Índice de Capítulo

    Nahome e Tovah levavam Saik e Koji em um veículo militar com o teto aberto, enquanto cortavam a paisagem verde de fazendas e plantações. Nahome dirigia, com óculos escuros e expressão fechada, enquanto Tovah, ao lado, apreciava o céu azul pontilhado de nuvens esparsas, que parecia se estender infinitamente sobre o campo.

    — Koji avisou onde ele está agora? — perguntou Saik, no banco de trás.

    — Disse que está a menos de 20 km de Cuiabá — respondeu Tovah, ainda olhando a paisagem e Saik continuou — Ele está sozinho ou com o Spherea?

    — Não sabemos — disse Nahome, sem desviar o olhar da estrada.

    Tovah olhou de esguelha para Saik, com certa curiosidade e interesse — Esse Spherea é o ser de sombra que toma forma?

    — Sim. É uma coisa específica, até mesmo entre os demais portadores.

    — Os nerds da Torre falam desse bicho o tempo todo. Já vi muitos portadores, mas nada parecido com isso.

    O veículo avançou, e, ao longe, viram Koji, encostado em uma placa de “Pare” na beira da rodovia, com o braço direito erguido em um aceno.

    Nahome estacionou à frente dele, e Koji, com um leve sorriso, disse — Que demora.

    — Foram mais de duas horas na pista — respondeu Saik, descendo e fechando a porta com um baque.

    Nahome saiu do veículo, dando a volta até Koji — Vão querer entrar em Cuiabá no carro ou a pé?

    Tovah, ainda sentado, respondeu rapidamente — Que pergunta é essa? Claro que vamos de carro.

    Nahome ergueu uma sobrancelha — Perguntei para os portadores.

    — Vamos de carro até a entrada da cidade e continuamos a pé, né, Saik? — Koji olhou para Saik, perguntando.

    — Sim. É uma boa.

    — Melhor assim — Tovah murmurou para si mesmo.

    — Vocês estão sentindo energia de algum portador inimigo? — perguntou Nahome, enquanto tirava um cigarro do bolso e via sua condição.

    — Não tenho essa capacidade — prontamente, disse Koji, de braços levemente cruzados

    — Não estou sentindo nada até o momento — afirmou Saik.

    — Ótimo — disse Nahome — Está de manhã, é uma boa hora para agir.


    Enquanto eles seguiam viagem, uma outra cena se desenrolava na Torre, em Brasília. 

    Na sala de reuniões, Ava, a comandante, estava sentada na cadeira principal, examinando papéis. A porta se abriu, e Nicolas entrou, colocando mais documentos sobre a mesa.

    — Aqui estão os relatórios sobre o desaparecimento — ele disse.

    Ava levantou o olhar — A Inteligência já está em plena atividade?

    — Não completamente, mas muitos agentes já estão agindo, e esses relatórios são fruto do trabalho deles.

    Nesse momento, a porta abriu-se novamente. Cole entrou apressado, anunciando — Ele chegou.

    Ava e Nicolas olharam, e Tahiko entrou logo em seguida, com os braços cruzados e uma expressão fechada.

    — Não era para ele chegar só às dez? — murmurou Nicolas, olhando para o relógio na parede.

    — Ainda não percebeu que eu não respeito as regras da Torre, hein, magrelo?

    — Sente-se — ordenou Ava.

    Tahiko se acomodou, e Ava foi direta.

    — Vamos ao ponto. Alguns dias atrás, Tovah me contou sobre a visita que você recebeu em sua cela. Nikki Williams, soldado das Forças Especiais da Torre e filho do falecido Capitão Williams, foi até você para perguntar sobre o portador da Fundação que matou o pai dele. Estou certa?

    Tahiko recostou-se na cadeira, um tanto impassível — Ele me procurou, sim, mas eu disse que não sabia nada sobre o desgraçado.

    — O problema não é a sua resposta, Tahiko. A questão é sobre o Nikki. Desde essa visita, ele partiu em uma missão atrás da Fundação e não retornou.

    Tahiko manteve-se atento.

    — Ele estava ciente dos riscos, então levou dois rastreadores corporais da Torre — explicou Ava — Foi assim que conseguimos identificar a localização dele.

    — E onde estão os dois rastreadores? 

    Ava entregou-lhe um dos relatórios. Tahiko olhou as informações e comentou.

    — Duas localizações diferentes?

    — Exato. Um rastreador está em um lugar, e o outro a cerca de três quilômetros de distância.

    Tahiko olhou para Ava — Essas localizações são em qual cidade?

