Índice de Capítulo

    O tabuleiro nesse jogo dos ratos estava se estreitando. A guerra silenciosa ganhava um novo e brutal combatente…

    Deny estalou o chiclete na boca. A temperatura na recepção da Torre subia instantaneamente, e transformava a entrada banhada de mármore cinza, em uma fornalha com o aumento do calor. O fogo vermelho-claro, agora mais intenso, lambia o teto e desfazia as paredes. A unidade municipal, um bastião de ordem e segurança para os paulistanos, e que no centro de São Paulo ficava, agora ruía em questão de segundos…

    — Inutilidades, é? — A voz de Nahome era perigosamente calma, contrastava com o suor que já começava a escorrer por sua testa. Ele não se movia do seu posto, com o corpo ligeiramente inclinado e pronto para a ação. — Não sei quem te mandou, mas você superestimou a facilidade com que pode “limpar” a Torre.

    Deny inclinou a cabeça, desinteressado. Ele não respondeu a Nahome, mas fixou os olhos em Koji, que tremia de fúria.

    — Sua raiva é sempre a mesma coisa. Previsível como cheiro de lixo. — Deny deu um passo à frente, em meio ao piso que derretia sob seu pé. — Eu amo essa Incineração. 

    — Incineração? — Koji recuou, mas a raiva era um ímpeto mais forte. — Foi assim que você matou os tecnocratas…

    — Koji, para trás! — A ordem de Nahome foi rápida e profissional. Ele levou a mão ao quadril, onde repousava uma pistola de Nullite, cano longo.

    Deny não esperou…

    Em um piscar de olhos, sua velocidade aprimorada o fez se mover como um borrão cinza, atravessando os poucos metros que o separavam do trio. Ele ignorou Nahome e Tovah, focando inteiramente em Koji. Vop! Koji mal teve tempo de levantar os braços. A velocidade era esmagadora. Deny desferiu um soco limpo no plexo solar de Koji. O golpe arremessou o portador para trás.

    Tamp! Koji colidiu com uma divisória de gesso, que explodiu em uma nuvem de poeira branca.

    — Parem de brincadeira! —  Levemente impaciente, Deny se virou, encarando os agentes Nahome e Tovah.

    — Ele acertou o Koji? — Tovah estava impressionado, olhando para Koji caído. — Como um humano conseguiu ser mais rápido que um portador, Nahome?

    O fogo de seu cigarro estava prestes a apagar, mas Nahome puxou seu isqueiro e o reacendeu — Se ele acertou o Koji, significa que não é somente um humano comum… Se não percebeu, Tovah… A Incineração dele não foi invocada, nem a Sombra dele foi chamada e nem uma Técnica ativada.

    — Então ele não é um portador de fato. 

    — Exatamente. Tudo que de portador for usado por ele, é emprestado por alguém. Ele certamente tem limitação em relação ao uso das habilidades dessa técnica emprestada. Mas tem algo que me parece diferente… — Nahome olhava diretamente para a grande bolsa nas costas de Deny. — Talvez o que tenha naquela bolsa também não seja dele, mas para usá-la necessita de habilidade apropriada. 

    — Já entendi o raciocínio…

    Entre escombros de parede e poeira, Koji ainda se levantava quando se viu já protegido. Ao redor dele, as suas esferas — densas e envoltas em uma aura sombria — formavam uma barreira giratória entre ele e Deny. 

    — Já vai perder? — Koji ouviu a voz grave e provocadora do Spherea em sua mente. E ele respondeu. — Incrível como você só aparece quando acontece desgraça. 

    Nahome pensava enquanto isso. Seus olhos se estreitaram, processando a velocidade, o poder e a motivação do ataque de Deny contra Koji. Nahome sabia que Tovah precisaria de tempo.

    — Ele provavelmente ignora as defesas passivas! Tovah, prepare o ataque! — Nahome gritou, enquanto sacava a pistola de Nullite.

    Ao ouvir, Deny riu da súbita barreira de esferas do Koji. Ele parou, mas não recuou, apenas observava as esferas girarem.

    — Então essa é a sua técnica? 

    Vup! Vup! Vup! Inesperadamente, Nahome disparou três projéteis de Nullite em rápida sucessão. O Nullite, projetado para queimar e causar coceira celular em portadores, era uma aposta contra Deny, um humano com poder emprestado. Com sua agilidade aprimorada, Deny desviou dos dois primeiros com movimentos mínimos e calculados do corpo. O terceiro, no entanto, ele agarrou com a mão direita em chamas. A bala de Nullite não perfurou, mas a incineração interna do projétil criou um brilho azulado na palma de Deny, que ele suprimiu com um aumento de calor da mão.

