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    A madrugada estava pesada, abafada, como se a própria cidade de Cuiabá respirasse sob pressão. Dentro da morada subterrânea, os cinco dormiam espalhados como podiam: Koji deitado na cama ao fundo, Saik no chão próximo ao telescópio, Tovah em um colchão improvisado, Nahome encostado em uma parede e Davi em uma cama menor ao lado da cozinha. O silêncio da madrugada foi rompido por um som seco e ritmado: batidas na porta.

    Koji abriu os olhos instantaneamente, sentindo o coração acelerar. Saik já estava de pé, silencioso e atento, enquanto Tovah murmurava algo inaudível, tentando se orientar no escuro. Davi, com os pés descalços, correu para o interruptor e acendeu a lâmpada fraca que iluminava o abrigo.

    Nahome perguntou, com uma voz firme, mas baixa, enquanto pegava o dispositivo de comunicação no bolso — Quem está aí?

    As batidas cessaram. Todos ficaram em alerta, com os olhos fixos na entrada. A escada estreita parecia mais ameaçadora do que nunca.

    — Isso não é bom — murmurou Saik.

    — Não podemos ignorar — Tovah disse, andando até a escada. Ele olhou para os outros antes de subir — Se algo nos esperava lá fora, já saberiam que estamos aqui. Eu vou na frente.

    Tovah subiu devagar e os degraus rangiam levemente sob seu peso. Ele empurrou a pequena porta que dava para a superfície, que abriu com um som agudo de metal enferrujado. Quando colocou a cabeça para fora, ele parou, estático.

    — Mas que… inferno é esse? — sussurrou.

    — O que foi? — Koji começou a subir. Ele rapidamente alcançou Tovah e, ao emergir, viu o que o deixara tão perturbado.

    Centenas de milhares de corpos flutuavam no ar. Homens, mulheres, crianças; todos com os olhos fechados, imóveis, suspensos a dez metros do chão como marionetes invisíveis. O céu acima estava escuro, coberto por nuvens densas, e um vento frio assobiava pelas ruas vazias da cidade.

    Nahome, Saik e Davi logo também subiram, todos em silêncio. Davi agarrou o braço de Nahome, assustado, enquanto olhava para a cena.

    — Isso é obra do Conclave — Saik finalmente disse, observando os corpos com um olhar duro — Um rito. Provavelmente um trunfo ofensivo.

    Tovah perguntou, ainda processando a cena — Mas o que eles estão fazendo com essas pessoas? As pessoas estão mortas?

    — Não parecem mortas — Koji respondeu, inclinando a cabeça para observar mais de perto — Não vejo sinais de sangue.

    — Então estão desacordadas… — Nahome comentou, mas a frase saiu mais como uma pergunta. Ele estava tentando racionalizar o que via — Por que tantas pessoas? Qual o propósito?

    Davi finalmente falou com sua voz tremendo — Talvez eles estejam… coletando pessoas? Para o Domo?

    Saik acrescentou — Isso é muito mais organizado do que imaginávamos. O Conclave não está apenas consolidando poder. Está realizando algo em uma escala que nunca vimos.

    O vento aumentou, trazendo consigo um som baixo, quase como um gemido distante. Koji sentiu um calafrio percorrer sua espinha — Precisamos fazer algo. Não podemos simplesmente ficar aqui olhando — ele disse, dando um passo à frente.

    — E o que você sugere? — perguntou Tovah, sem tirar os olhos da cena — Invadir o Domo agora? Sem saber o que vamos enfrentar?

    Koji apertou os punhos, frustrado — Não podemos ignorar isso!

    Nahome interveio — Calma, Koji. Precisamos de informações antes de qualquer movimento. Se entrarmos no Domo às cegas, acabaremos igual a essas pessoas. Ou pior.

    Seriamente, Saik opinou — Não sabemos se o Conclave já notou nossa presença aqui. Isso pode ser um aviso. Ou uma armadilha.

    Mas, de repente, o inesperado aconteceu. Para a surpresa de todos, os milhares de corpos suspensos começaram a cair simultaneamente. 

    Koji abriu a boca para gritar um aviso, mas o som ficou preso em sua garganta. Era rápido demais.

    “Elátos: Energia Maleável” sussurrou Saik em um momento de puro reflexo, ativando sua técnica e, ligeiramente, disse “Barreira Reforçada!”.

    Com precisão impecável, ele ergueu uma barreira circular de energia reforçada ao redor do grupo.

    Quando os corpos atingiram o chão, explosões devastadoras começaram em toda a cidade, cada impacto liberava uma onda de destruição que lembrava a força de ICBMs. O solo tremeu, e o céu noturno foi iluminado por clarões intensos de fogo e energia.

    A voz de Elátos ecoou na mente de Saik, profunda e firme “Você sabe o que fazer, Saik. Está na hora de usar aquilo que discutimos.”

    Uma cena antiga emergiu na mente de Saik; uma conversa entre ele e Elátos, que falava diretamente na mente, ocorrida durante um treinamento exaustivo  em outra época.

    “A Ampla Prisão Vívida não é apenas uma técnica, Saik. Ela é um teste de tudo o que você é. É sua vontade, determinação e propósito combinados em sua forma mais pura. Não é uma barreira comum; é um sacrifício, uma rendição completa de corpo, mente e alma.”

    Naquele dia, Saik, mais jovem e impetuoso, havia questionado “Mas o preço… e se for demais?”

    Elátos riu levemente “O preço sempre será alto, garoto. Mas lembre-se, poder sem propósito é vazio. Qual é o seu propósito, Saik? Por que luta? Por quem se sacrifica?”

    De volta ao presente, a lembrança aqueceu o coração de Saik, trazendo determinação. Ele ergueu as mãos e a energia ao seu redor cresceu exponencialmente.


    “Ampla Prisão Vívida!”


    No entanto, Saik sentiu o impacto direto no corpo. Suas pernas tremiam e sua visão turvava. Ele sabia que estava no limite e quando caiu, segurado por Koji, antes que caísse no chão, relembrou novamente do passado;

    Ele e sua mãe sentados em volta da mesa da cozinha quando ele tinha apenas 13 anos. A voz suave e carinhosa dela parecia envolver seu coração. Era noite e, Saik olhava para a cruz de madeira na parede do cômodo e num tom meio provocativo, perguntou.

    — Mãe, por que a senhora… parece amar mais Ele do que o papai — apontou para o crucifixo.

    — Por que amo Ele? Você vai entender, filho. Pouquíssimas pessoas arriscam suas vidas para salvar vidas alheias. E, olha, isso é até normal, porque ninguém vai se arriscar por um desconhecido. É por isso que respeito Ele. Porque, mesmo sem nos conhecer, mesmo sabendo que muitos nem o queriam, Ele deu a vida para salvar todos e nos deu a chance de chegar até Ele. Hm… Se você fosse um herói, faria isso, filho?”

    — Acho que o Batman faz isso, então eu faria sim… — a memória se dissipando enquanto seu corpo cedia.

    A Ampla Prisão Vívida finalmente estabilizou o ambiente, inutilizando o desastre. Cuiabá estava salva, o país e o mundo havia sido salvo. Saik não conseguia nem mover o corpo, de sua boca e nariz sangue escorria…

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