Capítulo 78 - O Quinto Rato
Alguém havia superado eles. Os tecnocratas estavam mortos, de fato. A questão agora que sobrevoava o ar era; ainda tinha sentido no que Koji e Sam buscavam? A vingança não havia perdido seus principais e, talvez, os únicos componentes?
Os dois pareciam formigas no mar de altos edifícios. Lá estavam eles, Koji e Sam, sentados na beira do último andar de um dos grandes prédios presentes, especificamente, nos luxuosos concretos da Vila Olímpia, na gigante cidade paulistana. Koji era quem mais cabisbaixo estava, mas evidentemente não com tristeza. Em sua face, podia-se ver a indignação contida. Por outro lado, Sam, sempre calmo, estava deitado de barriga para cima, com os braços abertos e olhava para o céu azul, ensolarado e de nuvens brancas.
Sam virou a cabeça, fixou o olhar em Koji, que observava o horizonte com um fervor amortecido.
— Está com raiva ou frustrado?
Koji moveu apenas os olhos, sem desviar do horizonte — Raiva.
— Dos tecnocratas?
— Deles e de quem os matou.
Sam soltou um suspiro suave que mal moveu o ar — Encontramos o que buscávamos, Koji. Os tecnocratas. O preço foi a vida de um rato menor e a perda da satisfação.
— A satisfação era secundária. A lista de nomes era primária. — Koji pressionou seus punhos. — Alex só deu um nome, Hanat. E Hanat só confirmou Alex. Morreram antes de abrir o bico. Não temos a lista. E os caras que queríamos achar, apareceram mortos… Não fizemos nada.
— Tínhamos a certeza que eles existiam. Isso já é um avanço.
Koji balançou a cabeça em negação — Se Hanat disse que os tecnocratas eram quatro no total, e achamos quatro desmembrados e carbonizados, significa que a lista de Ratos Maiores pode ter acabado antes de a vermos. Perdemos eles antes de os encontrar.
Sam apoiou a cabeça nas mãos — Talvez o mandante da execução fosse o quinto. Ou talvez o mandante era outro grupo que limpou a área. Quem disse que realmente os Ratos Maiores são só quatro?
— Um quinto Rato Maior… — Koji sussurrou, a palavra carregada de implicação. — Nem Alex, nem Hanat eram esse quinto Rato Maior, porque eram de camadas inferiores. Os ratos menores… Mas quem mais sabia da existência desses homens?
— Talvez a Torre, Koji. A Torre sempre sabe. E agora, Tovah e Nahome sabem que você estava lá.
Koji virou-se bruscamente para Sam — Você acha que a Torre os matou?
Sam negou com a cabeça — Não. A Torre não usaria um Rito de Sacrifício como fizeram com Hanat. E o modus operandi dos carbonizados e desmembrados não é o estilo cirúrgico da Ava. E bom, não estou confirmando que fizeram isso. Você conhece eles melhor, você é um portador aliado e que coopera com a Torre. Acha que eles fariam isso?
— Por parte da comandante Ava, não. E nem pelo presidente Rod Sugg… Ele está sob vigia maior da Torre. Não acho que fizeram nada disso.
— Então as coisas ficaram mais complexas para nós.
Koji levantou-se, ficou de pé na beira do prédio, com a cabeça ligeiramente inclinada, estudando a cidade.
— Se meu pai se matou por causa deles, se me fez portador para lutar contra ‘eles’, e se ‘eles’ já estão mortos… Quem resta?
Sam levantou-se devagar, parando ao lado de Koji — Não ter respostas não significa que perdemos. Só estamos atrasados…
(…)
No mesmo horário, manhã, mas em um local um pouco distante, apesar de ainda estar em São Paulo, na casa onde Amanda morava com seus pais…
Ela dormia normalmente, mas uma explosão estrondosa a fez levantar assustada instantaneamente. Ela saltou da cama, com os olhos arregalados, influenciada pelo trauma visto — o assassinato de Alex e o medo de portadores —, tremendo e visivelmente nervosa, correu para a porta do quarto, abriu-a e disparou pelo corredor, até chegar nos quartos dos seus pais, Hilário e Fathma, e bateu com força. A porta estava trancada.
Amanda gritava loucamente. Não ouviu ninguém responder. Desesperada, correu para a escada, desceu até o andar de baixo, onde ficavam sala, cozinha e adjacências. Correu por todos os cômodos, procurou por seu pai e sua mãe. Por fim, após não achá-los dentro de casa, ela saiu para a rua. Vestia um pijama de saia, que segurava devido ao vento, e estava descalça. Ao pisar na calçada, deparou-se com centenas de milhares de pessoas correndo pelas ruas, tanto da sua casa quanto das demais ao lado no quarteirão. O barulho havia sido extremamente alto.