    — Interessante… Tão irritante quanto. — Deny avaliou a mão, sem ferimentos. A Nullite era ineficaz, ou ele a anulou.

    Enquanto a atenção de Deny estava dividida, Tovah deu o seu passo — A gente se vê por aí, Koji.

    Tovah, sempre sendo uma figura despretensiosa, retirou a espada laranja principal da bainha em suas costas, e sua expressão mudou. Ligeiramente, seus olhos se focaram em um ponto além de Deny.

    “Fluxo Baixo!” Tovah murmurou para si mesmo, na sua voz que se acalmava diante da declaração de um novo estado em seu corpo.

    A massa do corpo de Tovah pareceu, por um instante, dissipar-se no ar. Seu terno da Torre flutuou minimamente, seus pés tocaram o chão com uma leveza antinatural, e ele se tornou uma sombra em movimento. A velocidade e a flexibilidade eram sobre-humanas. Ele não avançou em linha reta, e sim em uma trajetória em zigue-zague, explorando os destroços da sala em colapso.

    Nahome, vendo a abertura, começou a correr na direção oposta, sacando uma submetralhadora de Nullite para dar cobertura à área.

    Tovah materializou-se no lado direito de Deny. Sua espada laranja traçou um arco perfeito, visando o pescoço do adversário. Clang! Entretanto, Deny usou de seus reflexos de um humano desenvolvido, soltando a mochila de suas costas no chão. No instante exato do golpe, ele sacou a primeira de suas três pequenas espadas de reserva e bloqueou o ataque de Tovah.

    A dança começou, enfim. Pois Tovah, que desfilava com o seu Fluxo Baixo, era a própria leveza para ditar o ritmo. Ele recuava no ar, evitava um chute, distribuía seu peso de forma eficiente, girava no ar para desferir um golpe inesperado de baixo para cima, o que aumentava seu alcance. Por outro lado, Deny baseava-se em velocidade bruta e economia de movimento. Ele lia a trajetória do golpe de Tovah, bloqueava o exato ponto de contato e contra-atacava com força. Cada movimento do braço de Deny era rápido, preciso e com a intenção de matar.

    — Você é rápido, agente! Mas previsível. Você está evitando o contato! — Deny zombou, enquanto pulava para trás e deslizava pelo chão derretido.

    — Que lixo exibido… — pensou Tovah, quando voltou a se posicionar de maneira ofensiva.

    A acusação era verdadeira. Tovah priorizava a precisão e a agilidade acima da força. Ele precisava de tempo para avaliar a técnica do oponente.

    — Você é muito mais previsível do que pensa, assassino! — Tovah  movia-se em um círculo.

    — Koji! Levante-se! — Nahome gritou de longe, enquanto corria, vindo de trás do Tovah, e preparava uma granada de Nullite.

    Mas Koji ainda estava ofegante e sentia a dor excruciante do soco de Deny, e portanto, apoiou-se na parede. — Que merda… Por que o soco dele doeu tanto assim? Que coisa esse cara tem? — As esferas giravam ao seu redor, inertes, esperando a ameaça se aproximar.

    “Externar! 10%!” Surpreendentemente, e o que fez chamar a atenção de todos ali, Koji ordenou, mesmo murmurando na dor.

    Uma fina aura de energia negra começou a emanar de seu corpo. A dor da sobrecarga era instantânea, mas foi suprimida pela adrenalina. Seus atributos físicos aumentaram em 10%, o suficiente para ele sentir que podia se mover.

    Deny voltou seu olhar para Koji, e sorrindo, analisou consigo mesmo — Independente do que eu tente fazer, a prioridade de cuidado deve ser com esse aqui. Os agentes conseguirão assustar tanto quanto ele.

    — Apesar do Koji ter ativado a Energia Externa, é melhor que você o ajude ofensivamente. — Olhando levemente para trás, Tovah chamou a atenção de Nahome. Ele apontava de forma discreta para onde Koji se encontrava — do outro lado da unidade —, na direção das costas de Deny.

    — Só não tente se sobrecarregar, ok? — Nahome agachado, preparava um explosivo dentro de uma pequena bolsa militar de suporte, quase um estojo.