    — São Paulo — respondeu Ava — Veja mais de perto: os rastreadores estão nas estações da Sé e da Luz, os lugares mais movimentados da maior cidade do país.

    — Por que diabos ele iria para São Paulo?

    — Não sabemos. Precisamos que você vá até lá e descubra o que está acontecendo. Amanhã pela manhã, um helicóptero da Torre vai levá-lo até São Paulo. A prefeitura decretará toque de recolher por 30 minutos para facilitar sua investigação.

    Nicolas, provocativo, tocou o ombro de Tahiko — Está com medo?

    — Cala a boca, Nicolas — rosnou Cole, lançando-lhe um olhar afiado e Nicolas manteve — Está amedrontado?

    Tahiko levantou o olhar de seriedade para Nicolas — Se tocar em mim de novo, eu arranco a tua mão.

    Ava interveio rapidamente — Escute, Tahiko. Três grupos das Forças Especiais da Torre irão com você, entendeu?

    — Entendi.


    Voltando para Cuiabá…

    Conforme o veículo avançava pela estrada, a silhueta da entrada da cidade começou a aparecer. Contudo, o céu claro se tornava gradualmente obscurecido por pequenas sombras voando ao longe e que aproximava-se do veículo.

    Saik inclinou-se no banco traseiro — Drones? — ele perguntou, com um tom de suspeita.

    Nahome apertou os olhos, ajustando o volante levemente enquanto dirigia devagar — Pode ser. Mas parece mais que estão fazendo algum tipo de ronda.

    Ao lado de Nahome, Tovah observava as sombras no céu com um leve ceticismo.

    — Seja o que for, estão nos monitorando. Estão se afastando… mas não tanto. Aposto que estão seguindo nossos movimentos.

    Ao chegar à entrada da cidade, Nahome parou o veículo. Ele fitou Tovah, que já havia saído do carro, esticando o pescoço para observar os drones que agora estavam mais distantes.

    — Temos companhia aérea. A Torre talvez tenha uma boa explicação para isso, mas eu duvido que eles se incomodem em nos informar.

    — Essas coisinhas são praticamente parte da paisagem por aqui, — comentou Koji, descendo do veículo e olhando para o horizonte com desconfiança — Mas tem alguma coisa estranha na movimentação. Não parece que estão só vigiando… parecem estar à espera de algo.

    — Ou de alguém — completou Saik, fechando a porta de seu lado do veículo.

    A cidade parecia estranhamente silenciosa, como se estivesse suspensa no tempo. Pequenos resquícios de atividades humanas estavam espalhados pelo chão: jornais amassados, copos descartáveis e sinais de que, até pouco tempo atrás, aquela rua tinha vida.

    — Alguém percebeu que estamos sendo ignorados? — disse Koji, meio confuso.

    — Ignorados? — Nahome soltou uma risada seca — Não há ninguém aqui para nos ignorar.

    Os quatro seguiram caminhando em direção ao galpão que avistaram mais adiante, uma estrutura antiga e parcialmente danificada, mas de aparência imponente, com o portão principal entreaberto.

    Tovah foi o primeiro a se aproximar do portão, colocando as duas mãos para empurrá-lo lentamente, causando um rangido alto e sombrio. Koji, Saik e Nahome observavam em silêncio, sentindo a tensão crescer enquanto o espaço se revelava diante deles.

    O interior do galpão estava mergulhado numa penumbra inquietante, que realçava as silhuetas penduradas no teto. Koji parou bruscamente ao se dar conta do que via. 

    — Encontramos uma bela cena de crime — Tovah deu os primeiros passos para entrar no galpão escuro com alguns feixes da luz de sol que varava o teto do local.

    — Oh, olha isso — Nahome acendia um cigarro com serenidade.

    Diante deles, penduradas em cordas longas e escuras, estavam centenas de pessoas, balançando levemente. 

    — Eles fizeram uma execução em massa. Isso não é um bom sinal — opinou Saik.

    Em segundos, uma multidão de pessoas apareceu à entrada do galpão.

    — Quem matou essas pessoas? — perguntou uma senhora de aparência frágil, com os olhos arregalados, para o Koji.

    — Quem fez isso? — outra voz insistiu, dessa vez para o Tovah, enquanto repórteres de TV surgiam, empurrando microfones e câmeras para os rostos do grupo.

    — Vocês estavam envolvidos? — gritou um dos jornalistas para o Nahome, com os olhos ávidos por qualquer resposta.

    — Claro que não, oh pateta! — Nahome respondeu, sério e levemente irritado, tentando afastar a câmera de perto dele.

