socava brutalmente os monstros que surgiam. Algo na explicação da mulher fez sua mente se abrir para um novo questionamento.
— O som… Talvez Koji tenha sido atingido porque de alguma forma ele sentiu algo com aquele som.
Ele se virou para ela e perguntou — E o som? Esse som também é um feitiço?
— Não. Esse som é causado por um Rito de Restrição Dono.
— E o que é isso?
— Aquela menina que você viu no centro do espaço circular, flutuando presa em um feixe de luz… Ela está sendo usada como o objeto principal desse Rito. Para quebrá-lo, precisamos encontrar o responsável por isso. Estou aqui há algumas horas, e ainda não encontrei o portador que está por trás disso. Tenho certeza de que ele é capaz de tornar sua energia completamente imperceptível.
Olhando de canto para a L, certamente desconfiado, Saik perguntou — Conhece a garotinha?
— Não — de maneira seca, ela respondeu, ao voltar a cortar os novos bichos humanóides que andavam em sua direção.
— Veio aqui pra salvar ela? — a curiosidade e desconfiança de Saik haviam sido chacoalhadas.
Ela não respondeu, se calou e continuou a matar os monstros deformados, enquanto Saik a encarava — Isso não tá normal.
De repente, o som, que não estava sendo ouvido, ressurgiu alto e com os tremores violentos, o que fez a L olhar para os lados e perceber algo.
— A temperatura está aumentando.
— Como é? — Saik tirava o suor do rosto, passando o antebraço esquerdo.
— As rochas estão mudando sua tonalidade e textura com uma elevação na temperatura — mas essa surpresa não iria terminar, pois ao olhar com mais calma, a L continuou — esse retângulo está se fechando. Vai nos esmagar.
— O portador que tá fazendo isso percebeu que esses bichos queimados não iriam conseguir fazer muita coisa — analisou Saik, que teve sua observação completada pela L — E fez todo o retângulo de rochas queimar e se comprimir para nos matar.
Saik olhou para as palmas de suas mãos e seus braços levemente abertos, enquanto dizia.
— Eu não vou perder tempo matando esses bichos — Em seguida, acrescentou ativando “Energia Vívida!”
A energia surgiu imediatamente em suas mãos, brilhante e iluminando todo o retângulo, que antes era iluminado apenas pelo fogo que queimava nos seres deformados e nas paredes. A mulher, surpresa, levou a mão direita, segurando uma de suas espadas Tanto à frente dos olhos.
— O quê? Essa luz está vindo de você? — ela tentou olhar para Saik, mas o brilho era intenso demais.
— Sim… — disse Saik, ao olhar para ela.
Porém, no mesmo momento, viu de relance uma sombra humanoide parada à sua frente e dela, graças à forte iluminação da energia vívida. No mesmo instante, ambos atacaram a sombra instintivamente. Saik desferiu um soco direito firme com o punho cerrado em direção ao rosto da sombra, enquanto a L atacou com sua espada Tanto, segurada na mão esquerda, na altura do estômago.
Seus golpes, entretanto, não atingiram nada. A sombra parecia ter desaparecido no ar.
— Ham? — Saik olhou para os lados e nada.
— Cadê?
Os dois olharam para o chão, mas nem mesmo lá a sombra refletia. De repente, uma voz feminina soou no ar, suave e calma, diretamente nos ouvidos de Saik e da L, praticamente sussurrando para eles — Por que não param?
Ambos se surpreenderam com a voz. Mesmo que a L fosse inexpressiva, com um semblante sério e levemente raivoso, suas sobrancelhas se ergueram. Saik também foi tomado por esse sentimento de surpresa.
— Ah, o que tá acontecendo? Eu não consigo me mexer — Saik, inesperadamente, sentiu seu corpo parar no ar, e ele tentava mexer.
— Essa maldita voz nos travou — com expressão de raiva, a L também não conseguia se mexer.
Eles estavam paralisados nas posições de ataque, enquanto os seres deformados, apenas quatro, se aproximavam lentamente.
— Ah! Vai! — Saik se esforçava ao máximo para se mexer, vendo dois dos seres se aproximarem.
— Não percebeu que só os nossos corpos foram travados e as nossas bocas não? Você é portador, não consegue fazer algo com essa energia brilhante?
— Eu não sei se vai causar muito estrago, mas tenho uma coisa que pode resolver rápido.