    Ao levantar, Nahome aproveitou o espaço criado pela luta de Tovah. Ele lançou uma granada de Nullite no ponto central entre Tovah e Deny, onde a poeira ainda estava suspensa — Mantenha-o ocupado, Tovah! — ele avisou, enquanto avançava pela lateral de Deny, até chegar no Koji.

    Deny viu a granada rolando: “Eu não posso explodi-lo ou incinerá-lo, pois o custo de uso é alto. Não posso desperdiçar.”, então ele tomou uma decisão lógica… Deny deu um salto explosivo, usando a velocidade máxima de seu corpo aprimorado, não para fugir, mas para invadir a guarda de Tovah antes que a granada explodisse.

    Tsc!” Tovah rangeu os dentes, quando voltou seu olhar para Deny, e o viu no alto, disposto a levar o golpe da granada.

    Deny irrompeu na guarda de Tovah. Ele ignorou a espada laranja de Tovah, que tentou um golpe desesperado, mas errou o alvo. Por consequência, Deny passou e, portanto, usou o ombro para atingir a costela de Tovah, desequilibrando-o. No mesmo instante, a granada de Nullite explodiu. Booom!

    Uma nuvem de fumaça azul-esverdeada, densa e cáustica, engoliu os dois. Deny cambaleou, com seu corpo inteiro coberto por uma coceira violenta, e um ardor que atingia suas células. Ele não era um portador, mas a Nullite causava dor excruciante em qualquer tecido vivo, mesmo que em um humano, o máximo de efeito não fosse como em um portador — a morte.

    — Desgraçado! — Deny estava embargado pela dor.

    Aproveitando o momento para um ato de distância, Tovah disparou para um pouco longe de seu oponente, murmurando novamente o Fluxo Baixo à sua flexibilidade máxima. E num piscar de olhos, em meio ao nevoeiro de poeira de concreto, aproximou-se de Koji e Nahome.

    — Ele não é um portador legítimo, mas essa coisa ainda o atinge! — Tovah sibilou com a testa franzida, apontando para o estojo militar de Nahome, cheio de armas e artifícios com Nullite.

    — Nullite é chato até mesmo para humanos. — Nahome, de joelhos ao lado esquerdo de Koji, encarava o inimigo.

    Deny se ajoelhou, tentando desesperadamente coçar a pele. A Nullite era uma dor persistente. Ele percebeu que a abordagem de combate leve não funcionaria contra a força numérica e a estratégia da Torre. Então, por pura frustração e desprezo, Deny ficou de pé, caminhou lentamente até a sua grande mochila e a agarrou no chão. Ele descompactou o zíper e puxou sua arma principal: a Husho.

    O som do metal arrastando-se pelo chão já em brasa era um prenúncio de massacre. A Husho era uma espada exótica, desconhecida até então, e possuía um cabo grosso de aço e uma lâmina grande e afiada, era intimidadora e imponente.

    — Certo. O jogo de facas acabou agora… — Deny levantou a Husho sobre o ombro.

    — Koji! Mantenha suas Esferas em movimento! Tovah, prepare o Fluxo Alto!

    — Não posso! O Fluxo Alto é minha última carta! — Tovah respirava aceleradamente.

    — Não temos escolha! Deny não é um portador, mas não aparenta ser fraco. Você tem uma chance! — Nahome gritou, de joelhos, recarregando a submetralhadora com um novo pente.

    Apesar de não literalmente, pois não tinha essa capacidade, Koji sentia a aura de poder da Husho. Certamente, o mesmo valia para as Esferas, que começaram a multiplicar e aumentar o volume ao redor de Koji. 

    De alguma forma, a Husho incomodava muito as Esferas, que inesperadamente avançaram sem nem ao menos algum ataque ter sido lançado contra Koji.

    — O-que? Ei! Ei! O que estão fazendo? — Nervoso, Koji via suas Esferas partirem, adotando uma postura rara; ofensiva sem ser um contra-ataque. 

    As esferas, que estavam inertes em torno dele, ganharam vida e se espalharam, cercando o trio em um escudo de defesa flutuante e ativo, pronto para interceptar qualquer ataque iminente da grande espada.

    — Calma… Elas não foram para atacarem? — Koji não estava entendendo as Esferas.

    — O que houve, Koji? — Incomodado e confuso, Tovah olhou para Koji, enquanto Nahome também encarava aquela movimentação de rotação e defesa flutuante das Esferas. — Elas estão protegendo nós três, e não somente Koji. Isso não vai contra o seu próprio pacto?

    — Sim, vai… Por isso não estou entendendo elas…

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