Em um momento de não saber por onde olhar e como reagir, ela ergueu o olhar, e o problema finalmente caiu sobre sua vista.
Um grande prédio a poucos metros de sua casa, no bairro vizinho, especificamente no Ipiranga, estava literalmente partido ao meio. Parecia o ato letal de uma navalha afiada que a havia cortado. A metade superior dele, seus andares mais altos, despencaram de uma altura de 60 metros para as ruas, casas e pessoas abaixo. Era possível ver pessoas sendo arremessadas para fora dessa metade que caía, enquanto a parte inferior balançava, mas se mantinha de pé. Simplesmente, era um cenário apocalíptico.
Amanda viu aquilo com tanta clareza e a uma curta distância, aproximadamente pouco mais de apenas 1 km. Paralisada ela estava. Não havia como ser tão aterrorizador. Muitos gritos se ouviam. As pernas dela tremiam, quase não conseguiam mantê-la em pé. Até mesmo seus olhos pareciam ficar mais fracos.
— Vai ficar aqui na rua mesmo? — Tovah disse, com sua mão esquerda pousada sobre o ombro direito dela. Ele lambia um picolé de morango.
Amanda, ligeiramente assustada, virou-se e recuou com medo. Logo parou quando viu que era Tovah.
— O Nahome pediu para que eu viesse atrás de você. Temos que sair daqui. — Tovah alertou, aproximando-se com gestos chamando ela para vir.
— Mas e… aquilo? Olha a-aquilo… — Amanda apontou para o desastre em meio a sua voz falha.
— É também por isso que ele pediu para eu levar você para longe… Mas também por um segundo motivo. Eu só preciso que você se vista mais.
Ela saiu correndo para casa, subiu as escadas e entrou no quarto. Vestiu-se rapidamente. Quando iria sair novamente, parou, lembrou do quarto de seus pais, e voltou lá. Girou a maçaneta. Não abria, estava fechada. Empurrou uma vez, uma segunda vez. Não conseguiu. Passos se aproximaram. Era Tovah. Ele acompanhou-a e a viu bater na porta sem sucesso algum. Tovah foi até lá. Empurrou uma vez só, fortemente e com um pequeno impulso, conseguiu abrir a porta. Dentro, Amanda ligeiramente entrou, olhou para todos os cantos, mas de fato ou, surpreendentemente, não havia ninguém lá.
Ao chegar na unidade municipal da Torre, no centro de São Paulo, Nahome lá estava esperando a chegada de Amanda e Tovah. Ela vestia-se da forma mais apressada possível; uma calça meio folgada, uma camiseta branca amassada e uma pequena jaquetinha escura por cima. Extremamente atônita e afobada, Amanda se aproximou de Nahome.
— Meus pais, Hilário e Fathma? Onde estão? Não estavam em casa! — Seu medo transbordava nos olhos inquietos e lacrimejados de uma filha agoniada. — E que ataque foi aquele no Ipiranga?
Nahome respondeu calmamente, fumando — O ataque não se sabe o que foi e quem causou, mas certamente tem ligação com quem está por trás dos últimos acontecimentos em São Paulo…
— E meus pais?
Nahome assoprou a fumaça para o lado — Isso é outro caso. Hilário e Fathma foram sequestrados.
Ele mostrou uma carta recebida pela unidade municipal da Torre de alguém desconhecido, sem nome na carta. Amanda estendeu o braço direito e puxou a carta da mão de Nahome. Começou a ler:
“Sua filha sabe demais. Especialmente do que tange ao assassinato de Alex.
Para a liberação de Hilário e Fathma, Amanda terá que ir até o endereço abaixo em até 48 horas desde a entrega desta carta. No local, será pedido algo a ela que só pode ser revelado lá. A sobrevivência dos pais dela dependerá da conclusão de nossa negociação e diálogo.”
Amanda rasgou o papel da carta com os dedos, alimentada de fúria.
— Isso é absurdo! Não acredito! — Os olhos dela lacrimejavam. Ela iniciou uma marcha raivosa em círculos. — Por que isso? Eu não sei de nada! Eu sou só uma advogada júnior!
Nahome apoiou as mãos na mesa, olhou para Amanda com uma seriedade profunda e bem rara. — Você sabe o nome de Hanat, Amanda. Você ouviu a conversa de Koji e Sam. Você testemunhou o assassinato de Alex, que estava envolvido com seu mentor Rick Schulz, e envolvido e cnhecido de outras pessoas que ainda nem conhecemos, muito menos sabemos quem são. Você sabe o suficiente para ser uma peça-chave.