    Koji olhava ao redor, completamente atônito — O que está acontecendo aqui? — murmurou, mas foi abafado pela barulheira crescente ao seu redor.

    De repente, o som de um helicóptero rugiu alto sobre eles, com sua sombra se projetando sobre o galpão enquanto pairava, transmitindo a cena ao vivo. Os holofotes da aeronave focaram no grupo, iluminando os rostos exaustos e apreensivos de Nahome, Tovah, Saik e Koji, que saíram do galpão e foram para o meio da rua, deixando-os expostos à multidão.

    — Mas que circo é esse? — resmungou o agente Nahome, tentando recuar um pouco, enquanto Tovah se virava para ele com um olhar de pura irritação.

    — Temos que sair daqui — falou Koji, em um tom urgente, para o grupo — Isso tudo parece ter sido armado para nos pegar desprevenidos.

    Saik, Tovah e Nahome concordaram com um aceno de cabeça, mas a multidão os cercava, e os repórteres não pareciam dispostos a deixá-los ir tão cedo.

    Koji olhou para os lados, tentando avaliar a situação — Saik, precisamos encontrar uma saída antes que isso saia ainda mais do controle.

    Enquanto os repórteres pressionavam com perguntas incisivas e câmeras se estendiam para capturar cada expressão de confusão e horror dos quatro, Saik notou que algumas pessoas da multidão pareciam especialmente… diferentes. Suas expressões eram rígidas, quase inumanas, e seus olhos vazios fixavam-se nos quatro com uma intensidade perturbadora.

    — Tem algo estranho nessas pessoas — ele sussurrou, cutucando Koji.

    — Acho que alguém está manipulando a situação, e essas pessoas são parte disso. É um truque como era em Primavera do Leste.

    A multidão aumentava, e o espaço para fuga se reduzia rapidamente. Nahome olhou para Tovah e assentiu levemente, ambos em sincronia, prontos para agir.

    — Vamos sair daqui — Nahome disse em um tom baixo — E depois lidamos com essa bagunça.

    Com isso, Nahome fez um movimento rápido, puxando a pistola do suporte militar preso ao quadril. Mas, no caos que se formava ao seu redor, uma mão desconhecida surgiu, empurrando seu braço e puxando a arma para fora de seu alcance. 

    — Ham?

    Ele se virou de imediato, percebendo que havia sido roubado. Seus olhos percorreram a multidão em busca do ladrão, mas a confusão de pessoas, jornalistas e flashes o impedia de enxergar claramente.

    — Senhor Nahome! — gritou uma repórter com um olhar inquietante — Como o senhor explica essas pessoas mortas? São obras do governo?

    — É verdade que vocês representam uma ameaça à segurança da cidade? — insistiu outro, aproximando o microfone ainda mais.

    — Vocês são… rebeldes? Mercenários? Quem enviou vocês aqui? — questionou um terceiro, cheio de suspeita e sensacionalismo.

    Enquanto perguntas inconvenientes pipocavam ao seu redor, Nahome soprava a fumaça de seu cigarro com raiva. Koji e Tovah o observavam, atentos à sua expressão.

    — Que houve, Nahome? — perguntou Tovah, ao perceber a agitação do amigo.

    — Eu fui roubado, droga! — Nahome olhava em volta, tentando ignorar o enxame de perguntas absurdas.

    Saik observava a multidão com os olhos semicerrados, atento ao menor movimento estranho. 

    Foi então que, entre os cabelos de duas mulheres na multidão, Nahome avistou uma silhueta. Um garoto mal vestido, de calção sujo e camiseta rasgada, corria apressadamente para fora da multidão, apertando algo contra o peito. Nahome mal conseguiu segurar a surpresa.

    — É ele! — ele murmurou para os outros, antes de começar a empurrar com força a multidão em direção ao garoto.

    Koji, Tovah e Saik seguiram o exemplo, abrindo caminho entre civis e repórteres com movimentos rápidos e decididos, sem paciência para lidar com a resistência da multidão. Conseguiram finalmente escapar da aglomeração, avistando o menino dobrando a esquina de uma rua à esquerda.

    Sem perder mais tempo, Koji e Saik, ligeiramente, avançaram com rapidez que um portador possui, de tal modo que, num piscar de olhos, ambos surgiram na frente do menino, bloqueando sua passagem. Tovah e Nahome chegaram logo atrás com expressões tensas.

    — Vai pra onde, garoto? — Saik perguntou, encarando-o de maneira superiora e intimidadora.

    E o menino, amedrontado e tremendo de nervoso, disse para os quatro — Vocês… não estão com eles? 

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