Então, ele falou — Gigante de Energia Vívida… Não precisa ser vantajoso…
Em meio à compressão das paredes do retângulo, que ameaçavam esmagá-los em poucos minutos, o gigante de energia vívida começou a surgir. Primeiro apareceram seus pés, e então, em poucos segundos, o resto do corpo tomou forma, crescendo rapidamente.
O gigante era muito maior do que o espaço permitia, quebrando o solo de cima e afundando o chão com seu peso. Seus braços destruíam as paredes ao redor, impedindo que continuassem a se comprimir. Quando menos esperavam, o gigante já tinha cerca de 10 metros de altura.
Apesar de sua expressão contida, L olhava impressionada, com a boca levemente entreaberta.
— Ele vai ajudar agora — afirmou Saik, observando a criatura.
A iluminação no local se tornou absurda, brilhante e intensa devido à presença da energia vívida do gigante. Repentinamente, o som melódico e os tremores que vinham da compressão do retângulo também pararam. Agora, só restavam os tremores causados pela destruição do gigante.
Com o fim do som e dos tremores, tanto Saik quanto a mulher caíram no chão, subitamente libertados da paralisia.
Caído de bruços perto do calcanhar esquerdo do gigante, Saik se virou de barriga para cima e olhou para cima, observando os inúmeros corredores que a criatura havia exposto ao abrir uma enorme cratera no subsolo.
— Tem mais corredores no subsolo do que eu imaginava — comentou ele.
A L se levantou e se aproximou de Saik, guardando suas espadas no suporte em suas costas.
— Ele realmente ajudou — ela observava os corredores.
— Sabe de quem era a voz e a sombra? — perguntou Saik enquanto se levantava.
— Certamente é o responsável pelo rito com a garotinha, pelos sons e os zumbis. Mas ouvimos uma voz feminina. Eu não imaginava que fosse uma portadora.
Ela começou a caminhar sobre os imensos destroços do subsolo, que formavam uma espécie de escada para alcançar os corredores. Enquanto ela subia, Saik pensava.
— É estranho… A L não sofreu com a falta de ar, mesmo estando mais de 10 metros abaixo da superfície. Isso deveria provar que ela é uma portadora. Um humano morreria em menos de um minuto. Mas ela tem muito cuidado para que eu não descubra, e até parece fingir dificuldade.
A L conseguiu se jogar para dentro de um dos corredores, depois de ficar um certo tempo com dificuldade para subir, e Saik, sem problema algum, pulou e entrou em menos de cinco segundos.
— Fica em pé aí um tempo, daqui a pouco tu descansa — Saik falou para o gigante, que permanecia imóvel.
Voltando sua atenção para o corredor, ele seguiu a L, caminhando por um dos inúmeros túneis do labirinto subterrâneo, que se assemelhava a uma colônia de formigas versão humana.
— Cadê a luz? — ela gesticulou discretamente com a cabeça para as mãos de Saik.
— Ah, o gigante sempre puxa minha energia vívida pra ele… — Saik reacendeu a energia em suas mãos, somente balançando elas.
— Eu esqueci que quanto mais escuro é um lugar, mais forte será a luz que surgir — Saik comentou, quando a L voltou a andar e guiar.
— Andou lendo a Bíblia? — disse ela, séria e num tom seco, sem interromper a caminhada.
— Acabei de criar essa frase — despreocupado, Saik encarava as próprias mãos banhadas por energia vivida.
— Tem centenas de pessoas que também acham que criaram essa frase.
— Elas acham, mas eu tenho certeza.
— Chegamos! — A L entrou num corredor que levava a um pequeno espaço circular, iluminado por tochas de fogo.
No centro, havia cinco tábuas com inscrições. Ela observou as tábuas por um momento e comentou.
— Eu achava que a menina estava num Rito de Restrição Dono, mas não. É um rito tradicional.
Ela se aproximou das tábuas no chão.
— O que fazemos com essas coisas? — Saik estava um pouco atrás da L, apenas observando.
— Cada tábua dessa é referente a algo: o som melódico, os zumbis, a compressão do retângulo, os seres deformados e o aumento de temperatura devido ao fogo nas paredes… Apesar de duradouros, os ritos acabam. O som melódico já cessou porque os ritos estão terminando.
— E a garotinha? Em qual rito ela está?