— Mas eu não sei o que eles querem! — Amanda gritou, parou a marcha e encarou Nahome.
— Não importa o que você sabe, importa o que eles acham que você sabe. E eles querem você. — Tovah interveio, aproximou-se.
— E vocês esperam que eu vá? Para esse lugar? Sem proteção? Eu não vou! — Amanda cruzou os braços.
— Se não for, seus pais morrem. Se for, podemos ter uma chance. — Nahome argumentou. — E você não vai sozinha. Eu e Tovah iremos. Como não foi deixado escrito na carta, poderemos entrar com você.
— Eles são portadores? São os tecnocratas? São quem fizeram aquilo no Ipiranga? Vocês sabem?
— Nós sabemos que não podemos permitir que você morra, nem que seus pais morram. Sua informação é vital para a Torre. E você é humana, Amanda. Eu e Tovah também não somos portadores, mas somos humanos-agentes da Torre. Nossa presença próxima intimida o suficiente para que eles pensem duas vezes antes de uma agressão aberta na rua.
— E se for uma armadilha, para vocês dois também?
— Armadilhas são o nosso café da manhã, Amanda. — Tovah brincou, mas a expressão permaneceu séria. — Já enfrentamos dezenas de portadores.
(…)
Lá nos destroços do prédio cortado ao meio, no bairro Ipiranga, já caídos inteiramente, o cenário era de centenas de mortos e feridos, além de inúmeras casas e veículos destruídos. Entre os pedaços grandes e pequenos de concretos caídos sobre as ruas ao redor do edifício, caminhavam os bombeiros, agentes da defesa civil e voluntários que iniciaram as buscas pelos corpos e o resgate de feridos.
Mas no meio de toda essa gente, uniformizada e não, se encontrava um homem que destoava. Com passos lentos entre os que ajudavam, ele avançava com um visual marcante. Tinha cabelo curto, pontudo e de cor vinho. Vestia uma roupa, calça e camisa comuns em cinza, e uma grande mochila nas costas, uma bolsa bem parecida naquele formato de bolsa de violão, guitarra. Na face, um piercing na sobrancelha direita.
Ele caminhava olhando para baixo assim como os outros, mas visivelmente mais para averiguação de confirmação do que qualquer outra coisa intencional. Em um momento, agachou-se, observou minimamente a ponta de um dedinho entre pedras menores e areia de concreto.
— Achei um! — ele chamou, enquanto mantinha seu olhar no dedinho levemente ensanguentado e quebrado.
Ele então levantou-se e deu uns passos para o lado, dando espaço para os bombeiros e agentes da defesa civil. Olhou o esforço coletivo dos homens, velhos, adultos e jovens adultos que juntos tentavam buscar aqueles que perderam a vida. Este homem somente os observava, e batia na calça e na camisa, limpando-se.
Ele então começou a sair, a caminhar para fora dos escombros grandes, ia contra a maré de ajudantes que caminhavam para ajudar. De cabeça baixa, enquanto para longe se encaminhava, ele pôs o dedo indicador direito na orelha direita, e falou baixinho.
— Deny, Atualização! Meu trabalho parcialmente feito! — Seu nome era Deny.
Do outro lado da linha, alguém de voz distorcida e robotizada, propositalmente para evitar os registros de ligações, respondeu falando.
— Parcialmente? Você ainda não fez o trabalho inteiro como eu pedi?
Este homem, de nome Deny, respondeu, virando-se novamente para os escombros aos pés do prédio, e sorrindo de volta.
— É sim… Agora sim, eu acabei de finalizar o trabalho.
De repente, na parte inferior do prédio, os andares abaixo, que se mantiveram de pé e sob cujos pés estavam os destroços gigantes da parte superior do edifício, simplesmente explodiu.
Uma impiedosa, cruel e absurda destruição. Os gritos de desespero subiram antes de serem engolidos pelo fogo e pelo forte vento quente. Inúmeras pessoas morreram que lá estavam ajudando, tanto para achar os corpos sem vida quanto para achar pessoas ainda com o mínimo de respiração. Todos foram dissipados pela explosão gigante que atingiu fortemente um raio de 130m, devastou mais centenas de milhares de vidas e expandiu a cruel destruição.
E Deny, este misterioso agente, se era humano ou portador, e a quem servia, não se podia saber até então, mas em uma distância segura ele havia ligeiramente se colocado, e vivo estava….

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