— Muito provavelmente, o dos zumbis. A portadora que fez isso, aquela que nos travou, matou toda a população da cidade para transformá-los em zumbis, e usou a menina somente para executar o rito — explicou a L, que deu uma leve ressaltada — A garotinha só foi usada para dar vida definitiva aos zumbis.
— Fizeram um genocidio em prol de um rito… — Saik estava com um olhar perdido e fixo nas tábuas. Sem dúvida, isso parecia ser muito para a frieza que ele tentava manter.
Ela ficou de pé novamente, ao lado do Saik, e disse — Só precisamos quebrar essas tábuas.
Rapidamente, os dois pisaram nas tábuas, quebrando todas as cinco. Eles se entreolharam, olharam para o corredor e não viram ninguém.
— Ninguém? — Saik achou estranho a falta de adversários, ou melhor, resistentes.
— É bom quando não tem resistência.
— Gigante, descanso — ordenou Saik, desfazendo o gigante de energia vívida. Em seguida, ele perguntou à L — Por que a garota foi usada para uma função específica e os outros mortos por nada?
— As várias pessoas que morreram foram usadas para se transformarem em zumbis. A garota foi escolhida para iniciar isso tudo. A chave para executar a maior parte dos ritos existentes é a pureza. Os ritos, quando exigem sacrifícios, precisam de almas e sangue puro.
Quando os dois voltaram seus olhares para as tábuas quebradas, algo inesperado aconteceu. Uma leve fumaça começava a sair do solo abaixo delas. A L se agachou rapidamente, tirando as tábuas, revelando a origem da fumaça: uma letra cravada no chão, que estava se dissipando.
Essa letra era F.
— Fundação? — Saik pensou.
— Eles que tramaram isso.
Saik ficou observando o “F” se desfazer rapidamente, até desacordar das perguntas internas e perguntar — Eles? A Fundação fez isso?
Ignorando o que dizia o Saik, A L começou a caminhar em direção ao corredor para sair do subsolo, e Saik a acompanhou e perguntou.
— Como conhece a Fundação?
— A Fundação é o grupo de portadores criminosos mais famosos e poderosos do mundo. Quem não conhece eles?
— Mas por que tinha um F ali? Nessa região quem está agindo é o Conclave, e não a Fundação.
— Eu não preciso contar nada.
— Quem te mandou pra cá? Foi pra salvar a garota? — o tom das perguntas e das respostas cresceram diante do ímpeto e da tensão dos dois.
— Achei que não falaria mais disso.
Os dois caminhavam por um corredor que subia em direção ao espaço circular onde a menina estava presa no feixe de luz, agora liberta pela quebra das tábuas.
— Se não pode falar muita coisa, que mal faria me contar que veio salvar a garota? — insistiu Saik.
— Eu poderia ser maldosa, mas não vai ser preciso pela ajuda que me deu.
— Do que tá falando?
Inesperadamente, a L, que estava à frente, disse “Élen-Epitá: Desaceleração Gradativa!”
Ela estalou os dedos, e Saik, de forma inesperada, sentiu seu corpo paralisar novamente.
Era como se o tempo ao seu redor começasse a fluir de maneira diferente, mais rápido do que o normal. Seu corpo, por outro lado, não estava completamente paralisado como da outra vez. Ele estava desacelerando, mas lentamente, quase imperceptível. A cada segundo que passava, ele sentia que estava se movendo menos em relação ao mundo.
A explicação para o que L havia feito era simples, mas poderosa. Ela havia colocado Saik em um estado de desaceleração gradativa, permitindo que seu corpo e sua mente tivessem mais tempo para se ajustar às mudanças.
Não era uma interrupção brusca, mas como frear suavemente em uma estrada, dando ao corpo tempo para se preparar.
L deixou Saik para trás e seguiu calmamente até o espaço circular onde a menina estava. O feixe de luz, que antes a aprisionava, havia se dissipado, e a garota agora jazia no chão, desacordada.
Ela se aproximou da menina, pegou-a nos braços com delicadeza para não acordá-la. Ela sabia que o cenário ao redor poderia ser aterrador se a garota acordasse. Sem problemas e preocupação, a L saiu da casa.
A visão que a aguardava do lado de fora era aterradora. Centenas de corpos, os civis da cidade, estavam espalhados por todos os lados, caídos como bonecos sem vida. Eles haviam sido transformados em zumbis, em instrumentos de um genocídio brutal.
E de fato, uma cidade inteira foi usada em prol de um genocidio que ainda não tinha explicação ou motivação… Ainda…
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